quarta-feira, 30 de abril de 2014

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Intervenção da ciência no Espiritismo

Por Allan Kardec

Revista Espírita, Junho,1859.

A oposição das corporações científicas é um dos argumentos incessantemente invocados pelos adversários do Espiritismo. Por que não trataram elas dos fenômenos das mesas girantes? Se tivessem visto neles algo de sério, alegam, não se poriam em guarda contra fatos tão extraordinários, nem os tratariam com desdém. No entanto, hoje são todas contra vós. Não são os cientistas a luz das nações, e o seu dever não é espalhar a luz? Por que quereríeis que eles a abafassem, quando se apresentava tão bela ocasião de revelarem ao mundo uma força nova?

Para começar, grave erro é pensar que todos os cientistas são contra nós, pois o Espiritismo se propaga precisamente na classe esclarecida. Não há sábios apenas na ciência oficial e nos corpos constituídos. Pode prejulgar-se a questão pelo fato de não desfrutar o Espiritismo foros de cidadania? É conhecida a circunspecção da ciência oficial em relação às ideias novas. Se ela jamais se houvesse enganado, então sua opinião poderia pesar na balança. Infelizmente, a experiência prova o contrário. Não repeliu ela como quimeras uma porção de descobertas que, mais tarde, ilustraram a memória de seus autores? Deve dizer-se que os sábios são ignorantes? Isso justifica os epítetos triviais que algumas pessoas de mau gosto gostam de aplicar-lhes? Certamente que não. Não há ninguém de bom-senso que não faça justiça aos sábios, reconhecendo, entretanto, que não são infalíveis e que, por isso mesmo, seu julgamento não é a última instância. Seu erro é resolver certas questões um pouco levianamente, confiando demasiado em suas luzes, antes que o tempo se tenha pronunciado, assim se expondo a receber o desmentido da experiência.

Ninguém é bom juiz senão em assuntos de sua competência. Se quisermos construir uma casa, chamaremos um músico? Se estivermos doentes, preferiremos ser tratados por um arquiteto? Se tivermos um processo, aconselhar-nos-emos com um dançarino? Enfim, se se tratar de uma questão de teologia, pediremos a sua solução a um químico ou a um astrônomo? Não. Cada qual no seu ofício. As ciências vulgares repousam sobre as propriedades da matéria, que podemos manejar à vontade. Os fenômenos por ela produzidos têm como agentes forças materiais. Os do Espiritismo têm como agentes inteligências que possuem sua independência, seu livre-arbítrio, e de modo algum se submetem aos nossos caprichos. Escapam destarte aos nossos processos anatômicos ou de laboratório, bem como aos nossos cálculos e, por consequência, não são mais de alçada da ciência propriamente dita. A ciência errou, pois, ao querer experimentar os Espíritos como uma pilha de Volta. Ela partiu de uma ideia fixa, preconcebida, à qual se aferra e quer forçosamente ligar à ideia nova. Fracassou, e assim devia ser, porque agiu a partir de uma analogia que não existe. Depois, sem ir mais longe, concluiu pela negativa: julgamento temerário, que o tempo diariamente se encarrega de reformar, como reformou tantos outros, e aqueles que o pronunciarem, serão por sua vez sentenciados pela vergonha de haverem levianamente assumido uma posição falsa contra o infinito poder do Criador. Assim, pois, as corporações científicas não devem, nem deverão jamais pronunciar-se sobre o assunto, pois ele não é mais de sua alçada do que o direito de decretar que Deus existe. É, pois, um erro tomá-las como juiz. Mas quem será o juiz? Arrogam-se os espíritas o direito de impor as próprias ideias? Não. O grande juiz, o juiz soberano é a opinião pública, e quando essa opinião se formar pelo assentimento das massas e dos homens esclarecidos, os cientistas oficiais a aceitarão como indivíduos e se submeterão à força das circunstâncias. Deixemos passar uma geração e com ela os preconceitos do amor próprio que se obstina, e veremos acontecer com o Espiritismo o mesmo que aconteceu com tantas outras verdades combatidas e que atualmente seria ridículo pôr em dúvida. Hoje os crentes são chamados de loucos, amanhã assim serão chamados aqueles que não creem, exatamente como outrora eram considerados loucos os que acreditavam que a Terra gira, o que não a impediu de girar.

Mas nem todos os sábios julgaram do mesmo modo. Alguns fizeram o seguinte raciocínio:

Não há efeito sem causa, e os mais vulgares efeitos podem ensejar a descoberta dos maiores problemas. Se Newton não tivesse prestado atenção à queda da maçã; se Galvani tivesse repelido a sua empregada, tratando-a de louca e de visionária, quando ela lhe falou das rãs que dançavam no prato, talvez ainda não tivéssemos descoberto a admirável lei da gravitação e as fecundas propriedades da pilha. O fenômeno designado sob o nome burlesco de dança das mesas não é mais ridículo que o da dança das rãs, e talvez encerre alguns dos segredos da Natureza que revolucionarão a Humanidade, quando possuirmos a sua chave.

Além disso, eles disseram: Desde que tanta gente se ocupa de tais fatos; desde que homens sisudos os estudaram, é que algo deve existir. Uma ilusão, uma maluquice, se quiserem, não pode ter esse caráter de generalidade. Poderá seduzir um círculo, um grupo, mas não dará a volta ao mundo.

Eis, particularmente, o que nos dizia ilustrado doutor em Medicina, então incrédulo e hoje fervoroso adepto:

“Dizem que os seres invisíveis se comunicam. Por que não? Antes da invenção do microscópio suspeitávamos da existência desses milhares de animálculos que causavam tanta devastação em nossa economia? Onde a impossibilidade material da existência, no espaço, de seres que escapam aos nossos sentidos? Acaso teríamos a ridícula pretensão de saber tudo e dizer a Deus que ele não nos pode ensinar mais nada? Se esses invisíveis que nos cercam são inteligentes, por que não se comunicariam conosco? Se estão em relação com os homens, devem representar um papel no destino e nos acontecimentos. Quem sabe se não serão uma das potências da Natureza, uma dessas forças ocultas que não suspeitamos? Que novo horizonte isto abre ao pensamento! Que vasto campo de observação! A descoberta do mundo invisível seria muito diversa da descoberta dos infinitamente pequenos. Seria mais que uma descoberta: seria toda uma revolução nas ideias. Que luz daí pode surgir! Quantas coisas misteriosas seriam explicadas! Os que nisto acreditam são levados ao ridículo, mas o que isto prova? Não aconteceu o mesmo com todas as grandes descobertas? Cristóvão Colombo não foi repelido, coberto de desgostos e considerado um insensato? Essas ideias, disseram, são tão estranhas que a razão as recusa. Teríamos rido na cara de quem, há somente meio século, tivesse dito que em apenas alguns minutos nos corresponderíamos de um a outro extremo do mundo; que em algumas horas atravessaríamos a França; que com o vapor de um pouco de água fervente um navio navegaria contra o vento; que da água seriam tirados os meios de iluminar e de aquecer? Se um homem se tivesse proposto iluminar toda Paris em um minuto, com uma única fonte de uma substância invisível, teria sido enviado ao hospício. Seria acaso mais prodigioso que o espaço fosse povoado de seres pensantes que, depois de haverem vivido na Terra, deixaram o se envoltório material? Não encontramos no fato a explicação de uma porção de crenças que remontam à mais alta Antiguidade? Não é a confirmação da existência da alma, de sua individualidade depois da morte? Não é a prova da própria base da religião? Mas a religião só vagamente nos diz o que se tornam as almas. O Espiritismo o define. Que podem objetar os materialistas e os ateus? Vale a pena aprofundar semelhantes coisas”.

