quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Podem os Espíritos dar conselhos relativos à saúde?‏

Curas de Jesus

 Perda de sangue 

10. Então, uma mulher, que havia doze anos sofria de uma hemorragia; - que sofrera muito nas mãos dos médicos e que, tendo gasto todos os seus haveres, nenhum alívio conseguira - como ouvisse falar de Jesus, veio com a multidão atrás dele e lhe tocou as vestes, porquanto, dizia: Se eu conseguir ao menos lhe tocar nas vestes, ficarei curada. - No mesmo instante o fluxo sanguíneo lhe cessou e ela sentiu em seu corpo que estava curada daquela enfermidade. 

Logo, Jesus, conhecendo em si mesmo a virtude que dele saíra, se voltou no meio da multidão e disse: Quem me tocou as vestes? - Seus discípulos lhe disseram: Vês que a multidão te aperta de todos os lados e perguntas quem te tocou? - Ele olhava em torno de si à procura daquela que o tocara. 

A mulher, que sabia o que se passara em si, tomada de medo e pavor, veio lançar-se-lhe aos pés e lhe declarou toda a verdade. - Disse-lhe Jesus: Minha filha, tua fé te salvou; vai em paz e fica curada da tua enfermidade. (S. Marcos, 5:25 a 34.) 

11. Estas palavras: conhecendo em si mesmo a virtude que dele saíra, são significativas. Exprimem o movimento fluídico que se operara de Jesus para a doente; ambos experimentaram a ação que acabara de produzir-se. É de notar-se que o efeito não foi provocado por nenhum ato da vontade de Jesus; não houve magnetização, nem imposição das mãos. Bastou a irradiação fluídica normal para realizar a cura. 

Mas, por que essa irradiação se dirigiu para aquela mulher e não para outras pessoas, uma vez que Jesus não pensava nela e tinha a cercá-lo a multidão? 

É bem simples a razão. Considerado como matéria terapêutica, o fluido tem que atingir a matéria orgânica, a fim de repará-la; pode então ser dirigido sobre o mal pela vontade do curador, ou atraído pelo desejo ardente, pela confiança, numa palavra: pela fé do doente. Com relação à corrente fluídica, o primeiro age como uma bomba calcante e o segundo como uma bomba aspirante. Algumas vezes, é necessária a simultaneidade das duas ações; doutras, basta uma só. O segundo caso foi o que ocorreu na circunstância de que tratamos. 

Razão, pois, tinha Jesus para dizer: Tua fé te salvou. Compreende-se que a fé a que ele se referia não é uma virtude mística, qual a entendem muitas pessoas, mas uma verdadeira força atrativa, de sorte que aquele que não a possui opõe à corrente fluídica uma força repulsiva, ou, pelo menos, uma força de inércia, que paralisa a ação. Assim sendo, também se compreende que, apresentando-se ao curador dois doentes da mesma enfermidade, possa um ser curado e outro não. É este um dos mais importantes princípios da mediunidade curadora e que explica certas anomalias aparentes, apontando-lhes uma causa muito natural. (Cap. XIV, nos 31, 32 e 33.) 

(Texto extraídos de A Gênese - Os milagres segundo o Espiritismo - Capítulo XV - Os milagres do Evangelho - Curas - Perda de sangue.) 

Questões sobre a saúde

24ª Podem os Espíritos dar conselhos relativos à saúde?

"A saúde é uma condição necessária para o trabalho que se deve executar na Terra, pelo que os Espíritos se ocupam de boa-vontade com ela. Mas, como há ignorantes e sábios entre eles, convém que, para isso, como para qualquer outra coisa, ninguém se dirija ao primeiro que apareça."

25ª Se nos dirigirmos ao Espírito de uma celebridade médica, poderemos estar mais certos de obter um bom conselho?

"As celebridades terrenas não são infalíveis e alimentam, às vezes, ideias sistemáticas, que nem sempre são justas e das quais a morte não as liberta imediatamente. A ciência terrestre bem pouca coisa é, ao lado da ciência celeste, Só os Espíritos superiores possuem esta última ciência. Sem usarem de nomes que conheçais, podem eles saber, sobre todas as coisas, muito mais do que os vossos doutos. Não é só a ciência o que torna superiores os Espíritos e muito espantados ficareis da categoria que alguns doutos ocupam entre nós. O Espírito de um cientista pode, pois, não saber mais do que quando estava na Terra, desde que não haja progredido como Espírito."

26ª O douto, ao se tornar Espírito, reconhece seus erros científicos?

"Se chegou a um grau bastante elevado, para se achar livre da sua vaidade e compreender que o seu desenvolvimento não é completo, reconhece-os e os confessa sem constranger-se3. Mas, se ainda não se desmaterializou bastante, pode conservar alguns dos preconceitos de que se achava imbuído na Terra."

27ª Poderia um médico, evocando os Espíritos de seus clientes que morreram, obter esclarecimentos sobre o que lhes determinou a morte, sobre as faltas que haja porventura cometido no tratamento deles e adquirir assim um acréscimo de experiência?

"Pode e isso lhe seria muito útil, sobretudo se conseguisse a assistência de Espíritos esclarecidos, que supririam a falta de conhecimentos de certos doentes. Mas, para tal, fora mister que ele fizesse esse estudo de modo sério, assíduo, com um fim humanitário e não como meio de adquirir, sem trabalho, saber e riqueza." 

(Extraído do Livro dos Médiuns - Segunda parte - Das manifestações espíritas - Capítulo XXVI - Das perguntas que se podem fazer aos Espíritos - Sobre a saúde, item 293.)

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

[RE] - Os agêneres

Por Allan Kardec

(Revista Espírita, fevereiro de 1859)

Por várias vezes demos a teoria das aparições. Em nosso número passado recordamo-la a propósito dos estranhos fenômenos então relatados. Relembramo-la aos nossos leitores, para melhor compreensão do que se segue.

Todos sabem que no número das mais extraordinárias manifestações produzidas pelo Sr. Home estava o aparecimento de mãos perfeitamente tangíveis, que todos podiam ver e apalpar; que apertavam em cumprimento e que, de repente, ofereciam o vazio quando as queriam pegar de surpresa. É um fato positivo, produzido em diversas circunstâncias, atestado por numerosas testemunhas oculares. Por mais estranho e anormal que pareça, cessa o maravilhoso desde o momento em que é possível dar-lhe uma explicação lógica. Então entra na categoria dos fenômenos naturais, muito embora de uma ordem completamente diversa daqueles que se produzem aos nossos olhos e com os quais não os devemos confundir.

Nos fenômenos comuns podemos encontrar pontos de comparação, - como aquele cego que percebia o brilho da luz e as cores pelo toque da trombeta - mas não similitudes. É precisamente a mania de querer tudo assimilar ao que conhecemos que leva tanta gente à confusão: pensam que podem manejar esses elementos novos como se fossem hidrogênio e oxigênio. Ora, isto é um erro. Tais fenômenos são submetidos a condições que escapam ao círculo habitual de nossas observações. Antes de tudo, é necessário conhecê-las e com elas nos conformarmos, se desejarmos obter resultado. É sobretudo necessário não perder de vista este princípio essencial, verdadeira chave da ciência espírita: o agente dos fenômenos vulgares é uma força física, material, que pode ser submetida às leis do cálculo, ao passo que nos fenômenos espíritas esse agente é constantemente uma inteligência que tem vontade própria e que não se submete aos nossos caprichos.

