quarta-feira, 16 de outubro de 2013

[Livro] - Biógrafo de Chico Xavier escreve sobre vida de Kardec

O jornalista Marcel Souto Maior, autor de "As Vidas de Chico Xavier", escreve agora sobre a vida de Allan Kardec, francês que codificou o espiritismo no século 19.

Em "Kardec", título com lançamento previsto para 21 de outubro, Souto Maior procura compreender como um cético notório se transformou em uma referência quando se trata de comunicação espiritual e vida após a morte.

Nascido em 1804, Hippolite-Leon Denizard Rivail, nome de batismo de Kardec, buscava uma explicação racional para uma série de fenômenos ocorridos em uma pequena propriedade no Estado de Nova York, nos EUA, em 1848.

As manifestações --sons cadenciados ouvidos pela família Fox, donos da propriedade-- foram testemunhados por outras pessoas. A investigação resultou na criação da doutrina espírita e rendeu os cinco livros fundamentais para o espiritismo.

Além de "As Vidas de Chico Xavier", livro adaptado para o cinema com o título "Chico Xavier", o autor também assina "Por Trás do Véu de Ísis" e "As Lições de Chico Xavier".

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"Kardec"
Autor: Marcel Souto Maior
Editora: Record
Páginas: 322

Texto baseado em informações fornecidas pela editora/distribuidora da obra.

Fonte: Folha de São Paulo - http://www1.folha.uol.com.br/livrariadafolha/2013/09/1346232-biografo-de-chico-xavier-escreve-sobre-vida-de-kardec.shtml

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Cristianismo x Espiritismo

Por Eugenio Lara

As relações entre Cristianismo e Espiritismo sempre despertaram controvérsias históricas, desde que este surgiu na França, em 1857. Até hoje, espíritas cristãos, religiosos não se entendem com espíritas laicos e livres-pensadores. Ora, será que o fundador do Espiritismo, Allan Kardec, imaginava os conflitos, cisões e o descompasso que haveria entre os espíritas devido a essas controvérsias? Quais motivos o levaram a interpretar o Cristianismo sob a ótica espírita?

Na “Revista Espírita”, amiúde, Kardec reafirma o caráter científico do Espiritismo, expresso no preâmbulo de “O Que é o Espiritismo” (1860). Até o lançamento de “O Livro dos Médiuns” (1861), é coerente com essa definição, de que o verdadeiro caráter do Espiritismo é o de uma ciência, jamais o de uma religião. 

No entanto, a partir do lançamento de “O Evangelho Segundo o Espiritismo” (1864), sem deixar de sustentar o Espiritismo como ciência de observação, ele dedica-se à leitura hermenêutica e exegética dos evangelhos canônicos e vincula historicamente o Espiritismo à teologia judaico-cristã, colocando-o como a Terceira Revelação, o Consolador Prometido, o Espírito de Verdade que Jesus Cristo prometera enviar após a “Ascensão aos céus”. Kardec chega a admitir, sutilmente, que O Espírito de Verdade seria o próprio Cristo, contrariando o que afirmara em “Instruções Práticas Sobre as Manifestações Espíritas” (1858), quando revelou que esse espírito teria sido um grande filósofo da Antiguidade.

Não há como negar, portanto, a vinculação do Espiritismo ao Cristianismo, a começar pela terminologia adotada. A tal “questão religiosa” nasce com a Igreja e Roustaing, mas é reafirmada pelo próprio Kardec por sua adesão ao Cristianismo, mesmo tendo negado que o Espiritismo fosse religião em várias oportunidades, principalmente no famoso Discurso de Abertura (1868).

Muitas são as interpretações da postura de Kardec. Há quem imagine que ele fundou uma espécie de Neocristianismo, um Cristianismo em novo formato. Outros entendem que ele fez concessão à Igreja ao escrever aquela série de obras após “O Livro dos Médiuns”. Para muitos, o Espiritismo é a revivescência do Cristianismo, o Cristianismo redivivo.

CONTEXTO HISTÓRICO

Ora, não houve concessão alguma ao Cristianismo, à Igreja, senão o comportamento de Kardec em relação à pressão dos cristãos teria sido outro. Ele não era um sujeito frouxo, inseguro. Basta ver a polêmica que trava com o Abade Chesnel. Por outro lado, é equivocada a tese de que Kardec queria fazer do Espiritismo uma forma arrojada e sofisticada de Cristianismo, de que ele, sem querer querendo, fundou uma nova religião cristã. Essa leitura seria correta, por exemplo, em relação ao Espiritismo Cristão, de Jean-Baptiste Roustaing e à Igreja Mórmon, de Joseph Smith, mas nunca em relação à Doutrina Kardecista. E além do mais, o Espiritismo não adota a Bíblia como a palavra de Deus, sustentáculo da doutrina cristã. Esse fato, por si só, exclui a Doutrina Kardecista do rol das religiões cristãs. O Espiritismo não é um Cristianismo.

Essa questão necessita ser analisada em seu contexto histórico. A atitude de Kardec representa uma resposta à demanda social e cultural de seu tempo. A partir de 1860, ele é estimulado a sair de seu gabinete, em Paris, e viajar por toda a França, Suíça, Bélgica a fim de atender aos apelos dos novos grupos espíritas que surgiam nesses países. Eram grupos formados, em boa parte, por pessoas humildes. Em sua cidade natal, Lyon, por exemplo, um polo industrial equivalente ao nosso atual ABC, Kardec deu de cara com muitos operários, gente simples, desdentada, de mãos calejadas, semianalfabeta. Isso deve ter sido algo inusitado, surpreendente para ele, acostumado a um público com outro perfil, mais elitista, bem mais sofisticado. 

A Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas (SPEE) era composta por integrantes da elite francesa, da nata da sociedade: intelectuais, magistrados, empresários, médicos, acadêmicos etc. Enquanto que muitos desses novos grupos periféricos possuíam um perfil mais modesto, com outras particularidades e uma influência muito tenaz do Cristianismo, porque formados por pessoas recém-saídas do catolicismo ou que ainda frequentavam a Igreja. A propósito, Kardec achava que o sujeito poderia ser espírita sem deixar de ser católico, sem deixar de ter alguma religião. Essa orientação não é gratuita.

Os livros que escreveu, a partir de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, visam atender à necessidade de se vislumbrar, no próprio Cristianismo, elementos interpretativos fornecidos pelo Espiritismo, a partir não somente da experimentação, do empirismo no campo mediúnico, mas também em sua filosofia, na sua teoria de valores. Ele entendia, inclusive, que o Espiritismo teria a missão de oferecer à Igreja a base empírica para seus dogmas e princípios, de que ele funcionaria como elo, de religação entre a ciência e a religião. 

RELIGIOSO OU RELIGIONÁRIO? 

Oportuno lembrar que no século 19, devido ao avanço econômico, da ciência e dos costumes, as religiões perdem terreno, adeptos e o poder que sempre tiveram, porque são inimigas do progresso, da modernidade e não acompanham as mudanças de seu tempo.

O Espiritismo nasce justamente em pleno surgimento da modernidade, em meio à crise das religiões, particularmente a católica, e procura dar conta de questões onde a religião fracassou, especialmente a cristã, daí o esforço de Kardec em escrever obras que atendessem a essa demanda. Não foi nenhum tipo de concessão e nem houve intenção de se fundar uma nova religião cristã ou de instituir “A Religião”, em Espírito e Verdade. 

Outro aspecto é o fato de que o Espiritismo, apesar de definido por Kardec como filosofia espiritualista, não dialoga com boa parte da tradição filosófica ocidental. Ou seja, a conexão direta do Espiritismo não é com Espinosa, Kant, Hegel etc., mas sim com o humanismo iluminista, o espiritualismo em geral, com a tradição espiritualista francesa, com o “Spiritualism” norte-americano e inglês, com o espiritualismo filosófico (Pierre Leroux, Jean Reynaud, Ephraim Lessing etc.), com os utópicos (Fourier, Cabet, Saint-Simon). Deve-se acrescentar ainda a cultura gaulesa e bretã, céltica, pois estamos na pátria dos celtas gauleses. 

