domingo, 10 de janeiro de 2010

O apóstolo Paulo proíbe o Espiritismo

Por Suely Caldas Schubert

Manhã de domingo. Uma amiga telefona e me propõe interessante questão. Em conversa com um vizinho, este lhe diz estar estudando a Bíblia há mais de um ano, embora não seja adepto de nenhuma religião. E sabendo que essa amiga era espírita, resolve interrogá-la quanto à proibição que Paulo coloca, em sua epístola aos Efésios (6:10 a 20), quanto ao Espiritismo.

A razão do telefonema foi de me perguntarem como explicar a proibição de Paulo (minha amiga é novata na Doutrina). É quase desnecessário dizer que achei deliciosa a pergunta, só de imaginar o efeito da resposta...

A essa altura, o estudante da Bíblia, já aberta na página em questão, falava diretamente comigo. Não - disse-lhe -, não leia ainda o trecho. Deixe-me primeiro pegar a minha Bíblia.

E que Bíblia! Bem antiga, um exemplar raro, edição portuguesa de 1877, que ganhei de presente. De passagem, pego também o Novo Testamento, de bolso, edição de 1954, tradução de João Ferreira de Almeida, para confronto dos textos.

Inicialmente procurei lembrar-lhe - já que a estava estudando - que a Bíblia é constituída do Velho e do Novo Testamentos; que este contém o Evangelho de Jesus etc..., etc... Que a tal passagem de Paulo aos Efésios está pois, no Novo Testamento e, como é evidente, fora escrita pelo apóstolo há quase dois mil anos. E que o Espiritismo, palavra criada por Allan Kardec, surgiria em abril de 1857, com o lançamento de O Livro dos Espíritos, tendo, portanto, 140 anos de existência.

- Como - indaguei - poderia Paulo proibir algo que nem existia?

- Então, como explicar esse texto ? - me pergunta ele inocentemente.

- Agora sim, vou ler para você uma Bíblia muito antiga, de 1877, e depois um Novo Testamento, de 1954.

Li, ao telefone, para o confuso estudioso da Bíblia, os textos correspondentes, nos quais, como é óbvio, não consta absolutamente nada quanto à aludida proibição. Em seguida, ele fez a leitura do trecho que motivou todo o nosso diálogo. Nele estão várias interpolações, e proibição não apenas do Espiritismo, mas de outras coisas, inclusive (numa linguagem bem atual) sexo antes do casamento.

- Como vê - arrematei - está havendo uma adulteração dos textos evangélicos, para atender a determinadas conveniências religiosas, o que é lamentável e grave.

No dia seguinte, ao fazer uma palestra na Sociedade Espírita Joanna de Ângelis, em Juiz de Fora, aproveitei para contar o caso e comentar a respeito dessas adulterações e como as pessoas não raciocinam, não enxergando tais aberrações e mantendo ainda, infelizmente, uma fé cega e, o que é pior, fanática.

Esse assunto motivou-nos uma preocupação: o que restará dos textos bíblicos e evangélicos daqui a alguns anos?

Outras reflexões nos ocorrem, inclusive a preocupação que os espíritas devemos ter de preservar os livros da Codificação, sem jamais admitirmos que sejam modernizados, modificados, atualizados.

Qualquer coisa nesse sentido será abrir um perigoso precedente, mesmo porque não há o que modernizar ou o que atualizar, pois isso significaria modificar o texto original, e a obra de um autor, recomenda a ética, é sagrada, não deve ser retocada por ninguém e sob nenhum pretexto. Ainda mais quando se trata dos livros da Codificação, se mais não fosse por ter caráter de revelação. Com dupla característica: revelação divina e científica, que Allan Kardec esclarece em a Gênese: "Numa palavra, o que caracteriza a revelação espírita é o ser divina a sua origem e da iniciativa dos Espíritos, sendo a sua elaboração fruto do trabalho do homem".

Pessoalmente, considero o discurso de Kardec atualíssimo, muito didático, claro, estilo sóbrio e elegante, e não vejo motivo para colocá-lo na forma de linguagem atual, como às vezes pretendem, o que representaria nivelar por baixo. Como diz Alexandre, instrutor de André Luiz em Missionários da Luz, em outras palavras, que nós, encarnados, queremos a presença e companhia dos Espíritos Superiores e que estes baixem até nós, porém, não fazemos nenhum esforço para subir até eles.

Ante tais provas de fanatismo, de intransigência, de sectarismo de nossos irmãos que estão adulterando os textos bíblicos e evangélicos, é compreensível que nos ocorram à mente comparações entre religiões e a Doutrina Espírita, que prega o respeito ao próximo, a liberdade de consciência, a fraternidade, revivescendo a mensagem do Cristo e conclamando os seres humanos a vivenciá-la. Realmente, esse código de amor e solidariedade, de libertação das faixas primárias da evolução, enfim, é ainda muito difícil de ser assimilado e vivenciado. A sua vigência, portanto, depende de nós que já o entendemos, aceitamos e divulgamos.

Afinal, de que vale ser espírita, acreditar na existência dos Espíritos, se essa crença não nos torna melhores, mais pacientes, indulgentes e benignos? De nada valeria, então, pois a humanidade permaneceria estacionária.

É o que nos alerta Allan Kardec no item 350 de O Livro dos Médiuns

Fontes:

Do Jornal "Candeia Espírita – USE São José dos Campos – março/98

Jornal Mundo Espírita de Junho de 1998

Jesus viu muito à frente!

Por Francisco Rebouças

Ainda hoje, muitos dos nossos irmãos cristãos de variadas correntes religiosas na Terra, vivem a discutir as palavras de Jesus quando nos afirmou: “Não vim trazer a paz, mas, a divisão.”

Não conseguem entender o porquê dessa atitude do Mestre de Nazaré, quando sua missão, é em todas as épocas, de paz e amor, visto que, não dispõem da bênção das claras explicações que temos na doutrina espírita que graças a Deus já abraçamos, para entender a verdadeira fé sob a ótica da razão.

Foi a partir do lançamento de O Livro dos Espíritos em 1857, que as passagens de Jesus narradas nos evangelhos puderam ter uma assimilação muito mais fácil e de forma bem mais ampliada, para que finalmente pudéssemos compreender suas sábias intenções em tudo que nos ensinou e exemplificou enquanto esteve por aqui.

A Doutrina Espírita embora ainda muito combatida e desrespeitada por muitos desses irmãos ditos “cristãos”, nos assevera que para se alcançar os objetivos da mensagem consoladora do evangelho na nossa sociedade, precisamos seguir firmes e destemidos, na certeza de que o discípulo de Jesus encontrará NELE e em seus prepostos a sustentação necessária para fincar a bandeira da paz, da fé e da caridade nos horizontes turvos dos dias que vivenciamos na atualidade.

Em o Evangelho Segundo o Espiritismo, encontramos estas sábias orientações dos Nobres Emissários Celestes, que abaixo transcrevemos.