Nessas mãos havia carne, pele, ossos e unhas reais? Evidentemente, não: era uma aparência, mas de tal ordem que produzia o efeito de uma realidade. Se um Espírito tem o poder de tornar visível e palpável uma parte qualquer de seu corpo etéreo, não existe razão para que não aconteça o mesmo com os outros órgãos. Suponhamos então que um Espírito estenda essa aparência a todas as partes do corpo, e teremos a impressão de ver um ser semelhante a nós, agindo como nós, quando não passa de um vapor momentaneamente solidificado. Tal é o caso do Duende de Bayonne. A duração dessa aparência está submetida a condições para nós desconhecidas. Sem dúvida depende da vontade do Espírito, que pode produzi-la ou desfazê-la à vontade, mas dentro de certos limites que ele nem sempre tem liberdade de transpor. Interrogados a respeito, bem como sobre todas as intermitências de quaisquer manifestações, sempre disseram os Espíritos que agiam em virtude de um consentimento superior.

Se a duração da aparência corporal é limitada para certos Espíritos, podemos dizer que, em princípio, ela é variável e pode persistir mais ou menos tempo, bem como pode produzir-se a todo momento e a qualquer hora. Um Espírito cujo corpo fosse inteiramente visível e palpável teria, para nós, a aparência de um ser humano; poderia conversar conosco e sentar-se em nosso lar, como qualquer visita, pois o tomaríamos como um de nossos semelhantes.

Partimos de um fato patente - o aparecimento de mãos tangíveis - para chegar a uma suposição que lhe é consequência lógica. Entretanto não a teríamos aventado se a história do menino de Bayonne não nos tivesse aberto o caminho, mostran­do-nos a possibilidade.

Interrogado a respeito, um Espírito superior respondeu que efetivamente podemos encontrar seres de tal natureza, sem que o suspeitemos. Acrescentou que isto é raro, mas que acontece.

Como para nos entendermos necessitamos de um nome para cada coisa, a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas os chama agêneres, para indicar que sua origem não é o resultado de uma geração.

O fato que se segue, ocorrido recentemente em Paris, parece pertencer a esta categoria. 

Uma pobre mulher estava na Igreja de São Roque e pedia a Deus que a auxiliasse na sua aflição. À saída, na Rua Santo Honorato, encontra um senhor que a aborda e lhe diz:

- Minha boa senhora, ficaria contente se arranjasse trabalho?

- Ah! Meu bom senhor, responde ela, peço a Deus que me faça este favor, porque estou muito necessitada.

- Então vá à rua tal, número tanto. Procure a Senhora T... e ela lhe dará trabalho.

Dito isto, continuou o seu caminho. A pobre mulher foi sem demora ao endereço indicado.

A senhora procurada lhe disse:

- Com efeito, tenho um trabalho para mandar fazer. Mas como não o disse a ninguém, não sei como pôde a senhora vir procurar-me.

Então a pobre necessitada, avistando um retrato na parede, respondeu.

- Senhora, foi esse cavalheiro que me mandou.

- Este cavalheiro? retrucou espantada a senhora. Mas é impossível! Este é o retrato de meu filho, falecido há três anos.

- Não sei como pode ser isto, mas eu vos asseguro que foi esse senhor que eu encontrei ao sair da igreja, onde tinha ido pedir auxílio a Deus. Ele me abordou e foi ele mesmo que me mandou aqui.

De acordo com o que acabamos de ver, nada existe de surpreendente em que o Espírito do filho daquela senhora, a fim de prestar um serviço à pobre mulher, cuja prece por certo ouvira, lhe tenha aparecido sob a forma corpórea, para lhe indicar o endereço da própria mãe. Em que se transformou depois? Sem dúvida no que era antes: um Espírito, a menos que tivesse achado oportuno mostrar-se a outras pessoas sob a mesma aparência, continuando o seu passeio.

Aquela mulher teria, assim, encontrado um agênere com o qual conversara.

Perguntarão, entretanto, por que não se teria apresentado à sua mãe?

Nestas circunstâncias, os motivos que determinam a ação dos Espíritos nos são completamente desconhecidos: agem como bem lhes parece, ou antes, conforme disseram, em virtude de uma permissão sem a qual não podem revelar a sua existência de um modo material. Aliás, compreende-se que a sua presença pudesse causar à mãe perigosa emoção. Quem sabe se não se apresentou a ela durante o sono ou de qualquer outro modo? Não terá sido, além disso, um meio de revelar-lhe sua existência? É bem provável que ele tivesse sido testemunha invisível do encontro das duas senhoras.

Não nos parece que o Duende de Bayonne deva ser considerado como agênere, pelo menos nas circunstâncias em que se manifestou, pois para a família ele teve sempre as características de um Espírito, que nunca procurou dissimular. Era o seu estado permanente. As aparências corporais que revestia eram apenas acidentais, ao passo que o agênere propriamente dito não revela a sua natureza e aos nossos olhos não passa de um homem comum. Sua aparição corpórea pode ter longa duração, conforme a necessidade, a fim de estabelecer relações sociais com um ou vários indivíduos.

Pedimos ao Espírito de São Luís a bondade de nos esclarecer sobre estes diversos pontos, respondendo às nossas perguntas. 

1 - O Espírito do Duende de Bayonne podia mostrar-se corporalmente em outros lugares e a outras pessoas, além da sua família?

- Sim, sem dúvida.

2 - Isto depende de sua vontade?

- Não exatamente. O poder dos Espíritos é limitado. Só fazem o que lhes é permitido.

3 - Que aconteceria se se apresentasse a um desconhecido?

- Tê-lo-ia tomado por uma criança comum. Dir-vos-ei entretanto uma coisa: por vezes existem na Terra Espíritos que revestem essa aparência e são tomados como homens.

4 - Tais seres pertencem à categoria dos Espíritos superiores ou dos inferiores?

- Podem pertencer a uma ou a outra. São fatos raros, de que há exemplos na Bíblia.

5 - Raros ou não, basta a sua possibilidade para que mereçam atenção. Que aconteceria se, tomando tal ser por um homem comum, lhe fizessem um ferimento mortal? Ele morreria?

- Desapareceria subitamente, como o jovem de Londres[1].

6 - Eles têm paixões?

- Sim. Como Espíritos, têm as paixões dos Espíritos, conforme a sua inferioridade. Se tomam um corpo aparente é, por vezes, para gozar das paixões humanas. Se são elevados, é com um fim útil.

7 - Podem procriar?

- Deus não o permitiria. Isto é contrário às leis por ele estabelecidas na Terra e elas não podem ser contrariadas.

8 - Se um tal ser se nos apresentasse, teríamos um meio de reconhecê-lo?

- Não, a não ser pelo desaparecimento inesperado. Seria o mesmo que o transporte de móveis de um para outro andar, que lestes anteriormente[2].

9 - Qual é o objetivo que pode levar certos Espíritos a tomar esse estado corporal? Eles agem para o bem ou para o mal?

- Muitas vezes para o mal. Os bons Espíritos têm a seu favor a inspiração. Agem sobre a alma e pelo coração. Sabeis que as manifestações físicas são produzidas por Espíritos inferiores, e as de que tratamos são dessa categoria. Entretanto, como disse, os bons Espíritos também podem tomar essa aparência corporal, com um fim útil. Digo isto em princípio geral.