Eis as reflexões de um cientista, mas de um cientista despretensioso. São também as de uma porção de homens esclarecidos, que refletiram, estudaram seriamente, sem ideias preconcebidas e tiveram a modéstia de não dizer: Não compreendo, portanto não existe. Sua convicção formou-se pela observação e pelo recolhimento. Se essas ideias fossem quimeras, seria possível que tanta gente de escol as tivesse adotado? Que durante tanto tempo tivessem sido vítimas de uma ilusão? Não existe, pois, a impossibilidade material da existência de seres para nós invisíveis e que povoam o espaço. Esta simples consideração deveria ensejar um pouco mais de circunspecção. Ainda há pouco, quem teria pensado que uma gota de água límpida pudesse conter milhares de seres vivos, de uma pequenez que confunde a nossa imaginação? Ora, era mais difícil à razão conceber seres tão minúsculos, providos de todos os nossos órgãos e funcionando como nós, do que admitir os que chamamos Espíritos.

Perguntam os adversários por que motivo os Espíritos, que devem ter a preocupação de fazer prosélitos, não se prestam melhor ao trabalho de convencer certas pessoas cuja opinião teria grande influência. Acrescentam que os acusamos de falta de fé, e a isto respondem com razão que não podem ter fé por antecipação.

É um erro pensar que seja necessária a fé, mas a boa-fé é outra coisa. Há céticos que negam até a evidência e aos quais nem milagres convenceriam. Há mesmo os que ficariam muito aborrecidos se fossem obrigados a crer, pois o seu amor-próprio sofreria ao confessar que se enganaram. Que responder a criaturas que por toda parte não enxergam senão ilusão e charlatanismo? Nada. É preciso deixá-las tranquilas e dizerem, enquanto quiserem, que nada viram e, até, que nada lhes pudemos fazer ver. Ao lado desses céticos endurecidos, há os que querem ver a seu modo. Formada uma opinião, a esta tudo querem submeter, não compreendendo que haja fenômenos que não se submetam à sua vontade. Ou não sabem, ou não se querem curvar às condições necessárias. Se os Espíritos não se mostram tão interessados em convencê-los por meio de prodígios, é que no momento aparentemente pouco interesse têm em convencer certas pessoas, cuja importância não medem do mesmo modo pelo qual elas o fazem. É realmente pouco lisonjeiro, mas nós não governamos a sua opinião. Os Espíritos têm um modo de julgar as coisas nem sempre concordante com o nosso. Veem, pensam e agem de acordo com outros elementos. Enquanto nossa vista é circunscrita pela matéria, limitada pelo estreito círculo em cujo meio nos achamos, eles abarcam o conjunto. O tempo, que nos parece tão longo, é para eles um instante, e a distância, apenas um passo. Certos detalhes que nos parecem de importância extrema, a seus olhos não passam de infantilidades. Por outro lado, julgam importantes certas coisas cujo alcance não apreendemos. Para compreendê-los é necessário elevarmo-nos pelo pensamento acima do nosso horizonte material e moral e nos colocarmos em seu ponto de vista. A eles não cabe descer até nós. Nós é que devemos subir até eles, o que conseguimos pelo estudo e pela observação. Os Espíritos gostam dos observadores assíduos e conscienciosos. Para esses, multiplicam as fontes de luz.

Não é a dúvida originária da ignorância que os afasta. É a fatuidade dos pretensos observadores que nada observam e que querem pô-los na berlinda e manobrá-los como bonecos; são sobretudo os sentimentos de hostilidade e de crítica que trazem na mente, quando não nas palavras, a despeito dos protestos em contrário. Para esses nada fazem os Espíritos e se preocupam muito pouco com o que possam dizer ou pensar, porque sua hora chegará. Eis por que dissemos que não é a fé que se torna necessária, mas a boa-fé.

Ora, perguntamos se os nossos sábios adversários estão sempre em tais condições. Eles querem os fenômenos sob seu controle, mas os Espíritos não obedecem ao seu comando. É necessário esperar a boa vontade deles. Não basta dizer: mostre-me tal fato e eu acreditarei. É preciso ter a vontade perseverante; deixar que os fatos se produzam espontaneamente, sem querer forçá-los ou dirigi-los. Aquilo que desejais é exatamente o que não obtereis, mas outros se apresentarão, e aquilo que quereis virá talvez no momento em que menos esperais.

Aos olhos do observador atento e assíduo multiplicaram-se os fenômenos, confirmando-se reciprocamente, mas aquele que pensa que basta virar a manivela para movimentar a máquina, engana-se redondamente. Que faz o naturalista que deseja estudar os costumes de um animal? Acaso lhe ordena que faça isto ou aquilo, a fim de ter a oportunidade de observá-lo à vontade e conforme as suas conveniências? Não. Ele sabe perfeitamente que não será obedecido. Mas espia as manifestações espontâneas de seu instinto; espera-as e as observa de passagem.

O simples bom-senso nos mostra que, com mais forte razão, assim deve ser com os Espíritos, que são inteligências muito mais independentes que a dos animais.

Fonte: IPEAK - http://www.ipeak.com.br/site/busca_janela_conteudo.php?sec=roteiro&id=2698&idioma=1

quinta-feira, 24 de abril de 2014

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Apometria e Espiritismo

Por Carmem Paiva de Barros

A apometria, considerada por seus praticantes como "um revolucionário método desobsessivo", foi criada pelo conceituado pesquisador e médico espírita carioca José Lacerda, na década dos anos 50, na cidade de Porto Alegre (RS).

O movimento em favor da apometria passou pela região Centro-Oeste do Brasil, desaguando em Goiás e no Distrito Federal, com a perspectiva de realizar tratamentos espirituais muito mais eficazes que a conhecida desobsessão, indicada pelo espírito André Luiz.

A novidade conquistou a simpatia de conhecidos e respeitáveis médiuns e médicos espíritas.

A CONCAFRAS, movimento religioso de exaltação a poetisa potiguar Auta de Souza, se incumbiu de levar para outros Estados a apometria, sempre com a proposta de "revolucionar a metodologia de tratamento desobsessivo nos Centros Espíritas".

A exemplo do que ocorreu em tantos outros Estados brasileitos, a apometria encontrou compo fértil na Paraíba. Alguns Centros Espíritas facilmente assimilaram as práticas do novo método desobsessivo, apontado como "eficiente" no tratamento de espíritos intransigentes aos ensinamentos morais de Jesus.

Segundo opinião do médium e tribuno baiano Divaldo Pereira Franco (ver jornal DESPERTADOR, edição de julho/agosto de 2008, de São Paulo), "(...) as práticas da apometria estão em total desacordo com as recomendações de O Livro dos Espíritos e ainda tem a pretensão de ser apresentada como um passo avançado do movimento espírita, no qual Allan Kardec estaria ultrapassado".

Na Paraíba, a apometria ficou conhecida como "a desobsessão do passa-passa".

Certa feita, assisti uma reunião onde pude observar a forma grosseira, desrespeitosa e anticristã de como eram tratados os espíritos (aos milhares, na ótica dos médiuns videntes presentes).

A "manada" de espíritos recebia tratamento de "choque", com ameaça de serem levados ao magma (substância ainda ebulição) da Terra, sem nenhum resquício de misericórdia da parte dos doutrinadores e do coordenador do trabalho.

Em determinado trecho do seu comentário sobre a absurda prática, Divaldo Franco diz textualmente que "aqueles que adotam esses métodos novos, primeiro não conhecem as bases kardequianas; e se alguém prefere a apometria, divorcie-se do Espiritismo. É um direito! Mas não misture para não confundir".

O médium baiano tem razão.

A Doutrina Espírita centraliza-se no amor, na compaixão, na misericórdia, na indulgência e no respeito incondicional à condição moral em que se encontram os espíritos rebeldes, que passaram pela vida terrena sem qualquer preocupação com o processo reeducativo que a reencarnação lhes determinava.

Aqueles médiuns e trabalhadores que subestimam os métodos convencionais da desobsessão feita com Jesus no coração, precisam estudar as obras kardequianas para o seu próprio benefício e proteção espiritual.

A apometria é um método pseudocientífico. Não faz parte da proposta espírita e cristã da "amar ao próximo como a si mesmo"

>>> Artigo publicado no jornal TRIBUNA ESPÍRITA, edição de março/abril de 2013,
de João Pessoa, PB.