“O Espiritismo vem realizar, na época prevista, as promessas do Cristo. Entretanto, não o pode fazer sem destruir os abusos. Como Jesus, ele topa com o orgulho, o egoísmo, a ambição, a cupidez, o fanatismo cego, os quais, levados às suas últimas trincheiras, tentam barrar-lhe o caminho e lhe suscitam entraves e perseguições.

Também ele, portanto, tem de combater; mas, o tempo das lutas e das perseguições sanguinolentas passou; são todas de ordem moral as que terá de sofrer e próximo lhes está o termo. As primeiras duraram séculos; estas durarão apenas alguns anos, porque a luz, em vez de partir de um único foco, irrompe de todos os pontos do Globo e abrirá mais de pronto os olhos aos cegos”.

“Essas palavras de Jesus devem, pois, entender-se com referência às cóleras que a sua doutrina provocaria, aos conflitos momentâneos a que ia dar causa, às lutas que teria de sustentar antes de se firmar, como aconteceu aos hebreus antes de entrarem na Terra Prometida, e não como decorrentes de um desígnio premeditado de sua parte de semear a desordem e a confusão. O mal viria dos homens e não dele, que era como o médico que se apresenta para curar, mas cujos remédios provocam uma crise salutar, atacando os maus humores do doente”. ¹

Portanto queridos irmãos de ideal espírita, não desanimemos ante as dificuldades do caminho, trabalhemos árdua e corajosamente, como Jesus nos exemplificou há dois mil anos atrás, na absoluta certeza de que mais cedo ou mais tarde, contra os interesses escusos dos poderosos de agora, estaremos saboreando a vitória da harmonia que a compreensão da mensagem contida em seu nos propiciará.

Fonte:

1) E.S.E. CAP. XXIII – Estranha Moral, itens 17 e 18.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Caos momentâneo

Por Orson Peter Carrara

O Espírito Erasto, na mensagem Os conflitos1, cita palavras do Espírito São Luiz, um dos responsáveis pela Codificação Espírita, referindo-se a uma verdadeira Torre de Babel no que diz respeito aos prejuízos do orgulho e da exaltação do amor-próprio nos médiuns. Citando espíritos pseudo-sábios, falsos grandes homens, falsos religiosos e falsos irmãos da erraticidade, em meio a essa multidão de médiuns por eles fanatizados, aos quais ditam teses mentirosas e perigosas, na construção de autênticos andaimes erigidos pela ambição e a inveja, solicita aos espíritas sinceros que não se amedrontem com o caos momentâneo.

Embora a mensagem seja de 1863, verifica-se sua atualidade nas lutas do movimento espírita diante de tantas insinuações, tentativas de novidades dispensáveis e disputas próprias da exaltação do orgulho ou do amor-próprio ainda vigentes em nossa condição humana.

Por isso, indica o nobre Erasto:

“(...) Assim, pois, meus amigos, tendes que vos defender, não só contra os ataques e calúnias dos adversários vivos, mas, também, contras as manobras, ainda mais perigosas, dos adversários da erraticidade. Fortificai-vos, pois, em estudos sadios e, sobretudo, pela prática do amor e da caridade, e retemperai-vos na prece. Deus sempre ilumina os que se consagram à propagação da verdade, quando estão de boa fé e desprovidos de toda ambição pessoal. (...)”.

Pela grandeza da mensagem que ora estamos nos referindo, elaboramos também outra abordagem com o título "Que vos importam os médiuns?", que o leitor encontrará fácil pela internet, de vez que ambas foram elaboradas e liberadas simultaneamente para divulgação. Optamos por duas abordagens ao invés de uma matéria mais longa. Naquela abordagem, baseada na pergunta do próprio Erasto, ele mesmo nos dá a óbvia resposta: os médiuns não passam de instrumentos.

Por isso, nomes pomposos ou famosos nada significam. Como indica o espírito “(...) O que deveis considerar é o valor, é o alcance dos ensinamentos que vos são dados; é a pureza da moral que vos é ensinada; é a clareza, é a precisão das verdades que vos são reveladas; é, enfim, ver se as instruções que vos dão correspondem às legítimas aspirações das almas de escol e se são conformes às leis gerais e imutáveis da lógica e da harmonia universal. (...)”.

Uma vez mais, a precisa orientação de não nos impressionarmos pelos nomes que assinam as psicografias. O que vale e deve ser analisado é o conteúdo antes que o entusiasmo fácil nos encante pelo nome assinado. Por isso continua Erasto:

“(...) Os Espíritos imperfeitos, que representam um papel de apóstolo junto a seus obsedados, bem sabeis, não têm o menor escrúpulo em enfeitar-se com os mais venerados nomes (...); Assim, repetirei incessantemente o que dizia a meu médium, há dois anos: ´Jamais julgueis uma comunicação mediúnica pelo nome que a assina, mas apenas por seu conteúdo intrínseco´(...)”.

E a advertência vital: “(...) É urgente que vos ponhais em guarda contra todas publicações de origem suspeita, que parecem, ou vão parecer contrárias a todas as que não tivessem uma atitude franca e clara, e tende por certo que muitas são elaboradas nos campos inimigos do mundo visível ou invisível, visando a lançar entre vós os fachos da discórdia (...)”. Afinal, “(...) tende igualmente como certo que todo Espírito que a si mesmo se anuncia como um ser superior e, sobretudo, como de uma infalibilidade a toda a prova, ao contrário, é o oposto do que se anuncia tão pomposamente. (...)”.

Valiosas considerações, não é mesmo, leitores?

Estamos convidados ao uso do raciocínio, do bom senso, da lógica, mas também da bondade. Não estamos convidados à crueldade da discriminação, mas à lucidez da orientação correta e coerente com o que ensina o Espiritismo. Melhor a firmeza do conhecimento do que a ingenuidade da distorção...

Fonte: Recebida em 25/02/1863 e constante do livro A Obsessão, páginas 209 a 215 da 6ª. edição Editora O Clarim.

Que vos importam os médiuns?

Por Orson Peter Carrara

A indagação que usamos como título na presente abordagem foi proferida pelo Espírito Erasto, conhecido personagem da Codificação Espírita, e consta da mensagem Os conflitos1, iniciada com a afirmação de que “Há no momento um recrudescência de obsessão, resultado da luta que, inevitavelmente, devem sustentar as idéias novas contra seus adversários encarnados e desencarnados. (...)”.

E o próprio espírito dá a resposta ao afirmam de que eles, os médiuns, não passam de instrumentos. Sim, realmente. Não há o que discutir, apesar da contribuição do médium quando se esmera pelos caminhos da humildade, do espírito de serviço e dedicação à causa.