10 - Nesse estado podem tornar-se visíveis ou invisíveis à vontade?

- Sim, pois podem desaparecer quando quiserem.

11 - Têm eles um poder oculto superior ao dos homens?

- Têm apenas aquele que lhes dá a sua categoria na escala dos Espíritos.

12 - Têm necessidade real de alimento?

- Não. O seu corpo não é real.

13 - Entretanto o jovem de Londres, embora não tivesse um corpo real, tomou o café da manhã com os amigos e lhes apertou a mão. Que aconteceu com o alimento ingerido?

- Antes de apertar a mão, onde estavam os dedos que apertam? Compreendeis que o corpo desapareça? Por que não quereis compreender que também desapareça a matéria? O corpo do jovem de Londres não era real, pois se achava em Boulogne; era, portanto, aparência. Dava-se o mesmo com o alimento que parecia ingerir.

14 - Se tivéssemos entre nós um ser dessa espécie, isso seria bom ou ruim?

- Seria ruim. Ademais, não é possível manter contatos prolongados com tais seres. Não vos podemos dizer muita coisa. Esses fatos são excessivamente raros e jamais têm um caráter de permanência. Ainda mais raras são as aparições corpóreas instantâneas, como a de Bayonne.

15 - Algumas vezes o Espírito protetor familiar toma essa forma?

- Não. Não dispõe ele de recursos interiores? Ele os manipula com mais facilidade do que o faria sob uma forma visível e o tomássemos por um de nossos semelhantes.

16 - Perguntam se o Conde de Saint-Germain não pertenceria à categoria dos agêneres.

- Não. Ele era um hábil mistificador. 

A história do jovem de Londres, relatada em nosso número de dezembro, é um fato de bicorporeidade, ou antes, de dupla presença, que difere essencialmente daquele de que tratamos. O agênere não tem corpo vivo na Terra; apenas o seu perispírito toma forma palpável. O jovem de Londres era perfeitamente vivo. Enquanto seu corpo dormia em Boulogne, seu espírito, envolvido pelo perispírito, foi a Londres, onde tomou uma aparência tangível.

Aconteceu conosco um fato quase análogo. Enquanto eu estava calmamente na cama, um de nossos amigos me viu várias vezes em sua casa, posto que sob uma aparência não tangível, sentando-me a seu lado e conversando com ele, como de hábito. Uma vez ele me viu de roupão, outras vezes de paletó. Transcreveu nossa conversa e no-la remeteu no dia seguinte. Percebe-se bem que era relativa a nossos trabalhos prediletos. Querendo fazer uma experiência, ofereceu-me refresco. Eis a minha resposta: “Não tenho necessidade disto, porque não é o meu corpo que está aqui, vós o sabeis. Não há a menor necessidade, portanto, de criar para vós uma ilusão.”

Uma circunstância muito estranha apresentou-se naquela ocasião. Seja por disposição natural, ou seja resultado de nossos trabalhos intelectuais, sérios desde a minha juventude, poderíamos dizer, desde a infância, o fundo de meu caráter foi sempre de extrema gravidade, mesmo na idade em que não se pensa senão no prazer. Esta preocupação constante me dá uma aparência de frieza, mesmo de muita frieza. É isto, pelo menos, o que muitas vezes me tem sido censurado. Mas sob esse envoltório aparentemente glacial, talvez o Espírito sinta mais vivamente do que se tivesse uma maior expansão exterior. Ora, em minhas visitas noturnas ao nosso amigo, ele ficou muito surpreso por me ver completamente diferente: estava mais extrovertido, mais comunicativo, quase alegre. Tudo em mim revelava a satisfação e a calma de sentir-me bem. Não estará aí um efeito do Espírito desprendido da matéria?[3].


[1] Vide a REVISTA ESPIRITA de dezembro de 1858, Fenômeno de bicorporeidade. 

[2] Alusão a um fato dessa natureza, lido no começo da sessão.

[3] Sobre os agêneres, Kardec deixou algumas páginas notáveis, além da que damos acima. Elas se encontram em seus livros:

A GÊNESE. Cap. XIV, nº. 36, 37 e 38, pg. 260/1, 10.º ed. da FEB, 1944;

IBIDEM, cap. XV, nº. 61 a 67, pg. 308 a 313, idem, idem.

OBRAS PÓSTUMAS, Estudo sobre a natureza do Cristo, pg. 96 e seg., principalmente nº. VIII e IX, pg. 127 a 135.

Em todas as passagens, Allan Kardec deixa bem claras as condições ge­rais que marcam a apresentação dos agêneres. Por aí se vê que jamais se poderia aceitar a tese docetista, restaurada por J. B. Roustaing. (N. do T.)

Do IPEAK

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

É preciso nascer novamente

Octávio Caúmo
Por Octávio Caúmo Serrano - caumo@caumo.com

Certa vez um amigo me perguntou: – Você acredita em reencarnação? Disse-lhe que não! Reencarnação não é algo em que se acredita, mas que se constata na convivência com as pessoas.

Como explicar as razões da diferença entre os homens? Uns saudáveis outros fracos e doentes? Uns ricos e bonitos e outros pobres e feios? Muitos inteligentes e outros com dificuldade para entender o elementar? Uns vivem dez outros cem anos! O intrigante é que, às vezes, a disparidade existe entre irmãos, nascidos e educados pelos mesmos pais. Prova que apenas a genética não pode explicar a diferença entre tipos humanos.

Cada homem é uma alma milenar que passou por muitas experiências em vidas anteriores; reencarnações. A maioria sabe disso. Disse a maioria, porque a exceção fica por conta das doutrinas cristãs ocidentais; excetuando-se o Espiritismo, é evidente.

Para acreditar na justiça do Criador, admitindo que o homem não tenha qualquer culpa ou mérito pela sua vida atual, já que para os cristãos, exceto os espíritas, vive-se uma só vida, seria preciso que nascêssemos todos ricos, bonitos, saudáveis e inteligentes. Por que o Pai privilegiaria alguns e puniria outros, já que não teriam nem mérito nem pecado; eram criados naquele momento e nada justificaria que tivessem defeitos de físico ou de alma, se são filhos de Deus, à sua Imagem e Semelhança? E Ele é perfeito!

Se o erro fosse dos pais, que se punissem eles, não os descendentes. É mais ou menos como transferir o pecado de Adão para nós que não temos nada com isso. Nem o conhecemos. Tais fantasias já não mais encontram abrigo no homem atual desejoso de entender com racionalidade o que lhe ensinam. O misticismo perdeu a importância!

Quando todos crerem na reencarnação e vive-la, sabendo que terão de responder pelos seus feitos até o último ato, a violência do mundo certamente diminuirá. Saberão que apesar de escapar das leis humanas não se livrarão da justiça divina. Esta não se vende!