Retirado do blog Kardec Ponto Com: http://kardecpontocom.blogspot.com.br/p/carlos-meus-artigo.html

terça-feira, 25 de março de 2014

O Materialismo e o Direito

Por Allan Kardec

O materialismo, vangloriando-se como não o tinha feito em nenhuma outra época e se apresentando como supremo regulador dos destinos morais da Humanidade, teve por efeito apavorar as massas pelas consequências inevitáveis de suas doutrinas para a ordem social. Por isto mesmo provocou, em favor das ideias espiritualistas, uma enérgica reação que lhe deve provar que está longe de merecer simpatias tão gerais quanto supõe, e que labora em estranha ilusão se espera um dia impor suas leis ao mundo.

Seguramente as crenças espiritualistas dos tempos passados são insuficientes para o século atual; elas não estão mais no nível intelectual de nossa geração; sobre muitos pontos elas estão em contradição com os dados concretos da Ciência; deixam no espírito um vago incompatível com a necessidade do positivo que domina na Sociedade moderna; além disso, cometem o imenso erro de se imporem pela fé cega e proscrever o livre exame. Daí resulta, sem dúvida nenhuma, o desenvolvimento da incredulidade na maioria das pessoas. É muito evidente que se os homens não fossem alimentados, desde a infância, senão por ideias de natureza a serem mais tarde confirmadas pela razão, não haveria incrédulos. Quantas pessoas reconduzidas à crença pelo Espiritismo nos disseram: Se nos tivessem sempre apresentado Deus, a alma e a vida futura de maneira racional, jamais teríamos duvidado!

Pelo fato de um princípio receber uma aplicação má ou falsa, segue-se que seja preciso rejeitá-lo? Assim acontece com coisas espirituais, como com a legislação e todas as instituições sociais: é necessário apropriá-las aos tempos, sob pena de sucumbirem. Mas, em vez de apresentar algo de melhor que o velho espiritualismo clássico, o materialismo preferiu tudo suprimir, o que o dispensava de procurar, e parecia mais cômodo àqueles a quem importuna a ideia de Deus e do futuro. Que pensariam de um médico que, achando que o regime de um convalescente não é bastante substancial para o seu temperamento, lhe prescrevesse não comer absolutamente nada?

O que nos espanta encontrar na maioria dos materialistas da escola moderna é o espírito de intolerância levado aos seus últimos limites, eles que reivindicam sem cessar o direito de liberdade de consciência. Seus próprios correligionários políticos não encontram condescendência diante deles, desde que façam profissão de espiritualismo, testemunha o Sr. Jules Favre, a propósito de seu discurso na Academia (Fígaro de 8 de maio de 1868); e como o Sr. Camille Flammarion, ultrajantemente ridicularizado e denegrido, num outro jornal cujo nome esquecemos, porque ousou provar Deus pela Ciência. Segundo o autor dessa diatribe, não se pode ser sábio senão com a condição de não crer em Deus; Chateaubriand não passa de um escritor medíocre e insensato. Se homens de tão incontestável mérito são tratados com tão pouca consideração, os espíritas não se devem lamentar de serem um tanto ridicularizados a propósito de suas crenças.

Há neste momento, da parte de um certo partido, um levante de armas contra as ideias espiritualistas em geral, entre as quais se acha incluído o Espiritismo. O que ele busca não é um Deus melhor e mais justo, é o Deus-matéria, menos aborrecido, porque não é preciso prestar-lhe contas. Ninguém contesta a esse partido o direito de ter as suas opiniões, de discutir as opiniões contrárias, mas o que não se lhe poderia conceder é a pretensão, ao menos singular para homens que se apresentam como apóstolos da liberdade, de impedir que os outros creiam à sua maneira e que discutam as doutrinas que eles não partilham. Intolerância por intolerância, uma não vale mais que a outra.

Um dos melhores protestos que temos lido contra as tendências materialistas foi publicado no jornal le Droit, sob o título: O materialismo e o direito. A questão aí é tratada com notável profundidade e uma perfeita lógica, no duplo ponto de vista da ordem social e da jurisprudência. Sendo a causa do espiritualismo a do Espiritismo, aplaudimos toda enérgica defesa da primeira, mesmo quando aí é feita abstração da segunda. Eis por que pensamos que os leitores da Revista verão com prazer a reprodução desse artigo. 

(Extrato do jornal le Droit, de 14  de maio de 1868) 

A geração presente atravessa uma crise intelectual com a qual não se deve inquietar além da medida, mas cujo desenlace seria imprudência deixar ao acaso. Desde quando a Humanidade passou a pensar, o homem acreditava na alma, princípio imaterial distinto dos órgãos que o servem; faziam-na até imortal. Acreditavam numa Providência, criadora e senhora dos seres e das coisas, no bem, no justo, na liberdade do arbítrio humano, numa vida futura que, por valer mais do que o mundo em que estamos, não necessita, como diz o poeta, senão existir.

Modernos doutores, que começam a tornar-se barulhentos, mudaram tudo isto. O homem é por eles reconduzido à dignidade do animal, e o animal reduzido a um agregado material. A matéria e as propriedades da matéria, tais seriam os únicos objetos possíveis da ciência humana; o pensamento não seria senão um produto do órgão que é sua sede, e o homem, quando as moléculas orgânicas que constituem a sua pessoa se desagregam e voltam aos elementos, pereceria inteiramente.

Se as doutrinas materialistas jamais devessem ter a sua hora de triunfo, os jurisconsultos filósofos ─ há que dizer para a sua honra ─ seriam os primeiros vencidos. O que teriam a fazer as suas regras e as suas leis num mundo no qual a lei da matéria fosse toda a lei? As ações humanas não podem ser senão fatos automáticos, se o homem for todo matéria. Mas então, onde estará a liberdade? E se a liberdade não existir, onde estará a lei moral? A que título uma autoridade qualquer poderia pretender dominar a expansão fatal de uma força toda física e necessariamente legítima se ela é fatal? O materialismo arruína a lei moral, e com a lei moral o direito, a ordem civil toda inteira, isto é, as condições de existência da Humanidade. Tais consequências imediatas, inevitáveis, certamente merecem que nelas pensemos. Vejamos, pois, como se reproduz esta velha doutrina materialista, que não vimos surgir, até o presente, senão nos piores dias.

Quase sempre houve materialistas, teóricos ou práticos, quer por desvio do senso comum, quer para justificar baixos hábitos de viver. A primeira razão de ser do materialismo está na imperfeição da inteligência humana. Disse Cícero, em termos muito crus, que não há tolice que não tenha encontrado algum filósofo para defendê-la: Nihil tam absurde dici potest quod non dicatur ab aliquo philosophorum. Sua segunda razão de ser está nas más inclinações do coração humano. O materialismo prático, que se reduz a algumas máximas vergonhosas, sempre apareceu nas épocas de decomposição moral ou social, como as da Regência e do Diretório. O mais das vezes, quando houve visadas mais altas, o materialismo filosófico foi uma reação contra as exigências exageradas das doutrinas ultraespiritualistas ou religiosas. Mas em nossos dias ele se produz com um caráter novo; ele se diz científico. A história natural seria toda a ciência do homem; nada existiria do que ela não tem por objeto, e como ela não tem por objeto o espírito, o espírito não existe.

Para quem queira pensar no caso, com efeito o materialismo é mesmo um perigo, não da ciência verdadeira, mas da ciência incompleta e presunçosa; é uma planta má que cresce em seu solo. De onde vêm as tendências materialistas, mais ou menos marcantes, de tantos cientistas? De sua constante ocupação em estudar e manipular a matéria? Talvez um pouco. Mas elas vêm sobretudo de seus hábitos de espírito, da prática exclusiva de seu método experimental. O método científico pode reduzir-se a estes termos: Não reconhecer senão os fatos; induzir muito prudentemente a lei desses fatos; banir absolutamente todas as pesquisas das causas. Não é de admirar que, depois disto, inteligências de vistas curtas, débeis nalgum sentido, deformadas, como nos tornamos todos, por um mesmo trabalho intelectual ou físico muito contínuo, desconheçam a existência dos fatos morais, aos quais não convém a aplicação do seu instrumento lógico, e, por uma transmissão insensível, passem da ignorância metódica à negação.