Porém, a afirmação da recrudescência de obsessão deve chamar nossa atenção, da gravidade do momento que vivemos. Permito-me, para melhor entendimento do leitor e até pela autoridade do texto do conhecido autor espiritual, algumas trasncrições parciais do mesmo texto que falam por si mesmas, dispensando outros comentários:

a) “(...) Não há individualidade, por medíocre que seja, que não tenha encontrado (...) um Espírito para lhe dizer: ´Tu também serás rei´, e que não se julgue designada a um apostolado muito especial. Há poucas reuniões íntimas e, mesmo, grupos familiares que não tenham contado entre os seus médiuns (...) uma alma bastante enfatuada para se julgar indispensável ao sucesso da grande causa, muito presunçosa para se contentar com o modesto papel de obreiro, trazendo a sua pedra ao edifício. (...)”

b) “(...) Quase todos os médiuns (...) são submetidos a essa perigosa tentação. (...) Por que permite Deus uma prova tão difícil, senão para provar que o bem e o progresso não se instalam jamais sem trabalho e sem luta, para tornar a vitória da verdade mais brilhante pelas dificuldades da luta? (...)”

c) “(...) que querem certos espíritos da erraticidade fomentando entre as mediocridades da encarnação essa exaltação do amor próprio e do orgulho, senão entravar o progresso”? (...)

Vale aqui que nos detenhamos especialmente no item “c”. É exatamente essa exaltação do amor próprio e do orgulho que tem colocado a perder tantas tarefas nobres na mediunidade.

Por oportuno, observemos a continuidade do texto, que poderemos – pela imaginação e pelo raciocínio – trazer para os dias atuais:

“(...) A este, tal espírito promete o segredo da transmutação dos metais (...); àquele um espírito revela supostos acontecimentos que se vão realizar, fixa as épocas, precisa as datas, indica os atores que devem concorrer aos dramas anunciados; a tal outro, um espírito mistificador ensina a incubação dos diamantes; a outros ainda são indicados tesouros ocultos, prometem fortuna fácil, descobertas maravilhosas, a glória, as honrarias, etc.; numa palavra, todas as ambições e todas as cobiças dos homens são exploradas por espíritos perversos. (...)”.

E ainda indica o lúcido espírito um referencial que sempre devemos ter em mente: “(...) é a modéstia o apanágio dos médiuns escolhidos pelos bons espíritos, quanto o orgulho, o amor-próprio e, digamo-lo, a mediocridade são os distintivos dos médiuns inspirados elos espíritos inferiores (...)”. Pois, afinal, como também indica o autor espiritual, o resultado das promessas falazes são “(...) as decepções, os dissabores, o ridículo, por vezes a ruína, justa punição do orgulho presunçoso, que se julga chamado a fazer melhor que todo mundo, desdenha os conselhos e desconhece os verdadeiros princípios do Espiritismo. (...)”.

A mesma mensagem, pela riqueza de conteúdo, estende-se ainda com valiosas orientações. Para não alongar o presente texto, continuamos a abordagem em outro texto que titulamos Caos momentâneo, baseado na mesma mensagem e que continua os raciocínios ora apresentados. O leitor não terá dificuldade de localizá-lo em breve tempo, de vez que elaborados ao mesmo tempo, ambos estão liberados simultâneamente.

Vale dizer que não podemos deixar de indicar a fonte de tão rica e valiosa mensagem, constante e somada a outras preciosidades doutrinárias contidas no livro. Trata-se do livro A Obsessão, edição da Casa Editora O Clarim.

Fonte: Recebida em 25/02/1863 e constante do livro A Obsessão, páginas 209 a 215 da 6ª. edição Editora O Clarim.

A autoridade dos fatos espíritas

Por Cairbar Schutel

A Verdade não se impõe arbitrariamente.

Ela só se apresenta com os fatos, que constituem os princípios básicos das ideias sãs.

Pelo mesmo motivo não se pode transviar a natureza dos fatos com uma explicação bastarda que, à guisa de teoria, desorienta as inteligências em vez de prepará-las para uma orientação racional da causa por que se produzem esses fatos.

Em todos os ramos do conhecimento humano são os fatos que têm conduzido os pesquisadores à descoberta da verdade.

Haja vista o movimento da Terra, cujas consequências científicas ninguém desconhece o valor. Ela não surgiu de um princípio dogmático, mas sim do fato observado meticulosamente por Galileu.

O novo continente não se fez por uma ideia visionária de Colombo, mas só depois de grande luta e acerbas provações o grande genovês pôde descobrir a existência das duas Américas.

O sangue, desde que o mundo existe, circula nos organismos humanos e animais, entretanto foram necessários os longos e pacientes trabalhos de Harvey para que a ciência ficasse de posse da “circulação do sangue”.

Leblanc não pôs a soda no sal marinho, entretanto seu nome figura no panteão dos descobridores por haver encontrado a soda no sal e descoberto o processo da extração daquela, deste.

Assim são todas as descobertas de que se ufana o nosso mundo, e cujos estudos sondando a natureza dos fenômenos levaram os pesquisadores ao conhecimento das causas.

Não é a nossa vontade, nem a nossa ciência, nem a nossa arte que criam os fatos. Eles existem de toda a eternidade. As vibrações existiam antes da descoberta de Young, assim como a eletricidade antes de Galvani e Franklin, Edison etc.

O magnetismo sempre existiu antes de Charcot e Mesmer, assim como o vapor antes de Arago. As descobertas destes e sua aplicação é que lhes dá o valor.

Os fatos, em todos os ramos da ciência, são insistentes, produzem-se sempre, porque eles são oriundos da Sabedoria Universal e Eterna, cuja fonte não cessa de jorrar para instruir os homens na verdade. Daí a grande autoridade dos fatos que aparecem mesmo contra as vontades mais potentes do mundo.

As ciências têm sempre se originado dos fatos e a sua estabilização consiste em haverem adaptado aos fatos as teorias que deles decorrem. Se o contrário tivesse sucedido, por exemplo se aplicado as teorias da eletricidade ao magnetismo, ou do magnetismo à eletricidade, as atividades se consumiriam no estudo e nas pesquisas, as convicções tornar-se-iam incompreendidas, e as ciências andariam numa confusão impossível de se manterem.

Este critério foi que levou Allan Kardec a descobrir o Mundo dos Espíritos e as relações que os seus habitantes podem manter conosco.

Cientificado pelo magnetizador Forstier que o magnetismo, segundo experiência que esse magnetizador fizera, tinha ação sobre as mesas, fazendo-as mover, julgou muito natural esse fato “porque o fluido magnético podia muito bem atuar sobre corpos inertes”.

Mas não achou natural que o “fluido magnético fizesse as mesas falarem”, visto como este não pode senão exercer efeitos mecânicos, sendo que os efeitos intelectuais exigem uma natureza inteligente para produzi-los.

Foi então que tomando a sério o estudo desses fatos, que chamamos espíritas, entreviu neles, além das futilidades aparentes e dos fenômenos que se procurava por passatempo, a revelação de uma nova lei, que descobriu, aplicando à nova ciência que fundou, o método experimental, não aceitando teorias preconcebidas, e dos efeitos remontando às causas.

Diversos outros investigadores seguiram o critério do Mestre.