Jornalista e poeta

Jornal Correio da Paraíba – 28/08/2015

Da justiça divina

Pelo Espírito de São Luís - Médium, Mme H. Dozon

“Se alguém vos bater na face direita, estendei a esquerda”. Não compreendais que aqui se trate de um golpe material, mas do perdão da injúria e dessa suave mansuetude que quer desarmar a maldade pela doçura; ela parece dizer: "Eu estou à vossa mercê!” Ferireis aquele que não quer se servir de suas armas? As leis humanas fizeram da vingança uma questão de honra; houve um tempo em que a reparação pelas armas era forçada de alguma forma. As leis, não reprimindo o golpe desferido, os homens se faziam justiça pelas próprias mãos; o duelo então prevenia o assassinato. Relativamente, ele era um bem. Estabeleceu-se mesmo tribunais conhecidos sob o nome de cours d’honneur, onde a ofensa e a reparação se julgavam. Parece que civilizando-se e suavizando-se, os costumes deverão abolir o duelo, mas é preciso mais que a civilização para reformar os abusos das nações, é preciso a moral. Unicamente a moral pode dar as verdadeiras noções do bem e do mal. A moral é uma balança sustentada pela mão de Deus; ela equaliza a soma do bem pelo bem; todavia, enquanto o mal está de um lado falta o equilíbrio segundo a divina Justiça, e assim será enquanto a humanidade não compreender o espírito do Evangelho.

“Se alguém vos roubar o manto, dai também a vossa túnica”. Evidentemente, nessas palavras não deveis vos apegar à letra. O espírito evangélico não vos pode aconselhar ou encorajar o roubo, a rapina. Se foi a miséria que levou vosso irmão ao roubo, tende compaixão de sua fraqueza; não somente não o entregueis aos juízes, mas ajudai-o. É assim que cumprireis o preceito: e dai uma túnica àquele que houver roubado vosso manto. No entanto, se a má-fé, impelida pelas desordens da cupidez, vem tomar a parte que vos é devida, empregai os meios possíveis que vos sugere a caridade para fazer entrar a justiça na alma do culpado; depois, se ele se recusa a reparar suas faltas e vos frustra ilegalmente, lembrais-vos que Cristo disse para dar a César o que lhe é devido, e que por isso ele entende que a justiça deve ser feita. Então, dirigi-vos a quem faça a justiça; reclamai o que vos é devido, mas não coloqueis nisso nem paixão nem cólera.

(Do livro Révélations d’outre-tombe, primeiro volume, redigido pelo Sr. Henri Dozon, traduzido do francês pela Equipe do GEAK. Essa obra é citada por Allan Kardec na Revista Espírita de janeiro de 1862.)

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

quarta-feira, 29 de julho de 2015

terça-feira, 28 de julho de 2015

quarta-feira, 22 de julho de 2015

[RE] - Olhar retrospectivo sobre o movimento do Espiritismo

Por Allan Kardec

Não resta dúvida a ninguém que tanto para os adversários quanto para os partidários do Espiritismo, este assunto, mais do que nunca, agita os espíritos. Esse movimento é um fogo de palha, como dizem alguns afetadamente? Mas esse fogo de palha se mantém há quinze anos, e em vez de se extinguir, sua intensidade aumenta de ano para ano. Ora, não é este o caráter das coisas efêmeras e que só se dirigem à curiosidade. O último alçar de escudos com que esperavam abafá-lo, apenas o reavivou, superexcitando a atenção dos indiferentes. A tenacidade desta ideia nada tem que possa surpreender quem quer que haja sondado a profundidade e a multiplicidade das raízes pelas quais ela se liga aos mais sérios interesses da Humanidade. Os que se admiram apenas viram a superfície; a maioria só o conhece de nome, mas não lhe compreendem nem a sua finalidade nem a sua grandeza.

Se uns combatem o Espiritismo por ignorância, outros o fazem precisamente porque lhe sentem toda a importância, porque pressentem o seu futuro e nele veem um poderoso elemento regenerador. Há que se persuadir que certos adversários estão perfeitamente convertidos. Se estivessem menos convictos das verdades que ele encerra, não lhe fariam tanta oposição. Eles sentem que o penhor de seu futuro está no bem que ele faz. Fazer ressaltar esse bem aos seus olhos, longe de acalmá-los, é aumentar a causa de sua irritação. Assim foi, no século quinze, a numerosa classe dos escritores copistas, que de bom grado teriam queimado Gutenberg e todos os impressores. Não teria sido em lhes demonstrando os benefícios da imprensa, que iria suplantá-los, que os teriam apaziguado.

Quando uma coisa está de acordo com a verdade e é chegado o momento de sua eclosão, ela marcha a despeito de tudo. A força de ação do Espiritismo é atestada por sua persistente expansão, malgrado os poucos esforços que faz para se expandir. Há um fato constante: é que os adversários do Espiritismo despenderam mil vezes mais forças para abatê-lo, sem conseguir, do que seus partidários para propagá-lo. Ele avança sozinho, por assim dizer, como um curso d’água que se infiltra através das Terras, abre uma passagem à direita se o barram à esquerda, e pouco a pouco mina as pedras mais duras e acaba por fazer desabarem montanhas.

Um fato notório é que, em seu conjunto, a marcha do Espiritismo não sofreu nenhum momento de interrupção; ela pôde ser entravada, comprimida, retardada nalgumas localidades por influências contrárias, mas, como dissemos, a corrente, barrada num ponto, ressurge em cem outros; em vez de correr em abundância, divide-se numa porção de filetes. Entretanto, à primeira vista, dir-se-ia que sua marcha é menos rápida do que foi nos primeiros anos. Temos que deduzir que o abandonam? Que ele encontra menos simpatias? Não, mas simplesmente que o trabalho que ele realiza neste momento é diferente, e, por sua natureza, menos ostensivo.

Desde o começo, como já dissemos, o Espiritismo ligou a si todos os homens nos quais estas ideias estavam, de certo modo, no estado de intuição. Bastou-lhe apresentar-se para ser compreendido e aceito. Ele imediatamente colheu abundantemente por toda parte onde encontrou terreno preparado. Feita essa primeira colheita, restavam os terrenos sem cultura, que exigiram mais trabalho. É agora, através das opiniões refratárias, que ele deve abrir caminho, e é o período em que nos encontramos. Semelhante ao mineiro que retira sem esforço as primeiras camadas de terra solta, ele chegou à rocha que é preciso talhar e no seio da qual só pouco a pouco pode penetrar. Mas não há rocha, por mais dura que seja, que resista indefinidamente a uma ação dissolvente contínua. Sua marcha é, pois, ostensivamente menos rápida, mas se, num dado tempo, não reúne um tão grande número de adeptos francamente confessos, nem por isso deixa de abalar convicções contrárias, que caem, não de um golpe, mas pouco a pouco, até que a brecha esteja feita. É o trabalho a que assistimos, e que marca a fase atual do progresso da Doutrina.

Esta fase é caracterizada por sinais inequívocos. Examinando a situação, torna-se evidente que a ideia ganha terreno dia a dia, que aclimata-se; que encontra menos oposição; riem menos, e mesmo aqueles que ainda não a aceitam, começam a conceder-lhe foros de cidadania entre as opiniões. Os espíritas já não são apontados com o dedo, como outrora, e considerados como animais curiosos. É o que constatam sobretudo os que viajam. Por toda parte eles encontram mais simpatia ou menos antipatia pela coisa. Não podemos negar que não haja nisto um progresso real.

Para compreender as facilidades e as dificuldades que o Espiritismo encontra em seu caminho, é necessário observar a diversidade das opiniões através das quais ele deve abrir passagem. Jamais se impondo pela força ou pelo constrangimento, mas só pela convicção, ele encontrou uma resistência mais ou menos grande, conforme a natureza das convicções existentes, com as quais podia assimilar-se mais ou menos facilmente, dentre as quais umas o receberam de braços abertos, enquanto outras o rejeitam com obstinação.