Entretanto, se esse método exclusivamente experimental pode achar-se em erro, o erro está no estudo do homem, ser duplo, espírito e matéria, cujo próprio organismo não pode ser senão o produto e o instrumento da força oculta, mas essencialmente una que o anima. Não se quer ver no organismo humano senão um agregado material! Por que cindir o homem e querer metodicamente nele considerar apenas um princípio, se há dois? É possível gabar-se, ao menos, de assim explicar todos os fenômenos da vida? O materialismo fisiológico, que prepara o materialismo filosófico, mas que a ele não conduz necessariamente, é ferido de impotência a cada passo. A vida, digam o que disserem, é um movimento, o movimento da alma formando o corpo; e a alma é, assim, a mola que move e transporta, por uma ação desconhecida e inconsciente, os elementos dos corpos vivos. Trazendo sistematicamente o estudo do homem físico às condições do estudo dos corpos não organizados; não vendo nas forças vivas de cada parte do organismo senão propriedades da matéria; localizando essas forças em cada uma dessas partes; não considerando a vida senão como uma manifestação física, um resultado, quando ela talvez seja um princípio; afastando a unidade do princípio de vida como uma hipótese, quando ela pode ser uma realidade, cai-se, sem dúvida, no materialismo fisiológico, para depois escorregar rapidamente no materialismo filosófico; mas se conclui por uma enumeração e um exame incompleto dos fatos; acreditou-se marchar apenas apoiado na observação, e afastou-se o fato capital que domina e determina todos os fatos particulares.

O materialismo da nova escola não é, pois, um resultado demonstrado do estudo; é uma opinião preconcebida. O fisiologista não admite o espírito; mas que há de admirável? É uma causa, e ele se pôs a estudar com um método que lhe interdita precisamente a pesquisa das causas. Não queremos submeter a causa do espiritualismo a uma ques­tão de fisiologia controvertida, e sobre a qual poderiam refutar-nos com razão. O senso íntimo me revela a existência da alma com uma autoridade muito diferente. Quando o materialista fisiológico for tão verdadeiro quanto é discutível, nossas convicções espiritualistas ficarão menos inteiras. Fortalecido pelo testemunho do senso íntimo, confirmado pelo assentimento de mil gerações que se sucederam na Terra, repetiríamos o velho adágio: “A verdade não destrói a verdade”, e nós esperaríamos que a conciliação se fizesse com o tempo. Mas de que peso não nos sentimos aliviados quando vemos que, para negar a alma e dar essa declaração como um resultado da ciência, o sábio, por confissão própria, partiu metodicamente da ideia que a alma não existe!

Lemos muitos livros de Fisiologia, em geral muito mal escritos; o que nos chamou a atenção foi o vício constante dos raciocínios do fisiologista organicista quando ele sai da sua área para se fazer filósofo. Vemo-lo constantemente tomar um efeito por uma causa, uma faculdade por uma substância, um atributo por um ser, confundir as existências e as forças, etc., e raciocinar como lhe convém. Dir-se-ia uma aposta. Algumas vezes ele transpõe distâncias incríveis sem se dar conta do caminho que faz. Que espírito exato e claro, por exemplo, jamais pôde compreender o pensamento tão conhecido de Cabanis e de Broussais, que “o cérebro produz, secreta o pensamento?” Outras vezes, o homem positivo, o homem da ciência, o homem da observação e dos fatos, nos dirá seriamente que o cérebro “armazena as ideias.” Ainda um pouco, ele as desenhará. É metáfora ou aranzel?

Jamais será pedido à ciência natural que tome partido pró ou contra a alma humana; mas por que ela não se resolve a ignorar o que não é objeto de suas investigações? Com que direito ousa ela jurar que nada há depois dela, depois de ter constituído a lei de não ver? Por que não guarda ela um pouco dessa reserva que vai bem a todos nós, sobretudo aos que têm a pretensão de não avançar senão com a certeza? A que título o anatomista tomará para si a responsabilidade de declarar que a alma não existe, porque não a encontrou com seu escalpelo? Pelo menos começou ele a demonstrar rigorosamente, cientificamente, por experiências e por fatos, segundo o método que preconiza, que o seu escalpelo a tudo pode atingir, até mesmo um princípio imaterial?

Aconteça o que acontecer com todas estas questões, o materialismo, dizendo-se científico, sem por isto adquirir mais valor, instala-se à luz do dia, e é preciso que vejamos o que seria o direito materialista. Ai de nós! O estado social materialista oferecer-nos-ia um tristíssimo e vergonhoso espetáculo. Para começar, uma coisa é certa, é que, se o homem não existe senão por seu organismo, essa massa material e automática que será daqui por diante todo o homem, provido de um encéfalo para secretar ideias, não será responsável por todos os movimentos que ela produzirá[1]. Com ela não será preciso que o encéfalo de uma outra massa material se lembre de secretar ideias de justiça ou de injustiça, porque essas ideias de justiça ou de injustiça não são aplicáveis senão a uma força livre que existe por si mesma, capaz de querer e de se abster. Não se convence a torrente ou a avalanche.

Então a liberdade, isto é, a vontade de agir ou não agir, não existirá aqui em baixo, como também não existirá o direito. Nesse estado, todas as forças terão um pleno e absoluto poder de expansão. Tudo será legítimo, lícito, permitido, digamos mesmo, ordenado, porque é claro que todo fato que não seja o ato de uma vontade livre, que não se produz como um ato moralmente obrigatório ou moralmente proibido, é um fato inevitável, que bem pode vir chocar-se com um fato contrário do mesmo caráter, mas que, como todos os fatos físicos, cai no império inelutável das leis naturais.

Basta expor tais ideias para lhes fazer justiça. É o sistema de Spinoza, que muito resolutamente estabeleceu o princípio do direito da força. Os fortes, diz Spinoza, são feitos para dominar os fracos, da mesma forma que os peixes para nadar e os maiores para comer os menores. No sistema materialista, o que seria chamado direito não poderia ter um princípio diferente. Mas qual homem dotado de senso ousaria professar tal sistema, que bastaria, por si só, para refutar o materialismo, porquanto necessariamente dele decorre? Querem, entretanto, que esse princípio da força se ache, de fato, limitado por si mesmo? Nada será ganho, ou quase nada, com esse flagrante desmentido do princípio. Admitamos, se quiserem, que a substância pensante (continuamos a falar a linguagem dos materialistas) se concerte nos indivíduos para regularizar essa expansão da força: a que chegará ela? No máximo a um conjunto de regras que terão por base o interesse, e mais, como não há outras leis senão as leis da matéria, essa legislação não terá qualquer caráter obrigatório; cada um poderá infringi-la se sua matéria pensante o aconselhar e se sua força permitir. Assim, nesta singular doutrina, não haverá nem mesmo um estado social construído sobre o plano da triste sociedade de Hobbes.

Não falamos ainda senão das condições primeiras de todo estado social. Mas, em toda sociedade civil consagra-se a propriedade individual; contrata-se, vende-se, aluga-se, associa-se, etc. O casamento funda a família; daí nasce toda uma ordem nova de relações. Pela educação no lar e pela educação pública, perpetuam-se as tradições. Assim se forma um espírito nacional e se desenvolve a civilização. Nossa sociedade materialista terá o seu direito civil? Impossível supô-lo, porque o direito civil, em seu conjunto, tem por princípio a justiça, e a justiça não pode ser senão uma palavra, ou uma contradição, numa doutrina que não conhece senão a matéria e as propriedades da matéria. Chega-se assim, inevitavelmente, a concluir (a menos que desarrazoando a propósito), que o estado civil da sociedade materialista é o estado de bestialidade.