A busca do diálogo com o judaico-cristianismo surge da necessidade cultural, religiosa na França do século 19. O Cristianismo não tinha nesse país a mesma força que na Espanha (daí o Auto de Fé de Barcelona), mas era a religião hegemônica. Se Kardec não fosse homem de prestígio, se não privasse da amizade de Napoleão III e de muitos outros maçons e membros da elite francesa, se não tivesse amigos influentes, a Igreja esmagaria o Espiritismo, que teria abortado logo de início. Ela somente conseguiria seu antigo intento com o infame “Processo dos Espíritas” (1875).

Kardec sabia que haveria divergências, cisões, por isso redigiu o Projeto 1868 e delineou rumos seguros à organização do Espiritismo como movimento social. O Período Religioso, imaginado por ele na sua prospecção cartesiana da propagação espírita, não tem o sentido de laço, de elo, de comunhão entre os espíritas. O religioso aí é no sentido religioso mesmo, sem trocadilho. É religioso com significado de culto. Senão, segundo a acepção que aplicava ao termo religião, ele deveria denominar esse período de Religionário, usando o termo religião no sentido de laço (religion). Vislumbrou que após esse Período Religioso, impregnado pelo Cristianismo, haveria outro, de transição, até o Espiritismo assumir integralmente sua vocação natural de “influência sobre a ordem social”, no Período de Regeneração Social. O escritor espírita Jaci Regis (1932-2010), muito perspicaz, chamou nos anos 1980 esse período intermediário de Espiritização. Fosse hoje, ele o chamaria de Período Pós-Cristão.

A conexão entre Cristianismo e Espiritismo é um tema complexo, exige conhecimento histórico, de filosofia, teologia, antropologia e muitas áreas outras. Não basta somente conhecer a Kardequiana, é preciso situa-la em seu contexto histórico. Muitas polêmicas e divergências poderiam ser amainadas se os espíritas fizessem esse tipo de leitura, ao invés de ficarem garimpando na Kardequiana, aqui e ali, palavras de Allan Kardec sobre essa questão.

Eugenio Lara, arquiteto e designer gráfico, editor do site PENSE - Pensamento Social Espírita [www.viasantos.com/pense], membro-fundador do Centro de Pesquisa e Documentação Espírita (CPDoc), é autor de Breve Ensaio Sobre o Humanismo Espírita e em edição digital: “Racismo e Espiritismo”; “Milenarismo e Espiritismo”; “Amélie Boudet, uma Mulher de Verdade - Ensaio Biográfico”; “Conceito Espírita de Evolução” e “Os Quatro Espíritos de Kardec”. E-mail: eugenlara@hotmail.com

Fonte: PENSE - http://www.viasantos.com/pense/arquivo/1459.html

domingo, 13 de outubro de 2013

Espíritos em condições medianas - Joseph Brê

Por Allan Kardec

Falecido em 1840 e evocado em Bordeaux, por sua neta, em 1862

O homem honesto segundo Deus ou segundo os homens

1. Caro avô, podeis dizer-me como vos encontrais entre os Espíritos, e me dar alguns detalhes instrutivos para o nosso adiantamento?

- R. Tudo que quiseres, querida criança. Eu expio a minha falta de fé; mas a bondade de Deus é grande: ele leva em conta as circunstâncias. Sofro, não como poderias imaginar, mas pelo pesar de não ter empregado melhor meu tempo aí na Terra.

2. Como não o empregástes bem, uma vez que vivestes sempre honestamente?

- R. Sim, do ponto de vista dos homens; mas há um abismo entre o homem honesto segundo os homens, e o homem honesto segundo Deus. Tu queres instruir-te, querida criança; procurarei demonstrar-te a diferença. Entre vós, é tido por homem honesto aquele que respeita as leis de seu país, respeito flexível para muitos. Honesto é aquele que não prejudica o próximo, tomando-lhe o bem ostensivamente, embora as mais das vezes arranque sem ecrúpulos sua honra, sua felicidade, desde que o código penal, ou a opinião pública não possa atingir o culpado hipócrita. Quando se grava sobre sua pedra tumular as ladaínhas de virtude que se preconiza, julga-se ter pago sua dívida à Humanidade! Que erro! Para ser honesto perante Deus, não basta não ter infringido as leis dos homens, é preciso antes de tudo não ter transgredido as leis divinas. Homem honesto aos olhos de Deus é aquele que, pleno de devotamento e de amor, consagra sua vida ao bem, ao progresso dos seus semelhantes; aquele que, animado de um zelo sem limites, é ativo na vida: ativo para cumprir a tarefa material que lhe é imposta, pois ele deve ensinar a seus irmãos o amor ao trabalho; ativo nas boas obras, pois não deve esquecer que é apenas um servidor ao qual o senhor pedirá contas, um dia, do emprego de seu tempo; ativo em seu objetivo, pois deverá ensinar pelo exemplo o amor do Senhor e do próximo.

O homem honesto aos olhos de Deus deve evitar com cuidado essas palavras mordazes, veneno oculto sob flores, que destrói as reputações e quase sempre mata o homem moral, cobrindo-o de ridículo. O homem honesto segundo Deus, deve ter sempre cerrado o coração ao menor germem de orgulho, de inveja, de ambição. Ele deve ser paciente e brando com aquele que o agride; deve perdoar do fundo de seu coração, sem esforços e sobretudo sem ostentação, a quem quer que o ofenda; deve amar seu Criador em todas as suas criaturas; deve, enfim, colocar em prática esse resumo tão conciso e tão grande dos deveres do homem: amar Deus sobre todas as coisas e seu próximo como a si mesmo.

Eis aí, minha cara criança, mais ou menos o que deve ser o homem honesto perante Deus. Pois bem! Teria eu sido tudo isso? Não. Confesso, sem corar, que faltei a muitos desses deveres; não tive a atividade que o homem deve ter; o esquecimento do Senhor impeliu-me a outros esquecimentos que, por não serem passíveis à lei humana, nem por isso deixam de ser atentatórias à lei de Deus. Sofri muito quando percebi; eis porque espero hoje, mas com a consoladora esperança na bandade de Deus que vê meu arrependimento. Fala, querida criança, repete-o aos que têm a consciência sobrecarregada; que eles cubram suas faltas à força de boas obras, e a misericórdia divina se deterá à superfície; seus olhos paternais contarão as expiações, e sua mão potente apagará as faltas.

Fonte: KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno - Segunda Parte - Exemplos - Capítulo III.

Da equipe IPEAK

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Fenômeno de transfiguração

Por Allan Kardec

O fato que se segue foi extraído de uma carta que em setembro de 1857 recebemos de um dos nossos correspondentes em Saint-Etienne. Depois de falar de várias comunicações de que foi testemunha, ele acrescenta:

“Fato dos mais admiráveis se passa numa das famílias de nossas relações. Das mesas girantes passaram à poltrona que fala; depois um lápis foi fixado ao pé da poltrona e ela indicou a psicografia; praticaram-na durante muito tempo, mais como distração do que como coisa séria. Por fim a escrita designou uma das moças da casa e ordenou que lhe passassem as mãos sobre a cabeça, depois de fazê-la deitar-se. Ela adormeceu quase imediatamente e depois de um certo número de experiências, transfigurou-se. A moça tomava os traços, a voz e os gestos de parentes mortos; dos avós que jamais havia visto e de um irmão falecido há alguns meses. As transfigurações ocorriam sucessivamente na mesma sessão. Ela falava um dialeto que não é o de nossa época, segundo me disseram, pois não conheço o atual nem o outro. O que posso afirmar é que numa sessão onde havia tomado a aparência de seu irmão, vigoroso, folgazão, me deu essa jovem de treze anos um rude aperto de mão.

Há aproximadamente 18 meses a dois anos o fenômeno se repete constantemente e da mesma maneira, com a única diferença que agora se produz natural e espontaneamente, sem imposição de mãos”.