Duas grandes correntes de ideias dividem a Sociedade atual: o Espiritismo e o Materialismo. Embora este último constitua uma incontestável minoria, não podemos ignorar que ele teve uma grande expansão nos últimos anos. Um e outro se fracionam numa porção de nuanças que podemos resumir nas principais categorias seguintes:

1º ─ Os fanáticos de todos os cultos ─ 0.

2º ─ Os crentes satisfeitos, com convicções absolutas, fortemente limitados e sem restrições, embora sem fanatismo, sobre todos os pontos do culto que professam e com o qual estão satisfeitos. Esta categoria compreende também as seitas que, pelo fato de terem aberto cisão e operado reformas, se julgam de posse de toda a verdade, e por vezes são mais absolutas do que as religiões mães. ─ 0.

3º Os crentes ambiciosos, inimigos das ideias emancipadoras que lhes poderiam fazer perder o ascendente que exercem sobre a ignorância ─ 0.

4º ─ Os crentes pela forma, que por interesse simulam uma fé que não têm e quase sempre se mostram mais rígidos e mais intolerantes do que os religiosos sinceros ─ 0.

5º ─ Os materialistas por sistema, que se apoiam numa teoria racional, na qual muitos se obstinam contra a evidência, por orgulho, para não confessar que puderam enganar-se. Em sua maioria, são tão absolutos e intolerantes em sua incredulidade quanto os fanáticos religiosos em sua crença ─ 0.

6º ─ Os sensualistas, que repelem as doutrinas espiritualistas e espíritas por medo que elas venham perturbá-los em seus prazeres materiais. Eles fecham os olhos para não ver — 0.

7º ─ Os despreocupados, que vivem o dia a dia, sem se preocupar com o futuro. A maioria deles não saberia dizer se são espiritualistas ou materialistas. Para eles o presente é a única coisa séria ─ 0.

8º ─ Os panteístas, que não admitem uma divindade pessoal, mas um princípio espiritual universal, no qual se confundem as almas, como as gotas d’água no oceano, sem conservar sua individualidade. Esta opinião é um primeiro passo para a espiritualidade e, por consequência, um progresso sobre o materialismo. Embora um pouco menos refratários às ideias espíritas, os que a professam são, em geral, muito absolutos, porque neles é um sistema preconcebido e raciocinado, e muitos não se dizem panteístas senão para não se confessarem materialistas. É uma concessão que fazem às ideias espíritas para salvar as aparências ─ 1.

9º ─ Os deístas, que admitem a personalidade de um Deus único, criador e soberano senhor de todas as coisas, eterno e infinito em todas as suas perfeições, mas rejeitam qualquer culto exterior ─ 3.

10º ─ Os espiritualistas sem sistema, que não pertencem, por convicção, a nenhum culto, mas que não repudiam nenhum, e não têm qualquer ideia assentada sobre o futuro ─ 5.

11º ─ Os crentes progressistas, ligados a um culto determinado, mas que admitem o progresso na religião e a concordância das crenças com o progresso das ciências ─ 5.

12º ─ Os crentes não satisfeitos, nos quais a fé é indecisa ou nula sob os pontos de dogma que não satisfazem completamente à sua razão atormentada pela dúvida ─ 8.

13º ─ Os incrédulos por falta de coisa melhor, dos quais a maior parte passou da fé à incredulidade e à negação de tudo, por não terem encontrado nas crenças com que foram embalados uma sanção satisfatória para a sua razão, mas nos quais a incredulidade deixa um vazio penoso que eles ficariam felizes se fosse preenchido ─ 9.

14º ─ Os livres pensadores, nova denominação pela qual se designam os que não se sujeitam à opinião de ninguém em matéria de religião e de espiritualidade, que não se julgam ligados pelo culto em que o nascimento os colocou sem seu consentimento, nem obrigados à observação de quaisquer práticas religiosas. Esta qualificação não especifica nenhuma crença determinada. Ela pode ser aplicada a todas as nuanças do espiritualismo racional, tanto quanto à mais absoluta incredulidade. Toda crença eclética pertence ao livre pensamento; todo homem que não se guia pela fé cega é, por isto mesmo, livre-pensador. Sob este ponto de vista, os espíritas também são livres-pensadores.

Mas para os que podem ser chamados os radicais do livre pensamento, esta designação tem uma acepção mais restrita, e, por assim dizer, exclusiva; para eles, ser livre-pensador não é crer somente no que se quer, é não crer em nada; é libertar-se de todo freio, mesmo do medo de Deus e do futuro; a espiritualidade é um embaraço, e eles não a querem. Sob este símbolo da emancipação intelectual, procuram dissimular o que a qualidade de materialista e de ateu tem de repulsivo para a opinião das massas; e, coisa singular, é que em nome desse símbolo, que parece ser o da tolerância por todas as opiniões, eles jogam pedra em todos os que não pensam como eles. Há, pois, uma distinção essencial a fazer entre os que se dizem livres-pensadores, como entre os que se dizem filósofos. Eles se dividem naturalmente em: Livres-pensadores incrédulos, que entram na 5ª categoria ─ O. Livres pensadores crentes, que pertencem a todas as nuanças do espiritualismo racional ─ 9.

15º ─ Os espíritas por intuição, aqueles em quem as ideias espíritas são inatas e que as aceitam como uma coisa que não lhes é estranha ─ 10.

Tais são as camadas de terreno que o Espiritismo deve atravessar. Lançando um olhar sobre as diversas categorias acima, é fácil ver aquelas junto às quais ele encontra um acesso mais ou menos fácil e aquelas contra as quais ele se choca como a picareta contra o granito. Ele não triunfará destes senão com a ajuda dos novos elementos que a renovação trará à Humanidade: esta é a obra daquele que dirige tudo e que faz surgirem os acontecimentos de onde deve sair o progresso.

Os números colocados após cada categoria indicam aproximadamente a proporção do número de adeptos, sobre 10, que cada uma fornece ao Espiritismo.

Se admitirmos, em média, a igualdade numérica entre essas diferentes categorias, veremos que a parte refratária, por sua natureza, abarca mais ou menos a metade da população. Como ela possui a audácia e a força material, não se limita a uma resistência passiva: é essencialmente agressiva; daí uma luta inevitável e necessária. Mas esse estado de coisas está com os dias contados, porque o passado se vai e vem o futuro. Ora, o Espiritismo marcha com o futuro.

É, pois, na outra metade que o Espiritismo deve recrutar, e o campo a explorar é bastante vasto; é aí que ele deve concentrar seus esforços, e que verá seus limites se ampliarem. Entretanto, essa metade ainda está longe de ser-lhe inteiramente simpática, pois ele aí encontra resistências opiniáticas, mas não insuperáveis, como na primeira, da qual a maior parte é devida a prevenções que se apagam à medida que o objetivo e as tendências da Doutrina são melhor compreendidos, e desaparecerem com o tempo. Se nos podemos admirar de uma coisa, é que, malgrado a multiplicidade dos obstáculos que ele encontra, dos embustes que lhe apresentam, ele conseguiu chegar em poucos anos ao ponto em que hoje está.