Nada dizemos demais ao afirmarmos que o materialismo é destrutivo, não de tal moral, mas de toda moral; não de tal estado civil, mas de todo estado civil, de toda a Sociedade. É preciso recuar com ele além das regiões da barbárie, além da selvageria. Há que proscrevê-lo por isto? Deus não o permita. Assim reconhecido o seu caráter, não pediríamos, entretanto, que o seu ensino fosse interditado; nós o defenderíamos, se necessário, contra toda compressão pela força, desde que o professor não falasse senão em seu próprio nome. A liberdade nos é tão cara ─ sabem-nos os leitores deste jornal ─ ela leva consigo tais benefícios; temos uma tal confiança no bom-senso público, que não conceberíamos nenhuma inquietude por ver toda cátedra, toda tribuna aberta a todas as ideias.

Mas a questão não mais se apresentaria nos mesmos termos se acontecesse que o professor falasse numa cátedra do Estado, sustentada pelo orçamento. Certo ou errado, o Estado ensina. Pode ele ensinar doutrinas cujas consequências mais próximas sejam destrutivas do Estado? Ficará ao arbítrio de todo professor fazer o Estado endossar todas as doutrinas que puder conceber?

A questão não é simples. Os professores do Estado são funcionários públicos; seu ensino não pode ser e não é senão um ensino oficial. O Estado é responsável pelo que eles dizem; ele responde por isso perante a juventude e as famílias. Se por causa das grandes palavras de independência do professorado, recusassem o seu controle, eles se fariam opressores do Estado, pela mais hipócrita das opressões, porque assumiriam a responsabilidade pelas doutrinas que ele desaprova.

Sem dúvida a autoridade superior deve aos seus professores, muitas vezes encanecidos pelo estudo, cuidados, consideração, uma grande confiança, como aos seus generais, aos seus administradores e aos seus magistrados. Mas ela não lhes deve o sacrifício do mandato do país, que se presume que lhe pertença. O professor não é mais independente do Estado do que o general que tomasse o comando de uma insurreição. 

H. THIERCELIN.

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[1] Assim como o fígado não é responsável pela bile que secreta.

Revista Espírita - Agosto 1868

Fonte: IPEAK - http://www.ipeak.com.br/site/estudo_janela_conteudo.php?origem=6198&idioma=1

quinta-feira, 6 de março de 2014

Os Religiosos Católicos presentes na Doutrina Espírita

Por Maria das Graças Cabral

Muito comumente causa espanto aos neófitos da Doutrina dos Espíritos, encontrar nomes de veneráveis santos católicos, na condição de grandes Mestres da Espiritualidade, que trouxeram os fundamentos do Espiritismo.  

Nos Prolegômenos de O Livro dos Espíritos, além de grandes pensadores da humanidade do quilate de Sócrates e Platão, mencionam-se os nomes de santos da Igreja Católica tais como: São João Evangelista, Santo Agostinho, São Vicente de Paulo, São Luís, dentre outros religiosos que se manifestaram nas obras fundamentais espíritas.

Podemos citar Fénelon, destinado pela família para a carreira eclesiástica. Começou seus estudos no colégio dos Jesuítas em Cahors. Continuou os Estudos junto aos Jesuítas em Paris e manteve contatos com o seminário de Saint-Sulpice. (Fonte: http://www.geae.inf.br/pt/biografias/ - Acessado em 04/11/2012)

Outro religioso católico presente na codificação foi Lamennais, que nasceu em uma família burguesa. Foi um escritor brilhante, tornando-se uma figura influente e controversa na história da Igreja católica francesa. Com 34 anos de idade, Lamennais foi ordenado padre. Na condição de escritor fluente, político e filósofo, esforçou-se para combinar a política liberal com o Catolicismo Romano, após a Revolução Francesa. (Fonte: http://www.geae.inf.br/pt/biografias/ - Acessado em 04/11/2012)

Também sacerdote das hostes católicas foi Lacordaire, nascido em 12 de maio de 1802, numa cidade francesa perto de Dijon, tornou-se vigário da famosa Catedral de Notre-Dame, em Paris. A força da sua oratória atraía milhares de leigos para o culto. Em 1839 entrou para a Ordem Dominicana na França, trabalhando pela sua restauração, desde que a Revolução Francesa a tinha largamente subvertido. (Fonte: http://www.espiritismogi.com.br/biografias/- Acessado em 04/11/2012)

Constata-se nas mensagens de tais espíritos, esparsas nas obras fundamentais, um discurso bem próprio dos clérigos católicos. Veja-se a título de exemplo, um pequeno trecho de Santo Agostinho falando do “mal como remédio” da alma:
 “Vossa terra é por acaso um lugar de alegrias, um paraíso de delícias? A voz do profeta não soa ainda aos vossos ouvidos? Não clamou ele que haveria choro e ranger de dentes para os que nascessem neste vale de dores? Vós que nele viestes viver, esperai, portanto lágrimas ardentes e penas amargas, e quanto mais agudas e profundas forem as vossas dores, voltai os olhos ao céu e bendizei ao Senhor, por vos ter querido provar”!
E adiante acrescenta: “Se, no auge de vossos mais cruéis sofrimentos, cantardes em louvor ao Senhor, o anjo da vossa guarda vos mostrará o símbolo da vossa salvação e o lugar que devereis ocupar um dia”. (O Evangelho Segundo Espiritismo. Capítulo V. item 19) (grifo nosso).
Identifica-se claramente um sacerdote a falar aos fiéis das “penas” acerbas impingidas pelo “Senhor”, aos “pecadores” que vivem nesse “vale de dores”, utilizando-se de um vocabulário próprio do catolicismo, e que ainda se faz presente muito fortemente em seu discurso.

Não obstante, viajando no tempo e aportando no século XX, nos deparamos com os médiuns brasileiros, Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco, considerados os ícones do Espiritismo no Brasil e no mundo. E aí, mais uma vez observa-se a presença ostensiva de religiosos católicos à frente da divulgação da Doutrina Espírita.

No caso do conhecido médium Francisco Cândido Xavier, seu famoso mentor asseverava ter sido em sua última encarnação, o padre jesuíta Manoel da Nóbrega, que aos 27 anos, foi ordenado pela Companhia de Jesus (1544), fazendo-se pregador. Viajou por Portugal, Galiza e o resto da Espanha na pregação do Evangelho. Surpreendido com o convite do rei D. João III, embarcou na armada de Tomé de Sousa (1549). Chegaram à Bahia em 29 de março de 1549 e, celebrada a primeira missa, ter-se-ia voltado para seus auxiliares e dito: “Esta terra é nossa empresa.” (http://pt.wikipedia.org/- Acessado em 04/11/2012).

Quanto ao não menos famoso médium e divulgador mundial do Espiritismo, Divaldo Pereira Franco, assevera este, ter como mentora, a freira católica Joanna de Ângelis. Segundo o médium, Joanna “no século I, vivera como Joana de Cusa, uma das maiores colaboradoras da obra de Jesus, inclusive citada no evangelho como uma das mulheres piedosas, tendo sida queimada viva ao lado de seu único filho, juntamente com outros cristãos no Coliseu de Roma”. Em 12/11/1651 nascia no México Sór Juana Inés de La Cruz, tendo sida a maior poetisa da língua hispânica; muito competente em teologia, medicina, direito canônico e astronomia. Foi teatróloga, musicista, pintora e poliglota. Falava e escrevia, fluentemente, seis idiomas.

Em 11/12/1761 nascia em Salvador-Bahia Sóror Joana Angélica de Jesus que posteriormente tornou-se freira. Em 1822, em defesa da honra das jovens do seu Convento, foi assassinada por um soldado português, tornando-se mártir da independência do Brasil. Joanna de Ângelis também vivera no século XIII, de 16/07/1194 à 11/08/1253. Segundo a mentora, ficou conhecida como irmã Clara de Assis, fundadora da ordem feminina Franciscana. Mais tarde, em 15 de agosto de 1255 foi canonizada pelo papa Alexandre IV como Santa Clara de Assis. (Clara de Assis)”. (Fonte: http://pt.wikipedia.org/ - Acessado em 04/11/2012).