Varley, o antigo Diretor da Companhia de Cabos Submarinos, que lançou o primeiro cabo transatlântico, ao ouvir falar dos fenômenos psíquicos não escondeu o seu cepticismo, mas, premido pelos fatos, depois de inteligentes experiências feitas em sua própria casa e com sua esposa, afirmou categoricamente a realidade dos fatos e, ainda mais, não terem esses fenômenos parte alguma com a eletricidade.

O depoimento de Varley é um documento importante, pois o seu testemunho foi dado perante o comitê da Sociedade Dialética de Londres.

Assim como todos os fatos que fundamentam as ciências, os fatos espíritas são evidentes e ninguém poderá negá-los sem fazer jus do diploma de presumido e ignorante.

William Crooks, que estudou o espírito de Katie King, por espaço de três anos, em companhia de cientistas do mais alto valor, como o Dr. Gregory, Sergeant Cox, o Prof. Challis, de Cambridge, Adolfo Tropelle, Augusto Mongau e outros, chegando a medir e pesar a “entidade espírita” para comparar com os pesos e medidas do médium; ele examina a aparição, exerce o controle da fotografia, conversa com ela, obtém dela um escrito do próprio punho, e, em seu relatório de sábio, conclui a respeito dos fatos: “Não digo que sejam possíveis, mas sim que são reais”.

Lombroso, o genial psiquiatra, que também se eternizou pelos trabalhos clínicos sobre a patogênesis da pelagra, deixou na sua obra “Il Fenomeni Ipnotici e Spiritici” a bela profissão de fé que conscientemente pode fazer um espírita de sua estatura.

E quantos homens de ciência que examinaram os fenômenos de Eusapia Paladino afirmaram a veracidade dos fatos! O Prof. Felipe Bottazi, Diretor do Instituto de Fisiologia da Universidade de Nápoles; Dr. Galeoti, Prof. de Patologia geral; Tomas de Amicis, encarregado da cátedra de Dermatologia e Sifilografia; Oscar Scarpa, físico, professor de Eletroquímica da Escola Superior Politécnica de Nápoles; Senador Cardarelli, prof. de clínica médica e outros muitos que seria fastidioso enumerar. Estes escolheram o local das experiências, para afastarem todas as dúvidas, fizeram-se acompanhar de um arsernal de aparelhos, manômetros, tímpanos registradores de Marey, metrônomos, e apesar de todas as precauções e exigências experimentais viram mãos diáfanas vagando no ar, cabeças nitidamente formadas; os móveis se moviam sem contato, e fenômenos transcendentais foram verificados e testemunhados.

O que dizer do livro do Professor Morselli onde abundam relatos de fatos que esse professor verificou! Sua convicção na existência dos fatos é tão grande que ele diz: “Os fenômenos psíquicos devem ser observados como o são os fenômenos celestes”.

O Dr. Lapponi, médico de Leão XIII, examina, por ordem deste e com intuito de combate, os fatos espíritas, e publica, com a sanção do Vaticano, um livro em apoio dos fatos, embora desnaturando suas causas.

Os verdadeiros homens de ciência não podem negar os fatos, porque, como dizia o Professor Chiaia a Lombroso, citando Dante: “A verdade é obrigada pela lei da honra a se opor sempre contra a falsidade”.

A crença nos fatos espíritas, chamada antigamente “aparição dos fantasmas dos mortos”, perde-se na noite dos tempos, porque os fatos sempre existiram como sempre existiu o movimento da Terra, a circulação do sangue, a soda no sal marinho.

Nas páginas das Escrituras e dos Livros Sagrados ela figura até como artigo de fé, chegando até a se apresentar como atributos de entidades bem-aventuradas.

D. José Ramon Savedra, o sábio e virtuoso autor da “Demonstração da Divindade da Religião”, e que é insuspeito por ser católico, como insuspeita é a sua obra que mereceu a aprovação eclesiástica, inseriu em seu livro os belos trechos que se vai ler e que confirmam peremptoriamente os fatos espíritas.

— “A respeito da imortalidade da alma, pode-se dar uma PROVA NATURAL DO FATO: as relações com os mortos, ou a evocação e aparição das almas dos mortos.

— É um fato que a alma dos mortos entra em relação com a alma dos vivos e se dá a conhecer a estes. Judeus, gentios e cristãos têm acreditado nesses fatos. Sucessos tão gerais não se podem fingir, tanto mais que são atestados por pessoas ilustradas e respeitáveis. No livro 1º dos Reis, encontra-se a evocação da alma de Samuel pela pitonisa do Endor. Santo Agostinho relata uma aparição de almas que teve S. Cirillo de Jerusalém, e as vidas dos santos apresentam inumeráveis casos deste gênero. Há também uma multidão de fatos recentes que confirmam esta verdade. A alma de Benjamin Franklin pronunciou um pequeno discurso em 20 de fevereiro de 1850, que se acha registrado. Consta de um documento firmado por todos os assistentes (Table parl. Jun., 1854). Nessa mesma época fazia muito ruído nos Estados Unidos o que dizia o espírito de Calhoun. Na presença dos generais Hamilton, Waddi Thompson, Robert Campbell, M. Tallamadge e outros, íntimos amigos de Calhoun, e na presença também de um dos seus filhos, pediu-se ao espírito de Calhoun que escrevesse de modo que se conhecesse a letra, e escreveu I’m with you still (todavia estou convosco). Todos reconheceram sua própria letra, e Hamilton observou que Calhoun costumava escrever I’m, em vez de I am.

“Em 1853 o espírito de Calhoun disse em Washington, a M. Tallamadge, que o fim das manifestações espíritas era o de reconciliar os homens, convencendo-os da imortalidade da alma. M. Tallamadge disse que o espírito de Channing deu, em Bridge Port, igual resposta em 1850. Por estes e outros muitos fatos análogos, M. Tallamadge julga que se encontra nesses fatos a prova irrefragável da imortalidade da alma.

“Um sábio belga, M. Jobard, a quem a ciência e a indústria devem notáveis descobertas, convencido das comunicações dos espíritos, disse: “É um fato atualmente tão difundido que ainda que seja dotado de uma lógica não vulgar é impossível contestá-lo, salvo se se pretender que todo o mundo é louco e só o que nega é que é sábio e se acha isento da epidemia geral, a maior que a humanidade tem visto: a comunicação direta com os mortos, a realidade das suas aparições. (La table parlante, abril 1854)

“Vários autores franceses dizem que são puramente diabólicas as evocações dos espíritos humanos, e por conseguinte nada provam a favor da imortalidade da alma. Mas esta opinião me parece inaceitável por estas razões: 1ª) Todo o contexto da aparição de Samuel demonstra que não foi obra do demônio: aquele espírito inspirou a Saul o temor ao poder de Deus e predisse sua morte e de seus filhos para o dia seguinte, e a vitória dos filisteus sobre Israel; 2ª) Se as evocações modernas fossem obra do espírito do mal, este trabalharia para a glória de Deus e salvação das almas? A negação da ordem sobrenatural foi vitoriosamente confundida por estes fatos, pois há, evidentemente, sempre neles um agente sobrenatural.