Um outro progresso não menos evidente é o da atitude da oposição. À parte as violentas investidas lançadas de tempos em tempos por uma plêiade de escritores, sempre mais ou menos os mesmos, que só veem por toda parte motivos para risos, que ririam mesmo de Deus, e cujos argumentos se limitam a dizer que a Humanidade caminha para a demência, muito surpresos que o Espiritismo tenha avançado sem sua permissão, é muito raro ver a Doutrina envolvida numa polêmica séria e continuada. Em vez disto, como já enfatizamos em artigo precedente, as ideias espíritas invadem a imprensa, a literatura, a filosofia; delas se apropriam sem que elas se deem conta, e é por isto que vemos a cada instante surgirem nos jornais, nos livros, nos sermões, no teatro, pensamentos que se diriam bebidos na própria fonte do Espiritismo. Sem dúvida seus autores protestariam contra a qualificação de espíritas, mas nem por isso deixam de sofrer a influência das ideias que circulam e que parecem justas. É que os princípios sobre os quais repousa a doutrina são de tal modo racionais, que fermentam numa multidão de cérebros e vêm à luz malgrado seu; eles abrangem tantas questões que é, por assim dizer, impossível entrar na via da espiritualidade sem fazer Espiritismo involuntariamente. É um dos fatos mais característicos que marcaram o ano que acaba de passar.

Em vista disto, deve-se concluir que a luta está terminada? Não, por certo, e nós devemos, ao contrário, mais do que nunca, nos mantermos em guarda, porque teremos que enfrentar assaltos de um outro gênero, mas, esperando que as fileiras se reforcem e os passos à frente sejam também ganhos. Guardemo-nos de crer que certos adversários se deem por vencidos e de tomar o seu silêncio por uma adesão tácita, ou mesmo por neutralidade. Persuadamo-nos que certas pessoas jamais aceitarão o Espiritismo, nem aberta nem tacitamente, enquanto viverem, como há aquelas que jamais aceitarão certos regimes políticos. Todos os raciocínios para a ele conduzi-los serão impotentes, porque eles não o querem a nenhum preço; sua aversão pela Doutrina cresce em razão do desenvolvimento que ela toma.

Os ataques a céu aberto tornaram-se mais raros, porque reconheceram a sua inutilidade, mas eles não perdem a esperança de triunfar com o auxílio de manobras tenebrosas. Longe de dormirmos numa enganadora segurança, mais que nunca é preciso desconfiar dos falsos irmãos que se insinuam em todas as reuniões para espiar e em seguida travestir o que aí se diz e se faz; que semeiam sub-repticiamente elementos de desunião; que sob a aparência de um zelo fictício e por vezes interesseiro, procuram empurrar o Espiritismo para fora das vias da prudência, da moderação e da legalidade; que provocam em seu nome atos repreensíveis aos olhos da lei. Como não conseguiram ridicularizá-lo porque por em sua essência ele é uma coisa séria, seus esforços tendem a comprometê-lo, para torná-lo suspeito diante das autoridades e provocar medidas rigorosas contra ele e os seus adeptos. Desconfiemos, pois, dos beijos de judas e dos que querem abraçar-nos para nos sufocar.

É preciso imaginar que estamos em guerra e que os inimigos estão à nossa porta, prontos para aproveitar a ocasião favorável, e que manobram inteligências no lugar.

Que fazer nesta ocorrência? Uma coisa muito simples: fechar-se nos estritos limites dos preceitos da Doutrina; esforçar-se em mostrar o que ela é por seu próprio exemplo e declinar toda solidariedade com o que pudesse ser feito em seu nome e que fosse de natureza a desacreditá-lo, porque isto não seria adequado para o caso de adeptos sérios e convictos. Não basta dizer-se espírita; aquele que o é de coração prova-o por seus atos. Não pregando senão o bem, o respeito às leis, a caridade, a tolerância e a benevolência para todos; repudiando a Doutrina toda violência feita à consciência de outrem, todo charlatanismo, todo pensamento interesseiro no que concerne às relações com os Espíritos e todas as coisas contrárias à moral evangélica, aquele que não se afasta da linha traçada não pode incorrer nem em censuras fundadas nem em perseguições legais. Mais ainda, quem quer que tome a Doutrina como regra de conduta, não pode senão conquistar a estima e a consideração das pessoas imparciais. Diante do bem, a própria incredulidade trocista se inclina e a calúnia não pode conspurcar o que não tem mácula. É nessas condições que o Espiritismo atravessará as tempestades que serão amontoadas em sua rota e que sairá triunfante de todas as lutas.

O Espiritismo também não pode ser responsável pelas más atitudes daqueles a quem agrada se dizerem espíritas, da mesma forma que a religião não é responsável pelos atos repreensíveis dos que só têm a aparência da piedade. Antes, pois, de fazer cair a censura de tais atos sobre uma doutrina qualquer, seria preciso saber se ela contém alguma máxima, algum ensinamento que possa justificá-los ou mesmo desculpá-los. Se, ao contrário, ela os condena formalmente, é evidente que a falta é inteiramente pessoal e não pode ser imputada à doutrina. Mas é uma distinção que os adversários do Espiritismo não se dão ao trabalho de fazer. Ao contrário, eles se sentem muito felizes por encontrar uma ocasião de difamá-lo a torto e a direito, sem escrúpulo de lhe atribuir o que lhe não pertence, envenenando as coisas mais insignificantes antes de lhes buscar as causas atenuantes.

Há algum tempo as reuniões espíritas sofreram uma certa transformação. As reuniões íntimas e de família multiplicaram-se consideravelmente em Paris e nas principais cidades, em razão da própria facilidade que acharam em se formar, pelo aumento do número de médiuns e de adeptos. No princípio os médiuns eram raros; um bom médium era quase um fenômeno; era, pois, natural que se agrupassem em torno dele, mas à medida que essa faculdade se desenvolveu, os grandes centros se fracionaram, como enxames, numa porção de pequenos grupos particulares, que têm mais facilidade de se reunir, mais intimidade e mais homogeneidade em sua composição. Este resultado, consequência da própria força das coisas, estava previsto. Desde a origem assinalamos os escolhos que naturalmente deveriam encontrar as sociedades numerosas, necessariamente formadas de elementos heterogêneos, abrindo a porta às ambições e, por isto mesmo, expostas às intrigas, aos complôs, às manobras surdas da malevolência, da inveja e do ciúme, que não podem emanar de uma fonte espírita pura. Nas reuniões íntimas, sem caráter oficial, as pessoas são mais senhoras de si, conhecem-se melhor e recebem quem elas querem; ali o recolhimento é maior, e sabemos que os resultados são mais satisfatórios. Conhecemos bom número de reuniões deste gênero, cuja organização nada deixa a desejar. Há, pois, tudo a ganhar nessa transformação.

Além disso, o ano de 1866 viu se realizarem as previsões dos Espíritos sobre vários pontos interessantes da Doutrina, entre outros sobre a extensão e os novos caracteres que devia tomar a mediunidade, bem como sobre a produção de fenômenos de natureza a chamar a atenção sobre o princípio da espiritualidade, embora aparentemente estranhos ao Espiritismo. A mediunidade curadora revelou-se em plena luz, nas circunstâncias mais próprias a fazer sensação; está em germe em muitas outras pessoas. Em certos grupos manifestaram-se numerosos casos de sonambulismo espontâneo, de mediunidade falante, de segunda vista e de outras variedades da faculdade mediúnica que puderam fornecer úteis assuntos de estudo. Sem ser precisamente novas, essas faculdades ainda estão no nascedouro numa porção de indivíduos; elas só se mostram em casos isolados e, por assim dizer, ensaiam-se na intimidade, mas com o tempo adquirirão mais intensidade e vulgarizar-se-ão. É sobretudo quando se revelam espontaneamente em pessoas estranhas ao Espiritismo que elas chamam a atenção mais fortemente, porque não se pode supor conivência nem admitir a influência de ideias preconcebidas. Limitamo-nos a assinalar o fato, que cada um pode constatar, e cujo desenvolvimento necessitaria de detalhes muito extensos. Aliás, teremos ocasião de a ele voltar, em artigos especiais.