Embora bastante raro, este fenômeno não é excepcional. Já nos falaram de diversos casos semelhantes e nós mesmo testemunhamos algo parecido em sonâmbulos no estado de êxtase, bem como nalguns estáticos que não se encontravam em estado sonambúlico. Por outro lado, é certo que as emoções violentas operam uma mudança na fisionomia, dando-lhe uma expressão completamente diferente daquela do estado normal. Não vemos, também, criaturas cujos traços móveis se prestam, de acordo com a vontade, a modificações que lhes dão a aparência de outras pessoas? Vemos por aí que a rigidez da face não é tal que não possa prestar-se a modificações passageiras mais ou menos profundas. Nada há, pois, de admirar que um fato semelhante possa ocorrer neste caso, quiçá por uma causa independente da vontade.

Eis as respostas que a respeito disto obtivemos de São Luís na sessão da Sociedade no dia 25 de fevereiro último.

1. ─ O caso de transfiguração de que acabamos de falar é verdadeiro?

─ Sim.

2. ─ Nesse fenômeno existe um efeito material?

─ O fenômeno de transfiguração pode dar-se de modo material, a tal ponto que as suas diversas fases poderiam ser reproduzidas em daguerreotipia.

3. ─ Como se produz esse efeito?

─ A transfiguração, como o entendeis, não passa de uma modificação da aparência, uma mudança ou uma alteração dos contornos, que pode ser produzida pela ação do próprio Espírito sobre o seu envoltório ou por uma influência exterior. O corpo nunca muda, mas, por força de uma contração nervosa, reveste aparências diversas.

4. ─ Podem os espectadores ser enganados por uma falsa aparência?

─ Pode também acontecer que o perispírito represente o papel que bem conheceis. No caso citado houve contração nervosa, muito ampliada pela imaginação. Aliás, esse fenômeno é muito raro.

5. ─ O papel do perispírito seria análogo ao que ocorre nos fenômenos de bicorporeidade?

─ Sim.

6. ─ Então nos casos de transfiguração é necessário que haja um desaparecimento do corpo real, de modo que os espectadores não vejam senão o perispírito sob forma diferente?

─ Não propriamente desaparecimento físico, mas oclusão. Entendei-vos sobre os vocábulos.

7. ─ Do que acabais de dizer parece podermos concluir que no fenômeno de transfiguração pode haver dois efeitos: I ─ alteração dos traços do corpo real, por força de uma contração nervosa; II ─ aparência variável do perispírito, tornado visível. É isso mesmo?

─ Certamente.

8. ─ Qual a causa primeira desse fenômeno?

─ A vontade do Espírito.

9. ─ Todos os Espíritos podem produzi-lo?

─ Não. Os Espíritos nem sempre podem fazer o que querem.

10. ─ Como explicar a força anormal dessa moça, transfigurada na pessoa de seu irmão?

─ Não possui o Espírito uma grande força? Aliás, é a do corpo em seu estado normal. 

OBSERVAÇÃO: Este fato nada tem de surpreendente. Muitas vezes vemos pessoas muito fracas, dotadas momentaneamente de uma força prodigiosa, devida a uma superexcitação. 

11. ─ Desde que, no fenômeno de transfiguração, o olho do observador pode ter uma imagem diferente da realidade, dar-se-á o mesmo em certas manifestações físicas? Por exemplo: quando uma mesa se ergue sem contato das mãos e a vemos acima do solo, é realmente a mesa que se desloca?

─ Ainda perguntais?

12. ─ O que a levanta?

─ A força do Espírito. 

OBSERVAÇÃO: Este fenômeno já foi explicado por São Luís e dele tratamos de modo completo nos números de maio e junho de 1858, a propósito da teoria das manifestações físicas. Disseram-nos que neste caso a mesa ou qualquer outro objeto que se move está animado de uma vida factícia momentânea que lhe permite obedecer à vontade do Espírito.

Algumas pessoas quiseram ver no fato uma simples ilusão de óptica que, por uma espécie de miragem, as faria ver uma mesa no espaço, quando realmente ela estava no solo. Se assim fosse, a coisa não seria menos digna de atenção. É curioso como aqueles que querem contestar ou criticar os fenômenos espíritas expliquem-nos por causas que também seriam verdadeiros prodígios e igualmente difíceis de compreender. Mas por que tratar o assunto com tanto desdém? Se a causa que apontam é real, por que não aprofundá-la? O físico procura conhecer a causa do menor movimento da agulha magnética; o químico, da mais ligeira mudança na atração molecular[1]. Por que, então, ver com indiferença fenômenos tão estranhos como esses de que falamos, quer sejam eles consequência de simples desvio do raio visual, quer uma nova aplicação das leis conhecidas? Isto não é lógico.

Certamente não seria impossível que por um efeito de óptica análogo ao que nos faz ver um objeto na água mais alto do que realmente está, por causa da refração dos raios luminosos, uma mesa nos parecesse no espaço quando estivesse no solo. Há, porém, um fato que resolve definitivamente o problema. É quando a mesa cai ruidosamente no chão e se quebra. Isto não parece uma ilusão de óptica.

Voltemos à transfiguração.

Se uma contração muscular pode modificar os traços fisionômicos, não o será senão dentro de certos limites; mas certamente se uma mocinha toma a aparência de um velho, nenhum efeito fisiológico lhe faria criar barba. Então devemos procurar uma causa alhures. Recordando quanto dissemos anteriormente a respeito do papel do perispírito em todos os fenômenos de aparição, mesmo de pessoas vivas, compreender-se-á que aí está a chave do fenômeno de transfiguração. Com efeito, desde que o perispírito pode isolar-se do corpo; que pode tornar-se visível; que, por sua extrema sutileza, pode tomar diversas aparências, conforme a vontade do Espírito, concebe-se sem dificuldade que assim se passe com uma pessoa transfigurada: o corpo continua o mesmo; só o perispírito mudou de aspecto. Mas então, perguntareis, em que se torna o corpo? Por que motivo o observador não vê uma imagem dupla, isto é, de um lado o corpo real e do outro o perispírito transfigurado? Fatos estranhos, dos quais falaremos dentro em pouco, provam que por força da fascinação que, em tais circunstâncias, se opera no observador, o corpo real pode, de alguma sorte, ser oculto pelo perispírito.

O fenômeno que é objeto deste artigo já nos foi comunicado há muito tempo. Se dele ainda não havíamos falado é que não nos propomos transformar a nossa Revista em simples catálogo de fatos destinados a alimentar a curiosidade; uma árida compilação sem apreciação e sem comentários. Nossa tarefa seria então muito fácil, mas nós a levamos mais a sério. Antes de mais nada, dirigimo-nos aos homens de raciocínio; àqueles que como nós querem compreender as coisas, tanto mais que isto é possível. Ora, ensinou-nos a experiência que os fatos, por mais estranhos e multiplicados que sejam, não são elementos de convicção. Quanto mais estranhos forem, menos convincentes serão. Quanto mais extraordinário é um fato, tanto mais anormal se nos afigura e menos dispostos estaremos a acreditar. Queremos ver, e tendo visto, ainda duvidamos; desconfiamos de ilusão e de conivência. Já isto não acontece quando para os fatos encontramos uma causa plausível. Vemos diariamente criaturas que atribuíam os fenômenos espíritas à imaginação e à credulidade cega e que hoje são adeptos fervorosos, precisamente porque agora tais fenômenos não lhes repugnam à razão: explicam-nos, compreendem a sua possibilidade e creem, mesmo sem ter visto.

Tendo que falar de certos fatos, deveríamos esperar que os princípios fundamentais estivessem suficientemente desenvolvidos, a fim de compreendermos as suas causas. Entre esses fatos está a transfiguração. Para nós, o Espiritismo é mais do que uma crença: é uma ciência, e nos sentimos felizes por ver que os nossos leitores nos compreenderam.
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[1] No original lemos attraction musculaire, manifesto erro tipográfico, explicável pela reiteração, no texto, do vocábulo muscular, em relação à alteração da fisionomia. Deveria ser a expressão original attraction moléculaire. Trata-se, por outro lado, de um fenômeno de química geral e não de química orgânica, por isso traduzimos atração molecular. (Nota do tradutor)

Revista Espírita - Março 1859 

Kardec ante a fecundidade mediúnica

Por Sergio Aleixo

Chico Xavier, o maior médium de todos os tempos? Divaldo Franco, seu sucessor? Exageros pueris. Desconhecimento das fontes histórico-doutrinárias do Espiritismo, ou franca discordância em relação às mesmas. Eis aqui uma prova, com a benção da lucidez kardeciana, ao traçar linha divisória entre a eventual excepcionalidade dos fenômenos (sim, providenciais) e a qualidade, porém, dos conteúdos por eles obtidos, coisa bem diversa. Matéria que deveria ser lida e relida pelo público espírita, em parte, assaz deslumbrado, místico e infantil. Nela, Kardec se refere a um jovem médium de que lhe falaram...