Diante do exposto, no que concerne aos Espíritos que participaram efetivamente na Codificação da Doutrina Espírita, observa-se em suas biografias, que não viviam a experiência religiosa numa condição de reclusos em monastérios. Pelo contrário, todos foram grandes filósofos, e/ou cientistas, que já pensavam e estudavam as questões cruciais da humanidade, envolvendo a moralidade humana, a educação, e os grandes conflitos sociais.

Desenvolviam teorias filosóficas que se adequassem ao catolicismo, formando entendimento religioso a ser acatado e adotado pela Igreja (instituição). Na realidade, objetivavam encontrar um “elo” que justificasse a vida com todas as suas complexas consequencias ao Deus e supremo criador, coadunando-se tais pensamentos com as “verdades” dogmáticas e bíblicas, adotadas pela Igreja Católica Apostólica Romana.

Não obstante, tais personalidades quando do retorno ao mundo espiritual, foram expandindo seus conhecimentos, mudando seus entendimentos, obviamente que orientados pelos grandes “Mestres da Espiritualidade”, e assim se prepararam para a grande empreitada de trazer à humanidade, nos albores do século XIX, as grandes revelações que estavam gravadas em nossos “arquétipos”, apropriando-me do termo junguiano, e que considerávamos sobrenatural ou fantástico.

Vieram provar a existência e imortalidade do Espírito e todas as suas consequências, respondendo ao clássico questionamento humano: - “Quem sou? De onde vim? Prá onde vou?” E dentro de suas respectivas áreas de conhecimento, foram desenvolvendo todo um grandioso trabalho que suplantou muitas das convicções que defendiam em encarnações transatas, na condição de encarnados.

Oportuno ressaltar, que a Doutrina dos Espíritos baseia-se no principio evolutivo para todos os seres da criação. Fica claro que este processo envolve tanto o aspecto intelectual como moral, e não está adstrito às experiências no corpo físico.  A Doutrina é farta em exemplos trazidos pelos testemunhos de Espíritos que se reportam aos seus estudos e observações feitos no mundo espiritual.

A esse respeito em O Livro dos Espíritos, quando trata do Mundo Espírita ou dos Espíritos, Kardec indaga aos Mestres Espirituais “de que maneira se instruem os Espíritos errantes”, e a resposta dada é a seguinte: - “Estudam o seu passado e procuram o meio de se elevarem. Vêem e observam o que se passa nos lugares que percorrem; escutam os discursos dos homens esclarecidos e os conselhos dos Espíritos mais elevados que eles, e isso lhes proporciona idéias que não possuíam”. (O Livro dos Espíritos – pergunta 227)

Daí entende-se porque, os Espíritos católicos avançaram mais rapidamente rumo ao conhecimento Espírita. Observe-se que já acreditavam na vida espiritual, embora com uma visão limitada de céu, purgatório e inferno. Acreditavam nas manifestações dos santos e demônios e nos milagres realizados pelos santos intercessores. Portanto, estavam mais preparados para entender à dinâmica que envolve o mundo material e o mundo espiritual.  

Por outro lado, não se identifica dentre os Espíritos religiosos da Codificação, pastores protestantes. A esse respeito, entende-se que diante de uma maior rigidez interpretativa da bíblia, da não aceitação radical da comunicabilidade dos mortos, onde só aceitam a manifestação do demônio, torna-se muito mais complexa a compreensão e aceitação da Doutrina Espírita.

Na realidade, o protestantismo está mais voltado ao Deus mosaico, e na busca pelo sucesso na vida material. Isto por entenderem, que a morte os levará a um estado de sono profundo até a chegada do Juízo Final. Por conseguinte, não oram pelos mortos nem admitem sua comunicabilidade. Aliás, só trabalham de forma efetiva com o exorcismo - que é a expulsão do demônio - pois segundo suas convicções, este procura seduzir a humanidade tomando a forma de pessoas queridas e veneráveis para conduzí-las ao inferno. Daí se mostrarem menos refratários à compreensão e aceitação dos princípios Espíritas.

Para finalizar far-se-á alguns comentários sobre os mentores religiosos dos médiuns Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco, na condição de divulgadores da Doutrina Espírita para o Brasil e o mundo. Observa-se que ao contrário dos Espíritos da codificação que vieram trazer os novos paradigmas para o Espírito humano, os referidos mentores, buscam introduzir aos princípios Espíritas alguns aspectos de suas convicções religiosas católicas.

Fácil compreender, pois o progresso de cada ser humano tem seu rítmo próprio. Portanto, não se daria tão rapidamente as mudanças de “vícios” religiosos arraigados, próprios de espíritos que passaram por várias encarnações vivenciando a dogmática religiosa católica, defendida e abraçada com profunda convicção. Observe-se que para estes não havia conflitos entre seus pensamentos e o que estava posto pela Igreja que serviam e amavam.

É fato que hoje se dizem espíritas e trabalham como divulgadores do espiritismo. Não obstante, sempre que podem, buscam distorcer aquilo que os incomoda na Doutrina Espírita, por entenderem em desacordo com as crenças religiosas que professaram por tantas encarnações e que ainda trazem gravadas em seus Espíritos, como convicções a serem respeitadas.

Em contrapartida, é óbvio que tais Espíritos encontram em seus médiuns um “campo de convicções religiosas” que se coaduna perfeitamente com seus interesses. Daí, a perfeita sintonia que permite sem o menor obstáculo, a divulgação espírita eivada dos rituais e credos iminentemente católicos.

Percebe-se esta forte presença, por exemplo, no “culto do evangelho no lar” - com a jarra de água para fluidificar, o caderno com os nomes dos que deverão receber a ajuda espiritual, a leitura do evangelho e de livros de mensagens de textos bíblicos – nada mais ritualístico e católico.

Portanto, diante das considerações acima expostas, pode-se entender porque o catolicismo ainda se faz tão presente no meio espírita. Porque ainda precisamos casar nas igrejas católicas, batizar nossas crianças, mandar rezar missa de sétimo dia para nossos mortos, levar flores para depositar aos pés das imagens de Nossa Senhora, Bezerra de Menezes, São Francisco de Assis, etc..

Porque ainda fazemos promessas e romarias para os santos. Porque procuramos usar a cor branca e cobrir com toalhas brancas as mesas de reunião mediúnica, como se cobrem os altares das igrejas católicas. Por isso fazemos as filas para receber passes e beber a água fluidificada, como fazíamos as filas para receber a comunhão nos templos católicos.

Efetivamente, são muitos os comportamentos atávicos que ainda estamos longe de nos libertar, por estarem incrustados em nossos Espíritos, em razão das inúmeráveis encarnações abraçando a Igreja Católica como a portadora da verdade inquestionável, a representante de Deus na Terra, e único laço de ligação entre o homem e o Criador.

Fonte: Um Olhar Espirita - http://umolharespirita1.blogspot.com.br/2012/11/os-religiosos-catolicos-presentes-na.html

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

[VÍDEO] - O que é o Espiritismo - Por Fabiano Nunes

Fabiano Nunes apresenta O Que é o Espiritismo: seus princípios, suas obras fundamentais, a metodologia utilizada por Allan Kardec, dentre outros esclarecimentos sobre os conceitos e a prática da Doutrina dos Espíritos. Esse quadro faz parte do programa de TV Despertar Espírita exibido no dia 28 de julho de 2012. Veja mais no site clubedearte.org.br



O que é o Espiritismo


O Livro dos Espíritos


O Livro dos Médiuns


O Céu e o Inferno


O Evangelho segundo o Espiritismo


A Gênese





sábado, 22 de fevereiro de 2014

E se não houvesse Carnaval?

Por Riviane Damásio

Há vasta literatura difundida no meio espírita – e de literatura, classifico artigos, mini textos, opiniões e até livros – que estabelece um link transcendental entre Carnaval e Obsessão. A data fica estabelecida como a ocasião onde espíritos em variados graus de imperfeições e desajustes, vêm cair na folia terrestre, como se houvesse pouca chance de divertimento nos demais 361 dias do ano, no que tange à sintonia moral...