Em resumo, se nada de muito brilhante assinalou a marcha do Espiritismo nestes últimos tempos, podemos dizer que ela prossegue nas condições normais traçadas pelos Espíritos e que só temos que nos felicitar pelo estado das coisas.

 Fonte: Revista Espírita, janeiro de 1867.

quarta-feira, 15 de julho de 2015

[LIVRO] - Machado de Assis e o Espiritismo

A pedagoga Elaine Maldonado, do CCA (Centro de Ciências Agrárias) do campus de Araras da Ufscar (Universalidade Federal de São Carlos) realizou o lançamento o livro “Machado de Assis e o Espiritismo”. A obra é fruto da dissertação de mestrado da pesquisadora em História e Sociedade, defendida na Unesp (Universidade Estadual Paulista).

A pedagoga  traçou um paralelo entre a obra do autor e a trajetória da doutrina espírita tomando como referência crônicas e contos produzidos por Machado de Assis ao longo de 31 anos. 

O Blog dos Espíritas já realizou a leitura da obra e recomenda a mesma para aqueles adeptos que se interessam pela História do Espiritismo no Brasil, assim como para os acadêmicos pesquisadores da doutrina espírita.

O livro pode ser adquirido pelo próprio site da Editora Paco.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

[RE] - O Espiritismo segundo os espíritas

Por Allan Kardec

La Discussion, jornal hebdomadário político e financeiro impresso em Bruxelas, não é uma dessas folhas levianas que visam, pelo fundo e pela forma, ao divertimento do público frívolo. É um jornal sério, acreditado sobretudo no mundo financeiro e que se acha no seu undécimo ano[1]. Sob o título de O Espiritismo segundo os espíritas, o número de 31 de dezembro de 1865 traz o artigo seguinte:

“Espíritas e Espiritismo são agora dois vocábulos muito conhecidos e frequentemente empregados, embora fossem ignorados há poucos meses. Contudo, a maioria das pessoas que deles se servem estão a perguntar o que exatamente significam, e embora cada um faça essa pergunta a si mesmo, ninguém a expressa, pois todos querem passar por conhecedores da chave que mata a charada.

“Algumas vezes, entretanto, a curiosidade embaraça a ponto de verbalizar a pergunta com os lábios e, satisfazendo ao vosso desejo, cada um vos explica.

“Alguns pretendem que o Espiritismo é o truque do armário dos irmãos Davenport; outros afirmam que não passa da magia e da feitiçaria de outrora, que querem reconduzir ao prestígio, sob um novo nome. Segundo as comadres de todos os bairros, os espíritas têm conversas misteriosas com o diabo, com o qual fizeram um compromisso prévio. Enfim, lendo-se os jornais, fica-se sabendo que os espíritas são todos uns loucos ou, pelo menos, vítimas de certos charlatões chamados médiuns. Esses charlatões vêm, com ou sem armários, dar representações a quem lhas queira pagar, e para mais valorizar suas trapaças, dizem agir sob a influência oculta dos Espíritos de além-túmulo.

“Eis o que eu tinha aprendido nestes últimos tempos. Tendo em vista o desacordo dessas respostas, resolvi, para me esclarecer, ir ver o diabo, ainda que me vencesse, ou me deixar enganar por um médium, ainda que tivesse de perder a razão. Lembrei-me, então, muito a propósito, de um amigo que suspeitava fosse espírita, e fui procurá-lo, a fim de que ele me proporcionasse meios de satisfazer a minha curiosidade.

“Comuniquei-lhe as diversas opiniões que havia recolhido, e expus o objetivo de minha visita. Mas o amigo riu-se muito do que chamava a minha ingenuidade e me deu, mais ou menos, a seguinte explicação:

‘O Espiritismo não é, como creem vulgarmente, uma receita para fazer as mesas dançarem ou para executar truques de escamoteação, e é um erro que todos cometem querendo nele encontrar o maravilhoso.

‘O Espiritismo é uma ciência, ou melhor, uma filosofia espiritualista, que ensina a moral.

‘Não é uma religião, porque que não tem dogmas nem culto, nem sacerdotes nem artigos de fé. É mais que uma filosofia, porque sua doutrina é estabelecida sobre a prova certa da imortalidade da alma. É para fornecer essa prova que os espíritas evocam os Espíritos de além-túmulo.

‘Os médiuns são dotados de uma faculdade natural que os torna aptos a servir de intermediários aos Espíritos e a produzir com eles os fenômenos que passam por milagres ou por prestidigitação aos olhos de quem quer que ignore a sua explicação. Mas a faculdade mediúnica não é privilégio exclusivo de certos indivíduos. Ela é inerente à espécie humana, embora cada um a possua em graus diversos, ou sob formas diferentes.

‘Assim, para quem conhece o Espiritismo, todas as maravilhas de que acusam essa doutrina não passam de fenômenos de ordem física, isto é, de efeitos cuja causa reside nas leis da Natureza.

‘Os Espíritos, entretanto, não se comunicam com os vivos com o único objetivo de lhes provar a sua existência: Foram eles que ditaram e desenvolvem diariamente a filosofia espiritualista.

‘Como toda filosofia, esta tem o seu sistema, que consiste na revelação das leis que regem o Universo e na solução de um grande número de problemas filosóficos ante os quais, até aqui, a Humanidade impotente foi constrangida a inclinar-se.

‘É assim que o Espiritismo demonstra, entre outras coisas, a natureza da alma, seu destino e a causa de nossa existência aqui na Terra. Ele desvenda o mistério da morte; dá a razão dos vícios e virtudes do homem; diz o que são o homem, o mundo, o Universo. Enfim, faz o quadro da harmonia universal, etc.

‘Este sistema repousa sobre provas lógicas e irrefutáveis que têm, elas próprias, por árbitro de sua verdade, fatos palpáveis e a mais pura razão. Assim, em todas as teorias que ele expõe, age como a Ciência e não adianta um ponto senão quando o precedente esteja completamente certificado. Assim, o Espiritismo não impõe a confiança, porque, para ser aceito, não precisa senão da autoridade do bom-senso.

‘Este sistema, uma vez estabelecido, dele se deduz, como consequência imediata, um ensinamento moral.

‘Essa moral não é senão a moral cristã, a moral que está escrita no coração de todo ser humano; e é a de todas as religiões e de todas as filosofias, porque pertence a todos os homens. Mas, desvinculada de todo fanatismo, de toda superstição, de todo espírito de seita ou de escola, resplandece em toda a sua pureza.

‘É nessa pureza que ela haure toda a sua grandeza e toda a sua beleza, de modo que é a primeira vez que a moral nos aparece revestida de um brilho tão majestoso e tão esplêndido.

‘O objetivo de toda moral é ser praticada; mas esta, sobretudo, tem essa condição como absoluta, porque ela denomina espíritas não os que aceitam os seus preceitos, mas apenas os que põem os seus preceitos em ação.