“É provável que satanás se ufane por inocular nos homens a crença na ordem sobrenatural e prepará-los assim para o céu?”

Finalmente, a autoridade dos fatos não pode ser sonegada, nem ceder o seu lugar a princípios arbitrários que contradizem a lógica e o raciocínio.

A verdade não se impõe abruptamente, mas exige estudo e livre-exame, favorecendo os investigadores com os fatos que dela se originam. Ela não representa um expoente de princípios imperiosos, de juízos preconcebidos, mas o resultado de estudos feitos por suas manifestações positivas; daí a autoridade dos fatos espíritas, cuja única doutrina regenerará a humanidade, impondo a todos os deveres de fraternidade e progresso.

Fonte: Publicado na RIE em novembro de 1928

Franca propaganda

Por Cairbar Schutel

Estamos nos tempos de franca divulgação do Espiritismo. O nosso trabalho atual deve ter por mira principal a propaganda da Doutrina.

Caluniado, injuriado, torpemente mistificado, o Espiritismo sofreu até aqui os mais injustos apodos, as mais cruéis injustiças, resignando-se a limitar os seus Ensinos a meia dúzia de adeptos que, de portas fechadas, hauriam as suas palavras de verdade e consolação.

Os tempos agora mudaram, a época é de liberdade e todos nós temos obrigação de fazer valer, de anunciar abertamente a todos os que nos quiserem ouvir os princípios regeneradores que o Espiritismo contém, livre de todas as injunções sectárias. E quem ouvindo-os, estudando-os, observando-os, sem espírito preconcebido, deixará de aceitá-los, de acolhê-los com boa vontade?

Se nós só pregamos a paz, o amor fraterno, a liberdade sob os auspícios divinos; se nós recomendamos a todos o estudo como meio de compreensão da Lei Natural; se a nossa doutrina, em vez de levar a luta e a guerra entre os povos, tem por escopo estabelecer a harmonia e a concórdia, quem nos poderá impedir de exercer os nossos direitos de livre-pensamento, de livre-ação?

Já temos prestado muitos benefícios, reservadamente, aos que sofrem, aos que choram, aos que não creem, aos desiludidos das vãs promessas das religiões humanas. Estendamos agora a nossa ação à coletividade. Anunciemos a todos, ao menos, a base fundamental da nossa Doutrina, mostremos aos que nos ouvirem que o Espiritismo é uma Mensagem Divina, como foi o Cristianismo há dois mil anos; que não estamos entrincheirados à semelhança das doutrinas sectárias que dividem a socidade e estabelecem a confusão nos povos; que queremos a união sob os princípios cristãos de fraternidade e com a Paternidade de Deus, porque, de fato, todos somos oriundos dum mesmo Criador e Pai; que para nós não há privilégios nem exclusões, porque todos estamos ligados pelo amor de Deus.

Precisamos salientar a todos a nossa missão de paz, de ordem e de Verdade, e só podemos fazê-lo por uma larga propaganda, por uma profusa difusão do Espiritismo.

Unamo-nos, trabalhemos e procuremos cumprir as ordens de Jesus que consistem resumidamente na pregação do Evangelho.

Fonte: O Clarim - Publicado em 1 de janeiro de 1937

[BIOGRAFIA] - Caírbar Schutel

Por Eliseu F. da Mota Júnior

No dia 22 de setembro de 1868, filho do casal Anthero de Souza Schutel e Rita Tavares Schutel, nasceu Caírbar de Souza Schutel, no Rio de Janeiro, então sede da Corte Imperial do Brasil, onde praticou em diversas farmácias e aos 17 anos de idade foi para o Estado de São Paulo, trabalhando como farmacêutico em Piracicaba, Araraquara e depois em Matão, cidade em que viveu durante 42 anos.

Possuidor de brilhante cultura, de grande prestígio social e sobretudo de notória autoridade moral, acabou sendo escolhido para o honroso e histórico cargo de primeiro Prefeito da cidade de Matão, cargo que ocupou por duas vezes, a primeira de 28 de março a 07 de outubro de 1899, voltando a exercê-lo de 18 de agosto a 15 de outubro de 1900, conforme consta das atas e dos registros históricos da municipalidade matonense.

Nascido em família católica, batizado aos 7 anos de idade, Caírbar Schutel cumpria suas obrigações perante a Igreja de Roma. Entretanto, já adulto e vivendo em Matão, passou a receber, em sonhos, a visita constante de seus falecidos pais, porque ele ficara órfão de ambos com menos de 10 anos de idade. Insatisfeito com as explicações de um padre para o fenômeno, Schutel procurou Quintiliano José Alves e Calixto Prado, que realizavam reuniões de práticas espíritas domésticas, logrando então entender a realidade do mundo extrafísico.

Convertido ao Espiritismo, cuidou logo de legalizar o Grupo (hoje Centro) Espírita Amantes da Pobreza, cuja ata de instalação foi lavrada no dia 15 de julho de 1905. Resolvido a difundir a Doutrina Espírita pelos quatro cantos do mundo - e mesmo vivendo em uma pequena e modesta cidade no interior do Brasil -, o "Bandeirante do Espiritismo", como ficou conhecido Caírbar Schutel, fundou o jornal "O Clarim" no dia 15 de agosto de 1905, e a RIE - Revista Internacional de Espiritismo no dia 15 de fevereiro de 1925, ambos circulando até hoje.

Além disso, o incansável arauto da Boa Nova, com todas as dificuldades da época e da região, viajava semanalmente até a cidade de Araraquara para proferir, aos domingos, as suas famosas 15 "Conferências Radiofônicas", pela Rádio Cultura de Araraquara (PRD - 4), no período de 19 de agosto de 1936 a 02 de maio de 1937.

Escritor fértil, entre 1911 e 1937 escreveu os livros O batismo, Cartas a esmo, Conferências radiofônicas, Histeria e fenômenos psíquicos, O diabo e a igreja, Espiritismo e protestantismo, O espírito do cristianismo, Os fatos espíritas e as forças X..., Gênese da alma, Interpretação sintética do apocalipse, Médiuns e mediunidades, Espiritismo e materialismo, Parábolas e ensinos de Jesus, Preces espíritas, Vida e atos dos apóstolos, A questão religiosa, Liberdade e progresso, Pureza doutrinária, A vida no outro mundo e Espiritismo para crianças.

Para publicá-los, Schutel não mediu esforços: adquiriu máquinas, papel, tinta, cola e outros insumos para impressão, procurando escolher sempre material de primeira categoria. Desse esforço surgiu a Casa Editora O Clarim, que hoje emprega inúmeros funcionários em Matão, tendo publicado mais de cem títulos de obras de renomados autores, encarnados e desencarnados.