Esse jovem é, pois, um médium em toda a acepção da palavra, e dotado, além disso, de múltiplas faculdades, pois, ao mesmo tempo, é médium escrevente, falante, vidente, audiente, mecânico, intuitivo, inspirado, impressionável, sonâmbulo, médico, literato, filósofo, moralista, etc. [...] eis um médium completo, notável [...] Quanto ao valor desses documentos, a julgar pela amostra dos pensamentos ali contidos, certamente deve haver coisas excelentes. Serão todas boas? É uma outra questão. Sob esse aspecto, sua origem não é uma garantia de infalibilidade, considerando-se que os Espíritos, não sendo mais que as almas dos homens, não têm a soberana ciência. [...] Os espíritos fazem parte da humanidade e, até que tenham atingido o ponto culminante da perfeição, para o qual gravitam, estão sujeitos a enganar-se. É por isso que jamais se deve renunciar ao livre-arbítrio e ao raciocínio, mesmo em relação ao que vem do mundo dos espíritos; jamais se deve aceitar seja o que for de olhos fechados e sem o controle severo da lógica. Sem nada prejulgar sobre os documentos em questão, eles poderiam contar coisas boas ou más, verdadeiras ou falsas; por conseguinte, teríamos que fazer uma escolha judiciosa, para a qual os princípios da doutrina podem fornecer úteis indicações.[1]

Mas ai de quem, no movimento espírita brasileiro, fizer o que Kardec fez e aconselhou a fazerem os adeptos; ai de quem ousar aplicar os princípios da doutrina ao que dizem os gurus jesuíticos que assaltaram o kardecismo há décadas, farta munição para certas metralhadoras mediúnicas, máquinas reprográficas das maiores fascinações, que só ridicularizam o legado kardeciano por tabela, pois não o representam verdadeiramente, a despeito de se colocarem à sombra de seu prestígio e respeitabilidade.

Até quando permitiremos tudo isso, calados, em nome, aliás, de uma caridade que, em geral, desconhecemos nas mais comezinhas coisas? Doutrina de gigantes nas mãos de pigmeus, macacos em loja de louças, como disse o saudoso prof. J. Herculano Pires. Perdoem-me e ajam, insurjam-se, pelo amor de seus filhos ao menos.

[1] Revista Espírita. Nov/1867. Impressões de um Médium Inconsciente a Propósito do Romance do Futuro.

Fonte: Ensaios da Hora Extrema - http://ensaiosdahoraextrema.blogspot.com.br/2013/10/kardec-ante-fecundidade-mediunica.html

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Suicidas - Mãe e filho

Por Allan Kardec

Em março de 1865, o Sr. M. C..., negociante em pequena cidade dos arredores de Paris, tinha em sua casa, gravemente enfermo, o mais velho dos seus filhos, que contava 21 anos de idade. Este moço, prevendo o desenlace, chamou sua mãe e teve forças ainda para abraçá-la. Esta, vertendo copiosas lágrimas, disse-lhe: "Vai, meu filho, precede-me, que não tardarei a seguir-te." Dito isto, retirou-se, escondendo o rosto entre as mãos.

As pessoas presentes a essa cena desoladora consideravam simples explosão de dor as palavras da Sra. C..., dor que o tempo acalmaria. Morto o doente, procuraram-na por toda a casa e foram encontrá-la enforcada num celeiro. O enterro da suicida foi juntamente feito com o do filho.

Evocação do filho, muitos dias depois do fato. 

- P. Tendes conhecimento da morte de vossa mãe, que  suicidou-se, sucumbindo ao desespero que lhe causou a vossa perda? 

- R. Sim, e, sem o pesar que me causou o ato de sua fatal resolução, eu estaria perfeitamente feliz. Pobre e excelente mãe! Não pôde suportar a prova dessa separação momentânea, e tomou, para se unir ao filho que amava, o caminho que dele mais deveria afastá-la. E por quanto tempo! Assim, retardou indefinidamente essa reunião que tão pronta teria sido se a submissão às vontades do Senhor houvesse preenchido sua alma, se fosse resignada, humilde e arrependida, diante da prova que deveria sofrer, e a expiação que a purificaria! Orai, oh! orai por ela!... e sobretudo não a imiteis, vós outras mães que vos comoveis com a narrativa da sua morte. Não acrediteis que ela amasse mais que as outras mães, a esse filho que era o seu orgulho, não; é que lhe faltaram a coragem e a resignação. Mães, que me ouvis, quando a agonia empanar o olhar dos vossos filhos, lembrai-vos de que, como o Cristo, eles sobem ao cimo do Calvário, donde deverão alçar-se à glória eterna.

Benjamin C...

Evocação da mãe. 

- R. Quero ver meu filho. Tendes o poder de dar-mo? Cruéis!... Tomaram-mo para levá-lo à luz, e a mim me deixaram em trevas. Quero-o... quero-o porque me pertence!... Nada vale então o amor materno? Pois quê! tê-lo carregado no ventre por nove meses; tê-lo amamentado; nutrido a carne da sua carne, sangue do seu sangue; guiado os seus primeiros passos; ensinado a balbuciar o sagrado nome de Deus e o doce nome de mãe; ter feito dele um homem cheio de atividade, de inteligência, de probidade, de amor filial, para perdê-lo quando realizava as esperanças concebidas a seu respeito, quando brilhante futuro se lhe desvelava! Não, Deus não é justo; não é o Deus das mães, não lhes compreende as dores e desesperos... E quando me dava a morte para me não separar de meu filho, eis que novamente mo roubam!... Meu filho! meu filho, onde estás?

Evocador. - Pobre mãe, compartilhamos da vossa dor. Buscastes, no entanto, um triste recurso para vos reunirdes ao vosso filho: - O suicídio é um crime aos olhos de Deus, e deveis saber que Deus pune toda infração das suas leis. A ausência do vosso filho é a vossa punição.

Ela. - Não; eu julgava Deus melhor que os homens; não acreditava no seu inferno, porém cria na reunião das almas que se amaram como nós nos amávamos... Enganei-me... Deus não é justo nem bom, por isso que não compreende a grandeza da minha dor como do meu amor!... Oh! quem me dará meu filho? Tê-lo-ei perdido para sempre? Compaixão! compaixão, meu Deus!

Evocador. - Vamos, acalmai o vosso desespero; considerai que, se há um meio de rever vosso filho, não é blasfemando de Deus, como ora o fazeis. Com isso, em vez de atrairdes a sua misericórdia, fazeis jus a maior severidade.

Ela. - Disseram-me que não mais o tornaria a ver, e compreendi que o haviam levado ao paraíso. E eu estarei, acaso, no inferno? no inferno das mães? Ele existe, demais o vejo...

Evocador. - Vosso filho não está perdido para sempre; certo tornareis a vê-lo, mas é preciso merecê-lo pela submissão à vontade de Deus, ao passo que a revolta poderá retardar indefinidamente esse momento. Ouvi-me: Deus é infinitamente bom, mas é também infinitamente justo. Assim, ninguém é punido sem causa, e se sobre a Terra Ele vos infligiu grandes dores, é porque as merecestes. A morte de vosso filho era uma prova para a vossa resignação; infelizmente a ela sucumbistes quando em vida, e eis que após a morte de novo sucumbis; como pretendeis que Deus recompense os filhos rebeldes? A sentença não é, porém, inexorável, e o arrependimento do culpado é sempre acolhido. Se tivésseis aceito a prova com humildade; se houvésseis esperado com paciência o momento da vossa desencarnação, ao entrardes no mundo espiritual, em que vos achais, teríeis imediatamente avistado vosso filho, o qual vos receberia de braços abertos. Depois da ausência, vê-lo-íeis radiante. Mas, o que fizestes e ainda agora fazeis, coloca entre vós e ele uma barreira. Não o julgueis perdido nas profundezas do Espaço, antes mais perto do que supondes - é que véu impenetrável o subtrai à vossa vista.