‘Direi quais são as suas doutrinas? Aqui não pretendo ensinar, e o enunciado das máximas conduzir-me-ia, necessariamente, ao seu desenvolvimento.

‘Direi apenas que a moral espírita nos ensina a suportar a desgraça sem desprezá-la; a gozar da felicidade sem a ela nos apegarmos. Direi que ela nos rebaixa sem nos humilhar, como nos eleva sem nos ensoberbecer; coloca-nos acima dos interesses materiais, sem por isto estigmatizá-los com o aviltamento, porque nos ensina, ao contrário, que todas as vantagens com que somos favorecidos são outras tantas forças que nos são confiadas e por cujo emprego somos responsáveis para conosco e para com os outros.

‘Vem, então, a necessidade de especificar essa responsabilidade, as penas ligadas à infração do dever e as recompensas de que desfrutam os que o cumprem. Mas também aí, as asserções não são tiradas senão dos fatos e podem verificar-se até a perfeita convicção.

‘Tal é esta filosofia, onde tudo é grande porque tudo é simples; onde nada é obscuro, porque tudo é provado; onde tudo é simpático, porque cada questão interessa intimamente a cada um de nós.

‘Tal é esta ciência que, projetando uma viva luz sobre as trevas da razão, de repente desvenda os mistérios que julgávamos impenetráveis e recua até o infinito o horizonte da inteligência.

‘Tal é esta doutrina que pretende tornar felizes, melhorando-os, todos os que concordam em segui-la, e que, enfim, abre à Humanidade uma via segura para o progresso moral.

‘Tal é, finalmente, a loucura que contagiou os espíritas e a feitiçaria que eles praticam.’

“Assim, sorrindo, terminou o meu amigo, que, a meu pedido, permitiu-me com ele visitar algumas reuniões espíritas, onde as experiências se aliam aos ensinamentos.

“Voltando para casa, recordei o que eu havia dito, em concerto com todo mundo, contra o Espiritismo, antes de conhecer pelo menos o significado desse vocábulo, e essa lembrança encheu-me de amarga confusão.

“Então pensei que, a despeito dos severos desmentidos infringidos ao orgulho humano pelas descobertas da Ciência moderna, quase não sonhamos, na época de progresso em que nos encontramos, em tirar proveito dos ensinamentos da experiência; e que estas palavras escritas por Pascal há duzentos anos, ainda por muitos séculos serão de rigorosa exatidão: ‘É uma doença peculiar ao homem crer que possui a verdade diretamente; e é por isto que ele está sempre disposto a negar aquilo que para ele é incompreensível.”

“A. BRIQUEL.”


Como se vê, o autor deste artigo quis apresentar o Espiritismo sob sua verdadeira luz, despido das fantasias com que o veste a crítica, numa palavra, tal qual o admitem os espíritas, e sentimo-nos feliz ao dizer que o conseguiu perfeitamente. Com efeito, é impossível resumir a questão de maneira mais clara e precisa. Devemos, também, felicitar a direção do jornal que, com aquele espírito de imparcialidade que gostaríamos de encontrar em todos aqueles que fazem profissão de liberalismo e posam como apóstolos da liberdade de pensar, acolheu uma profissão de fé tão explícita.

Ademais, suas intenções em relação ao Espiritismo estão nitidamente formuladas no artigo seguinte, publicado no número de 28 de janeiro:

Como ouvimos falar do Espiritismo

“O artigo publicado em nosso número de 31 de dezembro, sobre o Espiritismo, provocou numerosas perguntas, querendo saber se nos propomos tratar posteriormente deste assunto e se nos transformamos em seu órgão. A fim de evitar equívocos, torna-se necessária uma resposta categórica. Ei-la:

“O Discussion é um jornal aberto a todas as ideias progressistas. Ora, o progresso não pode ser feito senão por ideias novas que de vez em quando vêm mudar o curso das ideias estabelecidas. Repeli-las porque destroem as que foram acalentadas, é, aos nossos olhos, faltar à lógica. Sem nos tornarmos apologistas de todas as elucubrações do espírito humano, o que também não seria mais racional, consideramos como um dever de imparcialidade pôr o público em condições de julgá-las. Para tanto, basta apresentá-las tais quais são, sem tomar, prematuramente, partido pró ou contra, porque, se forem falsas, não será a nossa adesão que as tornará justas, e se forem justas, nossa desaprovação não as tornará falsas. Em tudo, é a opinião pública e o futuro que pronunciam a última sentença. Mas, para apreciar o lado forte e o fraco de uma ideia, é preciso conhecê-la em sua essência, e não tal qual a apresentam os interessados em combatê-la, isto é, o mais das vezes truncada e desfigurada. Se, pois, expomos os princípios de uma teoria nova, não queremos que seus autores ou seus partidários possam censurar-nos por lhes fazer dizer o contrário do que dizem. Agir assim não é assumir a sua responsabilidade: é dizer o que é e reservar a opinião de todo mundo. Nós colocamos a ideia em evidência em toda a sua verdade. Se ela for boa, fará o seu caminho e nós lhe teremos aberto a porta; se for má, teremos fornecido o meio de ser julgada com conhecimento de causa.

“É assim que procederemos em relação ao Espiritismo. Seja qual for a maneira de ver a seu respeito, ninguém pode dissimular a extensão que ele tomou em poucas anos. Pelo número e pela qualidade de seus partidários, ele conquistou uma posição entre as opiniões aceitas. As tempestades que ele desencadeia, o encarniçamento com que o combatem em certo meio, são, para os menos clarividentes, o indício de que ele encerra algo de sério, porque emociona tanta gente. Pensem dele o que quiserem pensar, é incontestavelmente uma das grandes questões na ordem do dia. Assim, não seríamos consequentes com o nosso programa se o deixássemos passar em silêncio. Nossos leitores têm direito de pedir que lhes demos a conhecer o que é essa doutrina que provoca tão grande ruído. Nosso interesse está em satisfazê-los, e nosso dever é fazê-lo com imparcialidade. Pouco lhes importa nossa opinião pessoal sobre a coisa; o que esperam de nós é um relato exato dos fatos e das atitudes de seus partidários para que possam formar sua própria opinião.

“Como nos conduziremos no caso? É muito simples: iremos à própria fonte; faremos pelo Espiritismo o que fazemos pelas questões de política, de finanças, de ciência, de arte ou de literatura, isto é, disto encarregaremos homens especiais. As questões de Espiritismo serão, pois, tratadas por espíritas, como as de arquitetura por arquitetos, a fim de que não nos qualifiquem de cegos raciocinando sobre as cores e que não nos apliquem as palavras de Fígaro: ‘Precisavam de um calculista e tomaram um dançarino.’

“Em suma, o Discussion não se apresenta como órgão nem apóstolo do Espiritismo; abre-lhe suas colunas, como a todas as ideias novas, sem pretender impor essa opinião aos seus leitores, sempre livres de a controlar, aceitar ou rejeitar. Ele deixa aos seus redatores especiais toda liberdade de discutir os princípios, pelo que eles assumem pessoalmente a responsabilidade. Mas o que, no interesse de sua própria dignidade, ele repelirá sempre, é a polêmica agressiva e pessoal.”

[1] Redação em Bruxelas, Montagne de Sion, 17; Paris, Rua Bergère, 31. Preço para a França: 12 francos por ano; 7 francos por semestre; cada número de 8 páginas, grande in-folio: 25 centavos.

Fonte: Revista Espírita, fevereiro de 1866