Consciente de sua responsabilidade como cidadão, cuidou de regularizar a sua união com Dª. Maria Elvira da Silva e Lima, com ela se casando no dia 31 de agosto de 1905; o casal Schutel não teve filhos carnais, porém sua dedicação aos semelhantes ficou indelevelmente marcada na história de Matão, uma vez que ambos jamais deixaram de atender aqueles que os procuravam.

Depois de curta enfermidade, Caírbar Schutel faleceu em Matão, no dia 30 de janeiro de 1938. Durante e após suas exéquias, inúmeras pessoas de Matão, das cercanias, do Estado de São Paulo e de diversas regiões do Brasil prestaram-lhe comovente tributo de gratidão e reconhecimento pelo trabalho desenvolvido, tendo certamente cumprido a sua missão.

Aliás, o prestigioso jornal 'A Comarca', de Matão, em sua edição de 6 de fevereiro de 1938, consignou o seguinte: "É absolutamente impossível em Matão falar-se quer da nossa história passada, quer da nossa história hodierna sem mencionar Caírbar Schutel. Caírbar Schutel foi, para Matão, um dínamo propulsor do seu progresso, um arauto dedicado e eloqüente das suas aspirações de cidade nascente. Mais do que isso foi o homem que, como farmacêutico, acorria com o seu saber e com a sua caridade à cabeceira dos doentes, naqueles tempos em que o médico era ainda nos sertões que beiravam o 'Rumo', uma autêntica 'avis rara'.

"Militando na política por algum tempo, a sua atuação pode ser traduzida no curto parágrafo que abaixo transcrevemos, fragmento de um discurso pronunciado em 1923, na Câmara Estadual, pelo Deputado Dr. Hilário Freire, quando aquele ilustre parlamentar apresentou o projeto da criação da Comarca de Matão. Ei-lo: 'Em 1898, o operoso, humanitário e patriótico cidadão Sr. Caírbar de Souza Schutel, empregando todo o largo prestígio político de que gozava, e comprando com os seus próprios recursos o prédio para instalação da Câmara, conseguiu, por intermédio de um projeto apresentado e defendido pelo Dr. Francisco de Toledo Malta, de saudosa memória, a criação do município de Matão'.

Dizem algumas comunicações mediúnicas que o Espírito Caírbar Schutel está, no mundo espiritual, encarregado pela divulgação do Espiritismo na Terra; sendo confirmada tal informação, essa nobre tarefa está muito dirigida, porque o movimento espírita deve muito ao querido "Bandeirante do Espiritismo", assim como à sua digníssima esposa Dª. Maria Elvira da Silva Schutel, pois, como diz a sabedoria popular, ao lado de um grande homem há sempre uma grande mulher!

Eliseu da Motta Júnior é escritor, orador e diretor da Revista Internacional de Espiritismo - RIE, de Matão-SP.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Em Torno do Estudo da Doutrina Espírita

Por Waldehir Bezerra de Almeida

Conta-nos o evangelista Lucas, no “Atos dos Apóstolos”, que um anjo do Senhor solicitou a Filipe que fosse a caminho de Jerusalém... E ele foi. Antes de lá chegar, encontrou em uma carruagem o mordomo-mor da rainha dos etíopes, que lia o profeta Isaias, e o apóstolo perguntou: “- Entendes tu o que lês?” E o etíope lhe respondeu: “- Como poderei entender, se alguém não me ensinar?”... E a narrativa continua informando que Filipe acompanhou o mordomo, servindo-lhe de instrutor, interpretando, provavelmente, os ensinamentos do profeta à luz dos ensinamentos do Cristo. E antes que terminasse a viagem, o aprendiz pediu para ser batizado, confirmando-se a sua conversão ao cristianismo (Atos, 8: 26-40.)A passagem registrada pelo terceiro evangelista leva-nos a pensar a respeito da importância do estudo em grupo, onde o mais experiente e detentor de mais conhecimentos auxilia o neófito na leitura e compreensão dos ensinamentos de Jesus, á luz do Espiritismo.

Embora a Codificação Kardeciana não apresente a complexidade dos textos bíblicos, não só pela forma didática como foi organizada pelo Mestre de Lion, mas, também, por ter sido escrita em língua viva e moderna, o seu estudo isolado pode apresentar, assim mesmo, dificuldades originadas pelas limitações culturais e pelo atavismo religioso que todos possuímos, por sermos espíritos eternos, com experiências variadas nesse campo. Em razão disso, o estudioso “eremita” somente vê um lado da questão. E quando vislumbra dois, adota aquele que mais se adequa à sua filosofia de vida e o que menos agride as suas convicções. Dessa prática de estudo isolado surgem o que poderíamos chamar de “quistos doutrinários”, ou seja, “espiritismos” dentro do Espiritismo. A essa altura, convém invocar uma lição que a História registrou.

Martinho Lutero, na primeira metade do século XVI, traduziu a Bíblia para a língua Alemã, para que o seu povo pudesse lê-la, pois até então só existia no Latim. A partir daí, todos os interessados passaram a lê-la. Mas, ao longo do tempo, verificou-se que a leitura feita isoladamente gerou o que Munford chamou de “fissiparidade do protestantismo”, ou seja, a divisão sucessiva do organismo gerador em vários outros. Analisando o fenômeno ele diz: “Cada homem podia ler a Bíblia sozinho, uma vez que a invenção da imprensa viera permitir a multiplicação do texto; cada um podia interpretar a Bíblia a sua maneira (...). Interpretavam a Bíblia já no sentido figurado, já no sentido literal: e cada qual encontrava nela o que queria”.[1] Em virtude de tal procedimento, surgiram várias correntes protestantes. Para impedir a proliferação de seitas, os luteranos chegaram à conclusão que a Bíblia teria que ser interpretada pela comunidade religiosa e não mais somente pelo “espírito santo”, através de quem a lê, como queria Lutero, nas origens do movimento reformista.[2]

A importância do estudo no seio do Espiritismo está mais do que comprovada. Não foi sem razão que o Espírito de Verdade nos deixou este ensinamento lapidar: “Espíritas! Amai-vos, este é o primeiro mandamento; INSTRUI-VOS, este é o segundo”. Sabia ele que fora a falta de conhecimento e estudo dos textos evangélicos, que levou o homem a se distanciar do verdadeiro espírito dos ensinamentos do Mestre Jesus. Estava implícito, também, no bojo desses mandamentos a preocupação com a expansão da Doutrina nascente.

André Luiz, em “Opinião Espírita”, lição 29, coloca entre os vinte modos de perturbarmos a marcha do Espiritismo o “negar-se ao estudo”... A casa espírita que não se dedica ao estudo sério e sistematizado da Doutrina, não somente dificulta a sua expansão como não exerce a sua real função de esclarecer as consciências, para que se libertem e iniciem a sua caminhada evolutiva.

Para se compreender melhor a preocupação dos Espíritos com o estudo e sua relação com a evolução espiritual, Kardec fez a seguinte pergunta ao Espírito de Verdade:

“- Como o progresso intelectual pode conduzir ao progresso moral?”