Ele vos vê e ama sempre, deplorando a triste condição em que caístes pela falta de confiança em Deus e aguardando ansioso o momento feliz de se vos apresentar. De vós, somente, depende abreviar ou retardar esse momento. Orai a Deus e dizei comigo: "Meu Deus, perdoai-me o ter duvidado da vossa justiça e bondade; se me punistes, reconheço tê-lo merecido. Dignai-vos aceitar meu arrependimento e submissão à vossa santa vontade."

Ela. - Que luz de esperança acabais de fazer despontar em minha alma! É um como relâmpago na noite que me cerca. Obrigada, vou orar... Adeus.

A morte, mesmo pelo suicídio, não produziu neste Espírito a ilusão de se julgar ainda vivo. Ele apresenta-se consciente do seu estado: - é que para outros o castigo consiste naquela ilusão, pelos laços que os prendem ao corpo. Esta mulher quis deixar a Terra para seguir o filho na outra vida: era, pois, necessário que soubesse aí estar realmente, na certeza da desencarnação, no conhecimento exato da sua situação. Assim é que cada falta é punida de acordo com as circunstâncias que a determinam, e que não há punições uniformes para as faltas do mesmo gênero.

Fonte: KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno - Segunda Parte - Exemplos, cap V - Suicidas. 

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O Castigo

Por Allan Kardec

Exposição geral do estado dos culpados por ocasião de sua entrada no mundo dos Espíritos, ditada à Sociedade Espírita de Paris, em outubro de 1860.

"Os Espíritos maus, egoístas e endurecidos, são, logo depois da morte, tomados de dúvida cruel a respeito do seu destino presente e futuro; eles olham em torno de si, e não vendo de início nada sobre o que possam exercer a sua maldade, são tomados pelo desespero, pois a inação e o isolamento são intoleráveis para os maus Espíritos; eles não levantam seus olhares na direção dos lugares habitados pelos puros Espíritos; consideram o que os cerca, e logo tocados pelo abatimento dos Espíritos fracos e punidos, agarram-se a eles como a uma presa, utilizando-se da lembrança de suas faltas passadas, que incessantemente põem em ação por seus gestos desprezíveis. Não lhes bastando essa zombaria, mergulham sobre a Terra quais abutres famintos; buscam entre os homens, a alma que lhes dê fácil acesso às suas tentações; dela se apoderam, exaltam sua cobiça, e tratam de extinguir sua fé em Deus; quando, enfim, senhores de uma consciência e vendo sua presa assegurada, estendem sobre tudo o que se aproxime de sua vítima, o fatal contágio.

Ao exercer sua raiva, o mau Espírito é quase feliz; ele sofre apenas nos momentos em que não age, e também naqueles em que o bem triunfa do mal.

Entretanto, os séculos se escoam; de repente, o mau Espírito sente as trevas a invadi-lo; seu círculo de ação se restringe; sua consciência, muda até então, lhe faz sentir as pontas aceradas do arrependimento. Inativo, arrastado pelo turbilhão, ele vagueia, como dizem as Escrituras, sentindo sua pele arrepiar de terror. Não tarda, então, e um grande vazio o invade; o momento é chegado, ele deve expiar: a reencarnação está lá, ameaçadora; ele vê, como numa miragem, as provas terríveis que o aguardam; quereria recuar, mas avança e, precipitado no abismo boquiaberto da vida, ele rola amedrontado, até que o véu da ignorância recaia sobre seus olhos. Ele vive, age, e é ainda culpado; sente em si não sei que lembrança inquieta, pressentimentos que o fazem tremer, mas não o fazem recuar na via do mal. Extenuado de forças e de crimes, ele vai morrer. Estendido sobre um grabato, ou sobre seu leito, que importa! o homem culpado sente, sob sua aparente imobilidade, revolver-se e viver um mundo de sensações esquecidas. Sob suas pupilas fechadas, ele vê despontar um clarão, ouve estranhos sons; sua alma, prestes a deixar o corpo, agita-se impaciente, enquanto suas mãos crispadas tentam agarrar as cobertas; ele quereria falar, gritar aos que o cercam: Retenham-me! eu vejo o castigo! Mas não pode; a morte sela seus pálidos lábios, e os assistentes dizem: Ele agora está em paz!

Entretanto, ele tudo ouve; flutua em torno de seu corpo que não desejaria abandonar; uma força secreta o atrai; ele vê, e reconhece o que já havia visto. Desvairado, ele se lança no espaço onde desejaria esconder-se. Nada de abrigo! nada de repouso! Outros Espíritos lhe retribuem o mal que ele fez e, castigado, escarnecido, confuso por sua vez, ele vagueia, e vagueará até que a divina luz deslize sobre seu endurecimento e o clareie, para lhe mostrar o Deus vingador, o Deus que triunfa de todo o mal, que ele não poderá satisfazer senão à força de gemidos e expiações.

Georges.

Jamais foi traçado quadro tão eloquente, tão terrível e tão verdadeiro da sorte do mau; é necessário recorrer à fantasmagoria das chamas e das torturas físicas?

Allan Kardec

(O Céu e o Inferno - Segunda Parte - Exemplos - Capítulo IV - Espíritos sofredores)       

Fonte: IPEAK

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Os adversários

Por Ricardo Malta

Não é novidade que o Espiritismo possui os seus adversários. Embora desafetos declarados, o materialismo e a religião sempre estiveram unidos contra essa Doutrina. Para tanto, não medem esforços. Todo argumento é válido, mesmo que seja falso. É comum a ressurreição de temas já debatidos, esclarecidos e ultrapassados, porém, às vezes, com uma roupagem nova.

Em verdade, os críticos nos deixam confusos, pois não sabemos onde termina a má-fé e em que momento começa a ignorância quanto ao assunto.

É óbvio que o Espiritismo pode ser criticado, por pessoas de boa-fé, mas é de “lógica elementar que o crítico conheça, não superficialmente, mas, a fundo, aquilo de que fala, sem o que, sua opinião não tem nenhum valor” (Kardec, Allan. O que é o Espiritismo, 1987).

Não raro, confundem a opinião pessoal de um Espírito, seja qual for, com os nobres princípios doutrinários. É nítido que desconhecem o método do controle universal do ensino dos Espíritos, que encontra suas bases delineadas na introdução de O Evangelho Segundo o Espiritismo.

É conhecido e notório, entre os verdadeiros estudantes da matéria, que a “única garantia séria do Ensino dos Espíritos está na concordância que exista entre as revelações que eles façam espontaneamente, por meio de grande número de médiuns estranhos uns aos outros, e em diversos lugares” (Kardec, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo, 2010).

Por consequência lógica, fácil perceber que “todo princípio que não recebeu a consagração do controle da generalidade, não pode ser considerado parte integrante dessa mesma doutrina, mas uma simples opinião isolada, da qual o Espiritismo não pode assumir a responsabilidade” (Kardec, Allan. A Gênese, 2007).

Nesse ínterim, podemos observar, por exemplo, que, se há teorias errôneas escritas na obra A Gênese, contraditas pela ciência atual, os críticos esqueceram-se de ler a introdução do volume, onde Allan Kardec afirma que algumas informações ali contidas eram a título hipotético e que deveriam ser consideradas meras opiniões pessoais, a fim de não pesar a sua responsabilidade sobre a Doutrina.

Os mais simples pesquisadores e estudantes sabem que os Espíritos são apenas as almas dos homens desenfaixados do envoltório carnal. Eles não sabem tudo a respeito de qualquer assunto. É possível obter os mais significativos ensinamentos filosóficos e científicos, bem como dissertações triviais e tolas. Tudo depende do grau evolutivo do Espírito comunicante.

