segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Discussão reflexiva sobre pena de talião, lei de ação e reação e causa e efeito

Por Maria Ribeiro

Propõe-se, desta feita, organizar pensamentos e as reflexões deles decorrentes, com a finalidade de acender discussões acerca de um exame mais maduro dos conceitos: pena de talião, ação e reação e causa e efeito que, com o passar do tempo, foram se tornando objeto de polêmica (mais uma) no seio doutrinário-Espírita.

É do saber geral que a missão de Moisés era educar e disciplinar um povo bruto, bárbaro; para isto estabeleceu leis de acordo com o caráter dos homens. Recebeu o Decálogo, síntese das Leis Divinas, mas o medo e o pavor de um Deus violento e vingativo foram como um freio para conter os instintos animalizados vigentes.

No primeiro capítulo de O Evangelho segundo o Espiritismo, Kardec assinala:

“Esta lei (o decálogo) é de todos os tempos e de todos os países, e tem, por isso mesmo, um caráter divino. Todas as outras são estabelecidas por Moisés, obrigado a manter, pelo temor, um povo naturalmente turbulento e indisciplinado, no qual tinha que combater os abusos enraizados e os preconceitos hauridos na servidão do Egito. Para dar autoridade a suas leis, ele deveu atribuir-lhes origem divina, assim como o fizeram todos os legisladores de povos primitivos; a autoridade do homem deveria se apoiar na autoridade de Deus;... as leis mosaicas, propriamente ditas, tinham, pois, um caráter essencialmente transitório.”

A pena de talião era um castigo imposto a todo aquele que infringisse as normas; era aplicada imediatamente ao infrator com idêntica proporcionalidade à infração cometida. Ao que parece, havia a permissão do Alto, devido às circunstâncias. Em Êxodo 4, v.12 lê-se: “Vai, pois, agora, e eu serei com a tua boca e te ensinarei o que hás de falar”, resposta de “deus” a Moisés num diálogo sobre a missão que lhe caberia no mundo.  As leis mosaicas eram transitórias devido ao fato de que, uma vez atingido o objetivo de educar minimamente o povo, não haveria necessidade de permanecer.

Mas é preciso que se penetre na essência mesma de tal pena: olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé. Para isso, analise-se a questão 764 de O Livro dos Espíritos, onde eles esclarecem:
 
“Jesus disse: quem matou pela espada, perecerá pela espada. Essas palavras não são a consagração da pena de talião? A morte infligida ao homicida não é a aplicação dessa pena?  - Tomai cuidado! Tendes vos enganado sobre essa palavra, como sobre muitas outras. A pena de talião é a justiça de Deus e é ele que a aplica. Todos vós suportais, a cada instante, essa pena, porque sois punidos pelo que pecastes, nesta vida ou em uma outra. Aquele que fez sofrer seus semelhantes, estará numa posição em que sofrerá, ele mesmo, o sofrimento que causou. É o sentido das palavras de Jesus; mas vos disse também: perdoai aos vossos inimigos e vos ensinou a pedir a Deus perdoar as vossas ofensas, como vós mesmos tiverdes perdoado; quer dizer, na mesma proporção que tiverdes perdoado: compreendei-o bem.” (n.m.)
Os Espíritos Superiores disseram que a pena de talião é a justiça de Deus e é ele que a aplica. Ou seja, não parece que esta pena tenha sido apenas mais uma lei disciplinar mosaica, mas sim de caráter divino, essencialmente falando. Daí a impropriedade de se querer fazer justiça pelas próprias mãos, o que caracteriza ódio e vingança, e que está contra a Lei Divina e nega o ensino do Cristo:

“amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem, para que sejais filhos do Pai que está nos céus; porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons e a chuva desça sobre justos e injustos.” (Mt 5, 44 e 45).


No livro “O céu e o inferno” no capítulo VIII - Expiações terrestres, há um relato intitulado por Kardec como “Enterrado vivo – A pena de talião”, onde o Espírito evocado dialoga com Kardec. Eis um trecho:

“-Dissestes: cruel punição de uma feroz existência; mas a vossa reputação, até este dia, não faria supor nada semelhante. Podeis explicar-nos isso? - R...Sabei, pois, uma vez que é necessário vo-lo dizer, que numa existência anterior eu murara uma mulher, a minha! Toda viva numa pequena adega! Foi a pena de talião que devia aplicar-me. Dente por dente, olho por olho.” “- É certo que fostes enterrado vivo por engano? – R. Isso deveria ser assim, porque a morte aparente teve todas as características de uma morte real; estava quase exangue (privado de sangue). Não se deve imputar a ninguém um fato previsto desde antes do meu nascimento.” (n.m.)