Resposta: “- Fazendo compreender o bem e o mal: o homem, então, pode escolher. O desenvolvimento do livre arbítrio segue o desenvolvimento da inteligência e aumenta a responsabilidade dos atos”.

Poder escolher é o grande começo para todos nós. O fim do homem é realizar, pelo exercício de sua liberdade, a perfeição de sua natureza pelo uso correto do livre arbítrio O Espiritismo, mais do que qualquer outra filosofia ou religião, possui os postulados para orientar quem quer que seja nessa empreitada. Cabe aos seus adeptos mais esclarecidos a tarefa de passar com eficiência e responsabilidade seus conhecimentos. Para isso é necessário democratizar o ensino, implantando o Estudo Sistematizado da Doutrina, fazendo uso de técnicas didáticas modernas e participativas, excluindo o “mestre”, detentor do conhecimento e da razão, valorizando a capacidade criadora de todos os frequentadores do estudo. Os que sabem mais orientam os que sabem menos; coordenam a atividade e orientam no sentido da consulta às Obras Básicas, cuidando para não transformar a reunião de estudo em palestra.

Encerremos os nossos comentários dando a palavra ao Codificador, na Introdução de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”:

“Toda gente admira a moral evangélica; todos lhe proclamam a sublimidade e a necessidade; muitos, porém, assim se pronunciam por fé, confiados no que ouviram dizer, ou firmados em certas máximas que se tornaram proverbiais. Poucos, no entanto, a conhecem a fundo e menos ainda são os que a compreendem e lhe sabem deduzir as conseqüências.”

Refletindo, demoradamente, sobre essas palavras do Codificador, concluiremos que sem estudar o Espiritismo não entenderemos o Cristianismo tal como Jesus nos deixou.

(Publicado na Revista Internacional de Espiritismo em dezembro de 1996) Referências:

[1] MUNFORD, Lewis. “A Condição de Homem”. Editora Globo, 1956, pag. 221.

[2] WILGES, Irineu. “Cultura Religiosa”, Editora Vozes, Rio de Janeiro, 1985, 6ª edição, pag. 84/85

domingo, 3 de janeiro de 2010

A Visão Espírita do Pecado

Por Edilson Botto

Um dos conceitos mais arraigados na nossa cultura cristã é a idéia do pecado. Desde a mais tenra idade nos ensinam que somos todos pecadores, que tudo de errado que fazemos é pecado e que por isto devemos ser punidos, ou como é mais comum dizermos, castigados. Fazendo-se uma análise, à luz da razão, desta relação entre pecado e castigo, vamos verificar que este é um processo que apenas gera medo e temor, levando-nos a conter nossos atos, não pela educação, mas pela ameaça do respectivo castigo. Mas será esta a maneira adequada de levar as pessoas à obediência do Evangelho? Será este o meio adequado de implantar o amor entre os homens? Antes de nos concentrarmos na busca de uma alternativa, seria interessante que fôssemos procurar a origem desta visão punitiva.

Quando Moisés retirou seu povo do Egito, os Hebreus estavam completamente influenciados pela cultura egípcia, a idéia de um Deus único era estranha e não havia qualquer disciplina entre eles, era um povo rebelde e acostumado à prática do roubo, do adultério e da adoração a vários deuses. Era ainda um povo primitivo, incapaz de espontaneamente modificar sua conduta. Não existia outra maneira de levá-los a abandonar os velhos hábitos a não ser a adoção da imagem de um Deus punitivo, um Deus que se irava e que castigava implacavelmente aqueles que não obedecessem a “sua Lei”, era o tempo do “olho por olho, dente por dente”.

Quando Jesus veio à terra, seu discurso falava de um Deus tão amoroso que ele o chamava de Pai, sua mensagem não era mais o antigo conceito do Deus vingativo, mas do Deus que perdoava e que nos queria vivendo como irmãos, perdoando e oferecendo a outra face.

Com o advento da Idade Média, a Igreja resgatou o conceito mosaico do pecado, e a idéia de que os pecadores precisavam ser castigados como forma de remir suas faltas, além disso, foi fortalecida a idéia da ação do demônio na vida dos homens e de que se não “pagássemos” pelas nossas faltas estaríamos irremediavelmente condenados ao fogo do inferno. Essa concepção foi transmitida através das gerações e chegou até os nossos dias, onde continuamos temendo os castigos de Deus.

O Espiritismo, através de uma visão amadurecida, observa sob uma nova ótica a questão do pecado, lançando a luz do entendimento sobre o assunto e trazendo conforto e esperança aos homens, que doravante apagam a noção de pecadores e passam a assumir o papel de seres em evolução, ainda imperfeitos é verdade, mas rumando inexoravelmente para uma condição superior onde não mais cometerão os erros atuais. Alguns podem julgar esta posição absurda, mas então vamos parar um minuto e perguntar a nós mesmos: Quantos de nós, que somos humanos, ao invés de darmos nova oportunidade a nossos filhos, quando estes fazem algo que julgamos errado, os expulsamos de casa e os condenamos a viver eternamente com sua culpa? Então por que Deus que é o infinito amor agiria de uma forma pior do que a nossa? Afinal não foi Jesus quem disse: “Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas dádivas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus” (Mateus 7:11).

Apaguemos de nossas mentes a idéia da culpa. Na Doutrina Espírita nós não somos culpados; somos responsáveis pelos nossos atos e devemos responder pelas nossas ações, não através do famigerado castigo, mas através de mecanismos que nos levam à conscientização de nossas atitudes equivocadas e da reparação dos mesmos, pois o equívoco faz parte do processo de aprendizado e como seres em evolução precisamos vivenciar as mais diversas experiências para alcançar o progresso espiritual, e nessa jornada de luz é natural que nos enganemos, mas, é imprescindível que nos esforcemos para crescer. O objetivo da lei divina não é punir, mas, educar, fazendo com que cada indivíduo evite repetir seus erros pela compreensão de que sua atitude passada foi inadequada e que é necessário uma mudança de conduta.

As fases deste processo de mudança são: o arrependimento, momento em que reconhecemos a nossa falha de conduta, a expiação, que é quando vamos refletir sobre o que fizemos e finalmente a reparação, que é o ápice deste processo, pois é quando alteramos nossos passos ou corrigimos o ato falho. Observem a lógica desta proposta, nela todos saem enriquecidos; nós, pelo amadurecimento, e o outro (a quem porventura prejudicamos), por ser valorizado ao consertarmos os nossos enganos.

A vida é uma dádiva de Deus, que no-la concedeu, para que alcancemos a felicidade, e não para vivermos com medo, vamos todos então trabalhar para alcançarmos a comunhão com Ele, certos de que: “Todo homem podendo corrigir as suas imperfeições pela sua própria vontade, pode poupar-se os males que delas decorrem e assegurar a sua felicidade futura” (O Céu e o Inferno, Cap VII – Allan Kardec).