Diante de tanto estapafurdismo, Delinha Pinto, uma amiga espírita, constata: “Estou decidindo aqui com meus obsessores se vamos atrás do trio elétrico ou descansamos na praia, ou quem sabe as duas coisas ?”

Entre os risos que a alfinetada bem humorada da moça desperta, fica a reflexão: Se não forem para o trio, os “obsessores” irão dar um tempo no afã de aprontar? Isto remete a outro tema que ficará para outro momento, do paradigma da obsessão, e do quanto ela isenta o sujeito de seus próprios desejos, sua própria moral e seu arbítrio diante da vida... Mas isto fica para outra prosa.

A corrente dos “Obsessoistas” garante: Em nenhuma outra época do ano, ocorre tanto desvario. Isto supostamente provaria a ação implacável dos obsessores que vêm se divertir na folia.

E??? E se não houvesse Carnaval? E nos lugares onde não há Carnaval? E quanto chove canivete no carnaval? O que acontece com o enxame de obsessores que se prepararam com tanto afinco para a descida triunfal para o espaço de onde provavelmente nunca saíram: A orbe terrestre. E?

Penso que a forma como agimos (seja no Carnaval, na Páscoa, no Ano-novo, no Natal, no feriado da Independência, no baile Funk, no trote universitário, na balada, na Torcida Organizada daquele time...) reflete única e exclusivamente o que trazemos já, dentro de nós: nosso valores, nosso equilíbrio ou a falta dele. As ocasiões que vão acionar o gatilho do instinto/moralidade de cada um, são variadas e imprevisíveis.

Os lugares não formatam as pessoas, as pessoas que formatam os lugares e transformam os ambientes em salubres ou não. O que alguns querem é encalacrar no Espiritismo o conceito de pecado que vem de um atavismo religioso difícil de ser transposto. Mas música não é pecado, dança não é pecado, alegria não é pecado, aliás, não existe pecado não é, espíritas? 

É claro que se houver abuso a coisa desanda e vamos atrair má companhia espiritual, mas isto pode acontecer dentro de casa, bem longe das divinas baterias dos mestres carnavalescos. Acontece quando se espanca física ou moralmente um irmão, um pai, filho, mãe, mulher, marido, quando se comete pedofilia, quando se briga no trânsito, quando enfim, nos desviamos dos princípios mais nobres que deveriam nortear nossa evolução.

Enquanto acreditarmos que os lugares têm influência sobre nós e não que nós que criamos todas as nossas condições e assim podemos influenciar os lugares para o bem e para o mal, vamos continuar seguindo a cartilha do pecado e da salvação, do maniqueísmo cego e pouco reflexivo que nos faz eleger anjos e demônios como autores da nossa história terrena.

A cada tragédia que houver nesta data, haverá quem diga que foi o bloco do Umbral que veio sambar por aqui... E nos cabe refletir o seguinte: Os responsáveis sempre somos nós, inclusive por nossas influências espirituais, pois até por permiti-las, somos responsáveis.

E para não ser irredutível, o Carnaval pode sim, influenciar cada indivíduo de maneira particular. E não há generalizações. Assim como a ausência do sol pode ocasionar depressão em alguns e em outros não. Geralmente é o que o ser já trás por dentro que define o nível de influência. Sempre de dentro prá fora e não de fora para dentro.

E uma última consideração: Quem não se sente seguro das "tentações", melhor mesmo ficar em casa quietinho nesta época de folia, para não aumentar ainda mais a ficha crime dos pobres dos obsessores!

Bom carnaval, onde ele há e onde não há bom início de Março. E lembremos todos, foliões ou não, de cuidarmos de nós mesmos, de nossas tendências e nossas atitudes diárias, pois a pior fantasia que podemos vestir não é a do bloco carnavalesco, é a de vítima. 

* Texto originalmente publicado na página "Espiritismo Simples Expressão" do Facebook. Publicado com a devida autorização da autora.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Reflexos das Lições de Allan Kardec

Por Deolindo Amorim

Há mais de 20 anos, aproximadamente, fizemos uma palestra sobre o aniversário de Allan Kardec, em determinada cidade, e dissemos, sobre a vida do Codificador do Espiritismo, o que teria dito qualquer expositor naquela circunstância, isto é, aquilo que já se conhece, com base nos dados biográficos. Claro que aduzimos alguns comentários, resumidamente, neste ou naquele ponto. Dias depois, em conversa com o presidente do Centro, um dos assistentes lhe fez ver, sem nenhum intuito depreciativo, que a palestra não trouxera “nenhuma novidade”. Evidentemente, não. Que novidade poderíamos levar, se o tema do dia era exatamente a vida de Allan Kardec? E onde colher elementos sobre a vida de Allan Kardec, senão na bibliografia já conhecida e divulgada?...

Segundo uma regra de honestidade intelectual, aliás, muito antiga, em matéria histórica não se pode inventar, principalmente quando se trata da vida de um homem de outra época; se não é lícito inventar, porque é uma distorção da verdadeira crítica histórica, muito menos seria correto, por exemplo, fazer divagações desnecessárias ou inconsistentes apenas para dar a impressão de “coisa nova". Não. Atenhamo-nos às fontes autorizadas, respeitemos os fatos, e estaremos bem, pelo menos com a nossa consciência. Mas uma coisa — estejamos certos — é a vida de Allan Kardec propriamente dita, o homem, enfim, com as suas lutas e a sua grandiosa missão, e outra coisa são as lições de sua vida, aplicadas à realidade atual. 

Há sempre uma reflexão nova no curso de nossas experiências, envolvidas cada vez mais na “engrenagem” de uma sociedade complexa, exigente e absorvente. Aí, sim, as lições de Kardec se nos afiguram novas, novíssimas, desde que saibamos descobrir o momento e o lugar certo das aplicações à vida cotidiana.

Uma de suas lições, ainda hoje com todo o “sabor de atualidade”, é uma referência de 1854, justamente quando começou ele a dar os primeiros passos no campo mediúnico, como bem o declara em “Obras Póstumas”. No entanto, decorrido um período de 126 anos, quando poderíamos dizer que tudo já ficou no passado, o certo é que o procedimento de Allan Kardec ainda se aplica à realidade dos dias presentes com toda a justeza. Disse ele: “Conduzi-me com os Espíritos, como houvera feito com os homens.”

Embora tratando as entidades comunicantes com o devido respeito e a necessária humildade, para ele os Espíritos não tinham prerrogativas de reveladores predestinados. E não é, porventura, um critério sensato, ainda válido em nossos dias? A experiência demonstra que sim. É uma lição que perdura no tempo e no espaço. Não precisamos santificar os Espíritos nem muito menos colocar o médium no pedestal da idolatria para que possamos receber comunicações proveitosas. Desde que nos mantenhamos com dignidade, não exterior ou formal, mas interior, com elevação de pensamentos; desde que tenhamos propósitos justos; desde que façamos por merecer, enfim, o mundo espiritual saberá avaliar as nossas reais necessidades no momento exato.

O simples ambiente de uma reunião espírita bem orientada, preparada com recolhimento e uma prece sincera, já é um campo propício à projeção de influências salutares, ainda que não haja manifestação ostensiva deste ou daquele Espírito. Muito se pode fazer e obter, portanto, sem ser necessário chegar ao deslumbramento. Neste particular, como se vê, Allan Kardec procedeu de uma forma que nos permite aplicar o seu critério, ainda hoje, a diversas situações no trabalho mediúnico. Mas devemos vê-lo por outros prismas.

Se alguém disser que Allan Kardec pensou, há mais de um século, na aliança da competência com a moralidade como estágio evolutivo capaz de firmar o equilíbrio social, certamente não estará dizendo ou revelando novidade, pois o tema está muito bem explanado em “Obras Póstumas”. E o ponto central de suas ideias, neste assunto, se resume no entendimento de uma “aristocracia intelecto-moral”. 