Eis, portanto, a importância de passar todas as comunicações mediúnicas pelo crivo da razão e do método do controle da universalidade do ensino dos Espíritos.

É assim, por exemplo, que não há o desmentido do princípio da reencarnação, pelo contrário, inúmeras pesquisas científicas ratificam essa lei natural. O mesmo ocorre com a fenomenologia mediúnica, pesquisada, inclusive, por respeitados cientistas e institutos internacionais. Será que os críticos estão atualizados nesse sentido? Por via das dúvidas, sugiro a leitura do seguinte artigo: Evidências científicas atuais sobre a existência da vida após a morte. [1]

Comumente afirmam que Kardec pode ter sido vítima de embustes ou mesmo errado em suas observações. De fato, se as pesquisas ficassem adstritas à apenas uma única pessoa, no caso, Kardec, nada nos levaria a admitir a veracidade da fenomenologia mediúnica, por exemplo. Todavia, os contraditores deveriam saber que, após o Codificador do Espiritismo, inúmeros estudos vierem à baila. Afinal, será que ignoram as laboriosas e judiciosas experiências levadas a efeito por homens como Gustave Geley, William Crookes, R. Wallace, Gabriel Delanne, Ernesto Bozzano, Alexandre Aksakof, Frederic Zöllner, De Rochas, Hermínio C. Miranda, etc. Enfim, compulsaram os anais científicos do Espiritismo,  in totum? Difícil acreditar que exista um crítico que chegou nesse nível de profundidade.

Pedem provas, estas não faltam. Não querem estudar, desejam que o espírita resuma mais de um século e meio de pesquisas num diálogo informal. Para tal desiderato, seria necessário um curso preliminar da matéria, no mínimo. Não é exagero de nossa parte. Como falar de comunicação mediúnica com alguém que desconhece a existência, características e funções do perispírito?

Por outro lado, a convicção não surge apenas com a exibição de um punhado de fenômenos. É imperioso o estudo contínuo, assíduo e sério. Após laboriosas pesquisas, teóricas e práticas, que devem durar alguns anos, o pesquisador terá condições de confrontar dados, experiências, opiniões, e, por fim, tirar suas próprias conclusões. É lamentável que esse caminho não seja percorrido pelos pseudo-críticos. 

O que é possível constatar, na realidade, é que a esmagadora maioria dos adversários do Espiritismo o desconhece. Também não há o sincero desejo de compreendê-lo em sua essência. Nenhuma prova, por mais robusta que seja, irá fazer um incrédulo obstinado aceitar a veracidade dos fenômenos. Aliás, “muitas vezes, a insistência em querer convencê-lo o leva a crer em sua importância pessoal, o que constitui razão para que ele se obstine ainda mais” (Kardec, Allan. O Livro dos Médiuns, 2009).

E o que dizer dos fanáticos religiosos? Impossível dialogar com um fundamentalista. Os maiores absurdos são aceitos cegamente, isto é, sem exame racional. Para eles, basta estar escrito no “livro sagrado” de sua religião. Têm medo de estudar o Espiritismo. São repetitivos em seus argumentos ultrapassados. Comumente recitam trechos bíblicos fora de contexto, adulterados ou mal interpretados. Ignoram os estudos espíritas e são mal orientados por lideres religiosos. São cegos guiando outros cegos (Mateus 15:14).

Por fim, conclui-se, por lógica elementar, que “o espiritualismo simplório e o materialismo atrevido são os dois polos da estupidez humana” (Pires, J. Herculano. Agonia das Religiões, 2009).
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Fonte: http://estudofilosoficoespirita.blogspot.com.br/

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

[RE] - Os agêneres

Por Allan Kardec

Revista Espírita, fevereiro de 1859

Repetimos muitas vezes a teoria das aparições, e a lembramos em nosso último número a propósito de fenômenos estranhos que relatamos. A eles remetemos nossos leitores, para a inteligência do que se vai seguir.

Todo mundo sabe que, no número das manifestações extraordinárias produzidas pelo senhor Home, estava a aparição de mãos, perfeitamente tangíveis, que cada um podia ver e apalpar, que pressionava e estreitava, depois que, de repente, não ofereciam senão o vazio quando as queriam agarrar de surpresa. Aí está um fato positivo, que se produziu em muitas circunstâncias, e que atestam numerosas testemunhas oculares. Por estranho e anormal que pareça, o maravilhoso cessa desde o instante em que se pode dele dar conta por uma explicação lógica; entra, então, na categoria dos fenômenos naturais, embora de ordem bem diferente daqueles que se produzem sob nossos olhos, e com os quais é preciso guardar-se para não confundi-los. Podem-se encontrar, nos fenômenos usuais, pontos de comparação, como aquele cego que se dava conta do clarão da luz e das cores pelo toque da trombeta, mas não de similitudes; é precisamente a mania de querer tudo assimilar àquilo que conhecemos, que causa decepções a certas pessoas; pensam poder operar sobre esses elementos novos como sobre o hidrogênio e o oxigênio. Ora, aí está o erro; esses fenômenos estão submetidos a condições que saem do círculo habitual de nossas observações; é preciso, antes de tudo, conhecê-las e com elas conformar-se, se se quiser obter resultados. É preciso, sobretudo, não perder de vista esse princípio essencial, verdadeira pedra principal da ciência espírita; é que o agente dos fenômenos vulgares é uma força física, material, que pode ser submetida às leis do cálculo, ao passo que nos fenômenos espíritas, esse agente é constantemente uma inteligência que tem sua vontade própria, e que não podemos submeter aos nossos caprichos.

Nessas mãos haviam a carne, pele, ossos, unhas reais? Evidentemente, não, não eram senão uma aparência, mas tal que produzia o efeito de realidade. Se um Espírito tem o poder de tornar uma parte qualquer de seu corpo etéreo visível e palpável, não há razão que não possa ser do mesmo modo com os outros órgãos. Suponhamos, pois, que um Espírito estenda essa aparência a todas as partes do corpo, creríamos ver um ser semelhante a nós, agindo como nós, ao passo que isso não seria senão um vapor momentaneamente solidificado. Tal é o caso do fantasma de Bayonne. A duração dessa aparência está submetida a condições que nos são desconhecidas; ela depende, sem dúvida, da vontade do Espírito, que pode produzi-la ou fazê-la cessar à sua vontade, mas em certos limites que não está sempre livre para transpor. Os Espíritos, interrogados quanto a esse assunto, assim também sobre todas as intermitências de quaisquer manifestações, sempre disseram que agem em virtude de uma permissão superior.

Se a duração da aparência corporal é limitada para certos Espíritos, podemos dizer que, em princípio, ela é variável, e pode persistir por um maior ou menor tempo; que pode produzir-se em todos os tempos e a toda hora. Um Espírito, cujo corpo todo fosse assim visível e palpável, teria para nós todas as aparências de um ser humano, e poderia falar conosco, sentar-se em nosso lar como uma pessoa qualquer, porque, para nós, seria um dos nossos semelhantes.

Partimos de um fato patente, a aparição de mãos tangíveis, para chegarmos a uma suposição que lhe é a conseqüência lógica; e, todavia, não a teríamos insinuado se a história da criança de Bayonne não tivesse sido colocada em nosso caminho, mostrando sua possibilidade. Um Espírito superior, perguntado sobre esse ponto, respondeu que, com efeito, podem-se encontrar seres dessa natureza sem disso duvidar; acrescentou que é raro, mas que isso se vê. Como para se entender é preciso um nome para cada coisa, a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas chama-os agêneres para indicar que sua origem não é o produto de uma geração. O fato seguinte, que se passou recentemente em Paris, parece pertencer a essa categoria:

Uma pobre mulher estava na igreja de Saint-Roch, e pedia a Deus vir em ajuda de sua aflição. Em sua saída da igreja, na rua Saint-Honoré, ela encontrou um senhor que a abordou dizendo-lhe: "Minha brava mulher, estaríeis contente por encontrar trabalho? - Ah! meu bom senhor, disse ela, pedia a Deus que me fosse achá-lo, porque sou bem infeliz. - Pois bem! Ide em tal rua, em tal número; chamareis a senhora T...; ela vo-lo dará." Ali continuou seu caminho. A pobre mulher se encontrou, sem tardar, no endereço indicado - Tenho, com efeito trabalho a fazer, disse a dama em questão, mas como ainda não chamei ninguém, como ocorre que vindes me procurar? A pobre mulher, percebendo um retrato pendurado na parede, disse: - Senhora, foi esse senhor ali, que me enviou. - Esse senhor! Repetiu a dama espantada, mas isso não é possível; é o retrato de meu filho, que morreu há três anos. - Não sei como isso ocorre, mas vos asseguro que foi esse senhor, que acabo de encontrar saindo da igreja onde fui pedir a Deus para me assistir; ele me abordou, e foi muito bem ele quem me enviou aqui.