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Discernimento e Bom Senso

Por Orson Peter Carrara

Recomendação é para uso permanente, sem medo.

Eis vocábulos que nunca podem faltar na prática espírita. Uma pessoa sem discernimento é alguém que age impensadamente, sem reflexão; discernimento é exatamente uma apreciação prévia de fatos e situações, prudência no agir, refletindo antecipadamente. Bom senso é a faculdade de discernir, de julgar, de raciocinar.

Como espíritas somos sempre convidados a refletir sobre o que lemos, o que fazemos, como fazemos. O critério de discernimento e bom senso deve estar apoiado na lógica, mas especialmente ligado ao bem geral. Isto exige atenção, amadurecimento, conhecimento.

Allan Kardec, O Codificador da Doutrina Espírita, é reconhecido pelos espíritas como o "bom senso encarnado", tamanha sua capacidade de refletida análise - que bem demonstrou em seus escritos - diante dos fenômenos que teve oportunidade de presenciar e estudar. A própria aceitação pessoal da realidade das manifestações esteve sujeita a esta característica de sua personalidade, acostumada à análise ponderada e cuidadosa de fatos, situações e novidades que a vida lhe apresentava. É interessante ponderar sobre este aspecto da personalidade do então professor Rivail, pois o detalhe foi de máxima importância na organização do corpo doutrinário do Espiritismo, já que ele tudo submetia à análise prévia da razão, da lógica e do bom senso.

Encarando os fenômenos apresentados pelas manifestações dos espíritos, Allan Kardec estudou-os e os submeteu a rigoroso método científico de observação, optando pela publicação daquilo que ficou conhecido como a "universalidade dos ensinos", quer dizer: os ensinos foram os mesmos, ainda que recebidos por médiuns desconhecidos entre si, de diversos pontos do planeta, e primavam pela concordância entre si. Fato notável esse, pois essa concordância é que dá garantia dos ensinos.

Dessas reflexões, destacamos trecho importante colhido na Revista Espírita (1): "(...) Sabemos que os Espíritos estão longe de possuir a soberana ciência e que se podem enganar; que, por vezes, emitem idéias próprias, justas ou falsas; que os Espíritos superiores querem que o nosso julgamento se exercite em discernir o verdadeiro do falso, aquilo que é racional daquilo que é ilógico. É por isso que nada aceitamos de olhos fechados. Assim, não haveria ensino proveitoso sem discussão. Mas, como discutir comunicações com médiuns que não suportam a menor controvérsia, que se melindram com uma observação crítica, com uma simples observação, e acham mau que não se aplaudam as coisas que recebem, mesmo aquelas lançadas de grosseiras heresias científicas? Essa pretensão estaria deslocada se o que escrevem fosse produto de sua inteligência; é ridícula desde que eles não são mais que instrumentos passivos, pois se assemelham a um ator que ficaria ofuscado, se nós achássemos maus os versos que tem de declamar. Seu próprio Espírito não se pode chocar com uma crítica que não o atinge; então é o próprio comunicante que se magoa e transmite ao médium a sua impressão. Por isto o Espírito trai a sua influência, porque quer impor as suas idéias pela fé cega e não pelo raciocínio ou, o que dá no mesmo, porque só ele quer raciocinar. Disso resulta que o médium que se acha com tais disposições está sob o império de um Espírito que merece pouca confiança, desde que mostra mais orgulho que saber. Assim, sabemos que os Espíritos dessa categoria geralmente afastam seus médiuns dos centros onde não são aceitos sem reservas.

Esse capricho, em médiuns assim atingidos, é um grande obstáculo ao estudo. Se só buscássemos o efeito, isto seria sem importância; mas como buscamos a instrução, não podemos deixar de discutir, mesmo com o risco de desagradar aos médiuns. (...) Aos seus olhos, os obsedados são aqueles que não se inclinam diante de suas comunicações. Alguns levam a sua susceptibilidade a ponto de se formalizarem com a prioridade dada à leitura das comunicações recebidas por outros médiuns. Por que uma comunicação é preferida à sua? Compreende-se o mal-estar imposto por tal situação. Felizmente, no interesse da ciência espírita, nem todos são assim (...)" (2).

Observem os leitores que a simples citação, no início do texto, indicando que os espíritos não sabem tudo, que podem se enganar e emitir idéias próprias, já por si só convida ao bom senso de analisar criteriosamente tudo que venha dos espíritos. Este simples cuidado é capaz de afastar toda investida de misticismo que possa haver por iniciativa dos espíritos ou mesmo no comportamento que venha dos encarnados, de vez que sabendo, por antecedência, que os espíritos estão ainda em patamares de evolução e limitados em seu saber e moralidade, teremos o cuidado de avaliar e refletir, usando o discernimento e o bom senso nestas avaliações.

Por outro lado, sem envolver-se diretamente com os fenômenos advindos da mediunidade, a própria vida do espírita, em particular, suas ações e engajamento no movimento espírita, também solicitam a aplicação desses dois princípios. Seja na conduta, seja na vida social ou familiar, pois são princípios norteadores de uma vida equilibrada. Usando-os, sempre teremos onde nos apoiar.

A continuidade do texto apresentado por Kardec, acima parcialmente transcrito, permite alargar o horizonte de observação para outro aspecto marcante deste tesouro espiritual chamado Espiritismo. É que, estudando-o metodicamente - com o mesmo sentido observador e crítico, característico do discernimento e do bom senso - alcançaremos um degrau importante no entendimento de sua proposta: seremos adeptos esclarecidos, conscientes, coerentes.

Adeptos esclarecidos, conscientes, coerentes formarão a própria consciência espírita; esta consciência espírita permitirá saber que rumo tomar, que diretrizes usar, identificar descompassos na prática espírita - inclusive de dirigentes, que também são seres em aperfeiçoamento e experiências necessárias -, para agir com segurança.

Ora, é esta mesma consciência espírita que faz o espírita compreender o dever de agir em favor de seus irmãos, enquanto age concomitantemente pelo próprio progresso; é ela mesma que toma posições, que não se deixa abater pelos obstáculos, que não se afasta da Doutrina em virtude de comportamentos equivocados de companheiros espíritas, enfim já desperta para o grave compromisso de estarmos reencarnados.

Efeitos naturais de uma consciência espírita formada pelo estudo e embasada pelas virtudes do discernimento e do bom senso, caminhos seguros para o espírita consciente.

E já que o Espiritismo não está restrito à prática mediúnica, o campo é vasto e pede ponderada análise do que estamos fazendo.

Citações:

(1) Publicação fundada por Allan Kardec em 1858.
(2) Trecho parcial de discurso de Allan Kardec na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, na abertura do ano social, a 1º de abril de 1862 (extraído da Revista Espírita de junho de 1862, ano V, vol. 6, edição EDICEL).
Artigo publicado originariamente na RIE - Revista Internacional de Espiritismo - de janeiro de 2004.