O guia do médium esclarece que o próprio Espírito solicitara tal fim com o propósito de evoluir mais depressa; sua vítima o perdoara e o esperava num mundo melhor. Kardec indaga e obtém resposta de Erasto:

”- Que proveito pode tirar a humanidade de semelhantes punições? – R. Os castigos não são feitos para desenvolver a Humanidade, mas para castigar o indivíduo culpado. Com efeito, a Humanidade não tem nenhum interesse em ver os seus sofrerem. Aqui a punição foi apropriada à falta. Por que os loucos? Por que os cretinos? Por que as pessoas paralíticas? Por que os que morrem no fogo? Por que aqueles que vivem anos nas torturas de uma longa agonia, não podendo nem viver nem morrer? Ah! Crede-me, respeitai a vontade soberana e não procureis sondar a razão dos decretos providenciais; sabei-o! Deus é justo e faz bem o que faz.” 

Na questão 621 de O Livro dos Espíritos, o nobre Codificador indaga as Entidades Excelsas onde está escrita a lei de Deus, ao que estas respondem: na consciência. Uma vez que as leis Divinas estão na consciência do homem, ele mesmo é que aplica a própria pena, a própria  condenação, com a permissão da Divindade que julga útil para o crescimento e amadurecimento de cada criatura. Se num tempo as expiações são impostas, noutro pode ser uma escolha do próprio Espírito, agora consciente de sua destinação.

Em Obras póstumas Kardec volta a repetir: “... Eis porque há famílias, povos e raças sobre os quais cai a pena de talião. “ Quem matou pela espada perecerá pela espada”, disse o Cristo; estas palavras podem ser traduzidas assim: Aquele que derramou sangue verá o seu derramado, aquele que passeou a tocha do incêndio em casa de outrem, verá a tocha do incêndio passear em sua casa; aquele que despojou, será despojado; aquele que subjugou e maltratou o fraco, será fraco, subjugado e maltratado, por sua vez, quer seja um indivíduo, uma nação ou uma raça, porque os membros de uma individualidade coletiva são solidários do bem como do mal que se faz em comum.” (Perguntas e problemas. As expiações coletivas)

O fato é que a pena de talião como Lei Divina foi confirmada pelo Cristo: “quem matou pela espada, perecerá ela espada”. Jesus ensinou e exemplificou o perdão, mas não que a culpa do agressor seria atenuada por causa disso. Quando disse “a cada um segundo as suas obras”, repetia com outras palavras a mesma lei.

A lei de ação e reação é uma lei física, material, que estabelece uma reação igual e proporcional à ação. Nada impede que, por comparação, seja referida às questões morais; afinal ações e reações não precisam ser, necessariamente, materiais. A não ser que se entenda por bem ou por mal somente ações (ou reações) perfeitamente materiais, palpáveis, perceptíveis. Um pensamento mau em relação ao semelhante é uma ação má, por exemplo, e uma prece é uma ação boa, sendo as sensações agradáveis que se sentem após uma prece, reações igualmente boas. O ato de perdoar, que não é palpável, é uma ação no bem.

Pena de talião vista nas circunstâncias da época de Moisés e esta lei de Newton, comparativamente, são muito semelhantes. Levadas para as questões morais-espirituais, não perdem a semelhança, se forem consideradas sob o aspecto essencial, as entrelinhas. O recado é: “faça aos homens o que desejaríeis que os homens vos fizessem.”

Causa e efeito não é, propriamente falando, uma lei, mas uma decorrência da lei de liberdade, (tratada no capítulo X da terceira parte de O Livro dos Espíritos); aliás, a causa é que decorre do livre arbítrio, pois o efeito está sob o controle das Leis Universais. 

É preciso que se ressalte que o livre arbítrio oferece ao homem total responsabilidade sobre seus atos,  portanto, a causa, a raiz, a origem dos males se encontra no homem, que tem a liberdade de escolher não fazê-los, mas os efeitos estão sob a guarda, ou melhor, sob o domínio da lei Divina; ou seja, a causa depende do homem e o efeito, que é dependente da causa, será aplicado segundo a vontade de Deus. (n.m.)

As Letras Espíritas oferecem todo o ensino da Verdade que os homens hoje têm condições de compreender. Preconceitos, idéias e opiniões particulares só complicam o que Allan Kardec simplificou. Entende-se que por se tratar de coisas tão transcendentes, para muitos de nós, alguns temas ainda se façam obscuros, mas deve-se a todo custo evitar que interpretações equivocadas se disseminem em nome da Doutrina Espírita. Neste caso específico, muito se publicou a respeito, tentando-se estipular uma separação tão grande sobre estes três conceitos, quando, essencialmente, falam sobre a mesma coisa. A pena de talião, da forma que era feita, sim, é reprovável; mas entendido que foi que a ocasião evolutiva o exigia, não há razão para que seja rechaçada e desconsiderada como se representasse algo remoto para um povo específico; agora vê-se que trata-se de uma lei, em sua essência, toda Divina.

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