A ideia em si não seria novidade, porém a conjuntura em que nos encontramos atualmente nos leva a esta pergunta: será possível, ou seria possível ajustar, hoje em dia, o pensamento de Allan Kardec à situação do nosso mundo? A ideia é muito antiga, e ninguém iria apresentá-la como inédita, mas estamos diante de fatos novos. E quais são esses fatos? 

Em primeiro lugar, as condições de vida, de um modo geral, são muito diferentes, sensivelmente diferentes das condições em que viveu Allan Kardec. Em segundo lugar, a ideia de aristocracia, no mundo de hoje, o mundo da interação, mundo de dependência e competição, jamais poderia ter o sentido de outrora. É uma palavra que muitas vezes causa arrepio!... Em terceiro lugar, o próprio conceito de moralidade, como estamos vendo a cada passo, vem sofrendo restrições muito graves.

Afinal, que estaria imaginando ou desejando Allan Kardec ao preconizar o advento (não se sabe quando) de uma aristocracia intelecto-moral? Claro que ele tomou a palavra aristocracia no sentido original, pois bem conhecia a raiz do vocábulo; “o poder dos melhores”. Então, seria uma sociedade em que o poder fosse confiado aos melhores cidadãos, mas é preciso entender melhores em moralidade, melhores por serem mais dignos, mais corretos, não pelo sangue nem pela linhagem nobre, como se observava na antiguidade. 

Hoje, porém, naturalmente por força da semântica, aristocracia é o oposto a democracia, porque tomou um sentido acentuadamente discriminatório. “Aristocrata", hoje, é o indivíduo que se coloca acima dos outros, não se confunde, não se “mistura” com a massa. É um conceito que está perdendo sentido cada vez mais. Fala-se em aristocracia social, aristocracia intelectual etc. 

Recorramos de novo ao pensamento de Allan Kardec. Ponhamos, antes, uma questão: pelo fato de estarmos reconhecendo, forçosamente, que tanto o conceito de aristocracia, quanto o conceito de moralidade no mundo atual não coincidem inteiramente com o sentido que tinham esses conceitos no tempo de Allan Kardec, seria cabível dizer que suas palavras se perderam no vazio por falta de adequação aos fatos novos? 

Existem colocações novas em relação ao conceito de moralidade, mas a ideia de Allan Kardec não perdeu a consistência no curso da História, embora se diga, às vezes, que estamos muito longe de uma “aristocracia intelecto-moral”, uma vez que os mais espertos, ainda que não sejam capazes, quase sempre passam à frente dos mais dignos e competentes. Neste caso, Allan Kardec seria simplesmente um visionário, por ter lançado uma ideia irrealizável. Não. A despeito das mudanças que se operaram no mundo, a bem dizer em todos os sentidos, o valor intelectual e o valor moral se reclamam e se completam, pouco importa que muita gente não se preocupe com problemas desta ordem. 

Se o indivíduo tem muita capacidade, mas não se recomenda moralmente, será um condutor desastroso, seja no âmbito da coisa pública, seja no âmbito da economia privada; se é realmente honesto, um modelo de moral, mas inexperiente ou inábil, também não está em condições de assumir certas responsabilidades. 

Em suma, sem a identificação, a verdadeira harmonia da moralidade com a capacidade nunca será possível uma gerência produtiva, sólida e benéfica. É o pensamento de Allan Kardec. E os valores por ele preconizados estão de pé, apesar das novas concepções de vida e dos novos estilos hoje predominantes neste ou naquele segmento da sociedade. 

Tentamos, assim, apresentar Allan Kardec pelo prisma de uma visão social guiada pela compreensão de valores insubstituíveis, sejam quais forem as transformações sociais e as alterações semânticas. Tocamos apenas no assunto, sumariamente.

Vamos procurá-lo, agora, por outro prisma, do qual nos ficaram possivelmente as suas maiores lições: o desinteresse pessoal, a humildade natural e franca com que ele fez questão de declarar que a obra não é de sua autoria, é dos Espíritos. Claro que a Codificação da Doutrina teria de trazer o nome de Allan Kardec. Mas o ensino original, o ensino nuclear, o ensino puro, a gama que deu a base da Doutrina é realmente do Alto. Não querendo, portanto, intitular-se criador de um pensamento renovador nem muito menos autor pessoal de uma ordem de ideias tão luminosas, ideias que viriam abrir o horizonte humano para as mais sérias e mais profundas questões da humanidade, declarou logo cedo, na própria Introdução de “O Livro dos Espíritos”: “A verdadeira Doutrina Espírita está no ensino que os Espíritos deram, e os conhecimentos que esse ensino comporta são por demais profundos e extensos para serem adquiridos de qualquer modo, que não por um estudo perseverante, feito no silêncio e no recolhimento.” 

Com referência explícita a “O Livro dos Espíritos”, disse ele tranquilamente: “O mérito que apresenta cabe todo aos Espíritos que a ditaram”. (O grifo é nosso.) Teve, ele, grande participação pessoal no diálogo que estabeleceu com os Espíritos instrutores, como também nos comentários de ordem pessoal, assim como na elaboração das outras obras, como sabem os espíritas; mas o aspecto relevante, que é uma lição permanente, é a franqueza com que indicou prontamente a autoria espiritual, deixando de lado o seu nome. 

Somente os homens de vocação missionária têm desprendimento para tanto. E, como missionário, acreditou em suas ideias, sempre orientado pelos mentores espirituais. E essas ideias devem influir, e já estão influindo na transformação do mundo, ainda que não produzam efeitos maravilhosos ou impressionantes.

Não estamos esperando, finalmente, que as ideias espíritas modifiquem o mundo por inteiro, como se fosse possível mudar os rumos da vida por um passe de mágica, mas estamos certos, por experiência já vivida, de que nas áreas onde penetra a luz do ensino espírita, a maneira de ver as coisas já é diferente. 

Os jovens que têm formação espírita, por exemplo, formação adquirida nas Mocidades e Juventudes, atualmente numerosas no Brasil, quando realmente conservam as sementes recebidas, vão para a Universidade ou ingressam depois na vida pública com um lastro de princípios orientadores. Já sabem, por isso, que a paz duradoura, a paz profunda, inspirada na mensagem do Cristo, mensagem que está fora e acima de quaisquer configurações geográficas, políticas, religiosas ou culturais, porque o amor é universal; já sabem os que receberam formação espírita — repetimos — que a verdadeira paz não se constrói por meio de fórmulas e atos solenes, mas na consciência do próprio ser humano, apoiada no poder da inteligência e na força do sentimento. Tudo isto, em suma, são reflexos das lições de Allan Kardec.

Fonte: Reformador, outubro de 1980, Rio de Janeiro-RJ. Revista de divulgação da Federação Espírita Brasileira.

Deolindo Amorim nasceu em Baixa Grande-BA, em 23 de janeiro de 1906 e desencarnou no Rio de Janeiro-RJ, em 24 de abril de 1984. É considerado, ao lado de Carlos Imbassahy e Herculano Pires, um dos maiores pensadores espíritas do Brasil. Jornalista, sociólogo, escritor espírita de estilo professoral, extremamente didático e elegante, Deolindo foi um dos maiores divulgadores do Espiritismo como cultura e voltado para a análise de questões da atualidade. Fundou o Instituto de Cultura Espírita do Brasil (ICEB), foi um dos idealizadores da Associação Brasileira de Jornalistas e Escritores Espíritas (Abrajee) e graças ao seu empenho, em conjunto com a Liga Espírita do Brasil, realizou-se no Rio de Janeiro, em 1949, o II Congresso Espírita Pan-Americano. 

Obras: Espiritismo e Criminologia; O Espiritismo e as Doutrinas Espiritualistas; Africanismo e Espiritismo; O Espiritismo e os Problemas Humanos; Ideias e Reminiscências Espíritas; Allan Kardec, o Homem e o Meio, dentre outras.

Retirado do site PENSE - http://viasantos.com/pense/arquivo/1453.html