No que acabamos de ver, não haveria nada de surpreendente em que esse Espírito, do filho dessa dama, para prestar serviço a essa pobre mulher, da qual havia, sem dúvida, ouvido a prece, apareceu-lhe sob sua forma corporal para lhe indicar o endereço de sua mãe. Em que se tornou depois? Sem dúvida, no que era antes: num Espírito, a menos que não tenha julgado oportuno se mostrar as outras sob a mesma aparência, continuando seu passeio. Essa mulher, assim, teria encontrado um agênere, com o qual conversou. Mas, então, dir-se-á, por que não se apresentou à sua mãe? Nessas circunstâncias, os motivos determinantes dos Espíritos nos são completamente desconhecidos; eles agem como melhor lhes parece, ou melhor, como disseram, em virtude de uma permissão sem a qual eles não podem revelar sua existência de maneira material. Compreende-se, de resto, que sua visão poderia causar uma emoção perigosa à sua mãe; e quem sabe se não se apresentou a ela, seja durante o sono, seja de outro modo? E, aliás, esse não era o meio de revelar-lhe sua existência? É mais que provável que foi testemunha invisível da entrevista.

O Fantasma de Bayonne parece-nos dever ser considerado como um agênere, pelo menos nas circunstâncias em que se manifestou; porque para a família sempre teve o caráter de um Espírito, caráter que ele jamais procurou dissimular: era seu estado permanente, e as aparências corporais que tomou não foram senão acidentais; ao passo que o agênere, propriamente dito, não revela sua natureza, e não é, aos nossos olhos, senão um homem comum; sua aparição corporal pode, se for preciso, ter longa duração para poder estabelecer relações sociais com um ou com vários indivíduos.

Pedimos ao Espírito de São Luís consentir em nos esclarecer diferentes pontos, respondendo às nossas perguntas.

1. O Espírito do Fantasma de Bayonne poderia se mostrar corporalmente em outros lugares e a outras pessoas senão em sua família? - R. Sim, sem dúvida.

2. Isso depende de sua vontade? - R. Não precisamente; o poder dos Espíritos é limitado; não fazem senão o que lhes é permitido fazerem.

3. Que ocorreria se fosse apresentado a uma pessoa desconhecida? - R. Seria tomado por uma criança comum. Mas vos direi uma coisa, é que existe, algumas vezes, na Terra, Espíritos que revestem essa aparência, e que são tomados por homens.

4. Esses seres pertencem aos Espíritos inferiores ou superiores? - R. Podem pertencer aos dois; esses são fatos raros. Deles tendes exemplos na Bíblia.

5. Raros ou não, basta que sejam possíveis para merecerem a atenção. Que ocorreria, tomando semelhante ser por um homem comum, se lhe fizesse um ferimento mortal? Seria morto? - R. Desapareceria subitamente, como o jovem de Londres. (Ver o número de dezembro de 1858, Fenômeno de bi-corporeidade.)

6. Têm eles paixões? - R. Sim, como Espíritos, têm as paixões de Espíritos segundo a sua inferioridade. Se tomam um corpo aparente, algumas vezes, é para gozarem as paixões humanas; se são elevados, é para um fim útil.

7. Podem eles procriar? - R. Deus não lhes permitiria; seria contrário às leis que estabeleceu para a Terra; elas não podem ser elididas.

8. Se um semelhante ser a nós se apresentasse, haveria um meio para reconhecê-lo? - R. Não, apenas pela sua desaparição, que se faz de modo inesperado. É o mesmo fato do transporte de móveis de um térreo ao sótão, fato que já lestes.

Nota. Alusão a um fato dessa natureza reportado no começo da sessão.

9. Qual é a finalidade que pode levar certos Espíritos a tomarem esse estado corporal; é antes para o mal que para o bem? - R. Freqüentemente para o mal; os bons Espíritos dispõem da inspiração; agem sobre a alma e pelo coração. Vós o sabeis, as manifestações físicas são produzidas por Espíritos inferiores, e estas são desse número. Entretanto, como já disse, os bons Espíritos também podem tomar essa aparência corpórea com um fim útil; falei de modo geral.

10. Nesse estado, podem tomar-se visíveis ou invisíveis à vontade? - R. Sim, uma vez que poderão desaparecer quando o quiserem.

11. Têm um poder oculto, superior ao dos outros homens? - R. Não têm senão o poder que lhes dá sua posição como Espíritos.

12. Têm eles uma necessidade real de se alimentarem? - R. Não; o corpo não é um corpo real.

13. Entretanto, o jovem de Londres não tinha um corpo real, e todavia almoçou com os amigos, e lhes apertou a mão. Em que se tornou a alimentação ingerida? - R. Antes de apertar a mão, onde estavam os dedos que pressionam? Por que não quereis compreender que a matéria desaparece também? O corpo do jovem de Londres não era uma realidade, uma vez que estava em Boulogne; era, pois, uma aparência; ocorria o mesmo com o alimento que parecia ingerir.

14. Tendo-se um semelhante ser em casa, seria um bem ou um mal? - R. Seria antes um mal; de resto, não se podem adquirir muitos conhecimentos com esses seres. Não podemos dizer-vos muito, esses fatos são excessivamente raros e não têm, jamais, um caráter de permanência. Suas desaparições corpóreas instantâneas, como as de Bayonne, o são muito menos.

15. Um Espírito familiar protetor, algumas vezes, toma essa forma? - R. Não; não tem ele as cordas interiores? Toca-as mais facilmente do que o faria sob forma visível, ou se o tomássemos como um dos nossos semelhantes.

16. Perguntou-se se o conde de Saint-German não pertencia à categoria dos agêneres. - R. Não; era um hábil mistificador.

A história do jovem de Londres, narrada em nosso número de dezembro, é um fato de bicorporeidade, ou melhor, de dupla presença, que difere essencialmente daquele em questão. O agênere não tem corpo vivo na Terra; somente seu perispírito toma forma palpável. O jovem de Londres estava perfeitamente vivo; enquanto seu corpo dormia em Boulogne, seu espírito, envolvido pelo perispírito, foi a Londres, onde tomou uma aparência tangível.

Um fato quase análogo nos é pessoal. Enquanto estávamos pacificamente em nossa cama, um dos nossos amigos viu-nos várias vezes em sua casa, embora sob uma aparência não tangível, sentado ao seu lado e conversando com ele como de hábito. Uma vez nos viu com roupão, outras vezes com paletó. Transcreveu nossa conversa, que nos comunicou no dia seguinte. Ela era, pensando bem, relativa aos nossos trabalhos prediletos. Para fazer uma experiência, ofereceu-nos refrescos, e eis nossa resposta: "Deles não necessito, uma vez que não é meu corpo que aqui está; vós o sabeis, não há nenhuma necessidade de vos produzir uma ilusão." Uma circunstância, bastante bizarra, se apresentou na ocasião. Seja predisposição natural, seja resultado de nossos trabalhos intelectuais, sérios desde nossa juventude, poderíamos dizê-lo desde a infância, o fundo do nosso caráter sempre teve uma extrema gravidade, mesmo na idade em que não se pensa mais do que no prazer. Essa preocupação constante nos dá um encontro muito frio, excessivamente frio mesmo; ao menos é pelo que somos freqüentemente censurados; mas, sob essa falsa aparência glacial, o Espírito sente, talvez mais vivamente, como se tivesse mais expansão exterior. Ora, em nossas visitas noturnas ao nosso amigo, este ficou surpreso por nos achar diferente; éramos mais aberto, mais comunicativo, quase alegre. Tudo respirando, em nós, a satisfação e a calma do bem-estar. Não está aí um efeito do Espírito desligado da matéria?

Fonte: Portal do Espírito -  http://www.espirito.org.br/portal/codificacao/re/1859/02b-os-ageneres.html

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

[RE] - Homero

Por Allan Kardec

Estamos há muito tempo em relação com dois médiuns de Sens, tão distintos por suas faculdades quanto recomendáveis por sua modéstia, devotamento e pureza de intenções. Evitaríamos dizê-lo se não os soubéssemos inacessíveis ao orgulho, essa pedra de tropeço de tantos médiuns, contra a qual vieram quebrar-se tantas disposições felizes. É uma qualidade bastante rara, que merece ser assinalada. Pudemos assegurar-nos pessoalmente das simpatias que eles gozam entre os bons Espíritos. Mas, longe de se prevalecerem disso; longe de se julgarem os únicos intérpretes da verdade, e sem se deixarem ofuscar por nomes imponentes, aceitam com toda humildade e prudente reserva as comunicações que recebem, sempre as submetendo ao controle da razão. É o único meio de desencorajar os Espíritos enganadores, sempre à espreita de pessoas dispostas a aceitar sob palavra tudo quanto vem do mundo dos Espíritos, desde que subscrito por um nome respeitável. Aliás, eles nunca receberam comunicações frívolas, triviais, grosseiras ou ridículas, e jamais qualquer Espírito tentou inculcar-lhes ideias excêntricas ou impor-se como regulador absoluto. Ainda mais, o que prova tudo isto em favor dos Espíritos que os assistem são os sentimentos de verdadeira benevolência e verdadeira caridade cristã que eles inspiram aos seus protegidos. Tal é a impressão que nos ficou do que vimos, e nos sentimos felizes em proclamá-lo.

No interesse da conservação e do aperfeiçoamento de sua faculdade, fazemos votos que jamais caiam no engano dos médiuns que se julgam infalíveis. Não há um só que se possa gabar de jamais ter sido enganado. As melhores intenções não garantem sempre, e muitas vezes são uma prova para exercitar o julgamento e a perspicácia. Mas, a respeito dos que têm a infelicidade de se julgarem infalíveis, os Espíritos enganadores são muito hábeis para não deixar de tirar proveito. Fazem o que fazem os homens: exploram todas as fraquezas.

Entre as comunicações que esses senhores nos enviaram, a seguinte, assinada por Homero, sem ter nada de muito saliente relativamente às ideias, pareceu-nos merecer particular atenção, em razão de um fato notável que até certo ponto pode ser considerado como prova de identidade. Esta comunicação foi obtida espontaneamente e sem que o médium absolutamente pensasse no poeta grego. Ela deu lugar a diversas perguntas que também julgamos conveniente publicar.

Um dia o médium escreveu o seguinte, sem saber quem lho ditava:

“Meu Deus! Como são profundos os vossos desígnios e impenetráveis as vossas vistas! Em todos os tempos os homens têm procurado a solução de uma porção de problemas que ainda não foram resolvidos. Eu também procurei durante toda a minha vida, e não consegui resolver o que de todos parece o mais simples: o mal, aguilhão de que vos servis para impelir o homem a fazer o bem por amor. Ainda bem jovem, conheci os maus-tratos que os homens fazem sofrer uns aos outros, sem premeditação, como se o mal para eles fosse um elemento natural, posto não seja assim, desde que todos tendem para o mesmo fim, que é o bem. Estrangulam-se uns aos outros e, ao despertarem, constatam que feriram um irmão! Mas são esses os vossos desígnios e não nos cabe mudá-los. Só temos o mérito ou o demérito de haver resistido mais ou menos à tentação e, como sanção de tudo isto, o castigo ou a recompensa.

“Passei a juventude entre os caniços do Mélès; banhei-me e embalei-me muitas vezes em suas ondas. Por isso, na minha juventude, eu era chamado Melesígeno.”

1. Sendo este nome desconhecido, rogamos ao Espírito a bondade de explicá-lo de maneira precisa.

- Minha mocidade foi embalada nas ondas; a poesia me deu cabelos brancos. Eu sou aquele a quem chamais Homero.”

OBSERVAÇÃO: Grande foi a nossa surpresa, pois nenhuma ideia tínhamos desse apelido de Homero. Encontramo-lo depois no dicionário mitológico. Continuamos as perguntas.

2. Poderíeis dizer-nos a que devemos a felicidade de vossa visita espontânea, porque - e por isso vos pedimos perdão - absolutamente não pensávamos em vós neste momento.

- É porque venho às vossas reuniões, como se vai sempre aos irmãos que têm em vista fazer o bem.

3. Se ousássemos, pediríamos que nos falásseis dos últimos instantes de vossa vida terrena.

- Oh! meus amigos, Deus permita que não morrais tão infelizes quanto eu! Meu corpo finou-se na última das misérias humanas. A alma fica muito perturbada em tal estado. O despertar é mais difícil, mas também é muito mais belo! Oh! Como Deus é grande! Que ele vos abençoe! Eu o peço do fundo do coração.

4. Os poemas da Ilíada e da Odisseia, que nós temos, são exatamente aqueles que vós compusestes?

- Não. Eles foram alterados.

5. Várias cidades disputaram a honra de vos ter sido o berço. Poderíeis esclarecer-nos a respeito?

- Procurai a cidade da Grécia que possuía a casa do cortesão Cleanax. Foi ele que expulsou minha mãe do lugar do meu nascimento, porque ela não quis ser sua amante, e sabereis em que cidade vim à luz. Sim, elas disputaram essa suposta honra, mas não disputavam por me haverem dado hospitalidade. Oh! Eis os pobres humanos. Sempre futilidades; bons pensamentos, nunca!

OBSERVAÇÃO: O fato mais marcante desta comunicação é a revelação do apelido de Homero, e é tanto mais notável quanto os dois médiuns, que reconhecem e deploram a insuficiência de sua instrução, o que os obriga a viver do trabalho manual, não podiam ter a menor ideia a respeito. E tanto menos se pode atribuí-lo a um reflexo qualquer do pensamento, dado o fato de que no momento estavam sós.

A respeito disto, faremos outra observação: todo espírita sabe, por menos experimentado que ele seja, que alguma pessoa que soubesse o apelido de Homero e, o tendo evocado, se lhe tivesse pedido para dizê-lo, como prova de identidade, não o teria conseguido. Se as comunicações fossem apenas um reflexo do pensamento, como não diria e Espírito aquilo que sabemos, enquanto ele próprio diz aquilo que ignoramos? É que ele também tem a sua dignidade e a sua susceptibilidade, e quer provar que não está às ordens do primeiro curioso que apareça. Suponhamos que aquele que mais protesta contra o que chama capricho ou má vontade do Espírito, se apresente numa casa declinando o seu nome. Que faria, se o acolhessem e lhe pedissem à queima-roupa que provasse ser ele mesmo? Voltaria as costas. É o que fazem os Espíritos. Isto não quer dizer que se deva crer sob palavra, mas quando se querem provas de identidade, é preciso saber tratá-los tão bem como aos homens. As provas de identidade dadas espontaneamente pelos Espíritos são sempre as melhores.

Se nos estendemos tanto a propósito de um assunto que parece não comportar tantas considerações, é que nos parece útil não perder ocasião de chamar a atenção sobre a parte prática de uma ciência cercada de mais dificuldades do que se pensa, e que muitos julgam possuir porque sabem fazer bater uma mesa ou mover-se um lápis. Aliás, nós nos dirigimos aos que ainda julgam necessitar de conselhos, e não aos que, após alguns meses de estudo, pensam não mais necessitá-los. Se os conselhos que julgamos conveniente dar forem perdidos por alguns, sabemos que não o serão por todos, e que muitos os receberão com prazer.

Revista Espírita, novembro de 1860
Da equipe IPEAK