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quarta-feira, 9 de março de 2011

Centros Espíritas - Identificação, Estrutura e Funcionamento

Por Nícia Cunha

Centradas no entendimento religioso da Doutrina Espírita, sofrendo influências de diversas religiões, especialmente as cristãs, africanas e indígenas, as casas espíritas tradicionalmente ostentam nomes que remetem ao conceito de lugar sagrado.

Assim, acompanhando a adjetivação espírita, não é incomum encontrar termos como: templo, congregação, sinagoga, tenda, casa de pai fulano, centro de irmão beltrano, etc. Existem ainda instituições que reverenciam ícones católicos, homenageiam pessoas já mortas ou ainda vivas, que se destacaram no meio espírita e que são consideradas quase “santas”.

Incorrem em erro, pois essa nomenclatura nega, altera ou reduz a identidade espírita e suas propostas originais. É contraproducente também em termos de comunicação social, pois utilizam signos e linguagem que não a especificam ideologicamente, não esclarecem qual seja sua visão, suas metas, ou como atuam.

Deveria haver no âmbito espírita, um movimento de conscientização sobre essas impropriedades, visando eliminar essas denominações, substituindo-as por outras que melhor definissem a atividade, o caráter e o propósito da doutrina.

A estrutura funcional e as práticas da maioria dos centros espíritas são tão inadequadas quanto os nomes. A rigor, inexistem instituições nos moldes do Instituto Parisiense de Estudos Espíritas, fundado por Kardec, que atuava sob enfoque filosófico e com metodologia científica de pesquisa.

A descoberta (e não uma revelação, no sentido místico) da realidade do espírito e do intercâmbio entre encarnados e desencarnados, impôs um conceito ético e moral, que, entretanto não justifica o desenvolvimento de uma religião. Não é necessário seguir um credo, para se viver com moralidade e ética.

A maioria dos espíritas brasileiros, e conseqüentemente, a sociedade em geral, acha que Kardec recomendava práticas evangelizadoras por haver escrito o livro "O Evangelho Segundo o Espiritismo". Kardec não escreveu ou compilou obras de pregação religiosa, não visava fazer apologia e proselitismo cristão. Seu objetivo era o de explicar o pensamento de Jesus sob o enfoque espírita. Por isso, naquela obra, endossou apenas o aspecto moral de seus ensinamentos, não sancionou sua biografia divinizada e seus milagres, alertando para a falta de comprovação histórica desses relatos dos evangelhos canônicos.

Nem mesmo a máxima espírita mais conhecida – “Fora da caridade não há salvação”, escapou de desvirtuamento, pois não é uma recomendação explícita, mas uma paráfrase. O movimento espírita fixou-se em atividades de consolo espiritual e distribuição de bens materiais, distanciando-se do cerne da proposta doutrinária, que privilegia a educação individual e coletiva, única saída para a elevação qualitativa da sociedade. Seria o caso de se perguntar a que se dedicarão os espíritas, quando não mais houver pobres no planeta. Ou de que se ocupam as criaturas que habitam orbes mais avançados do Universo, que não tenham tais desníveis sociais.

Há casas espíritas cujos nomes enfatizam essa distorcida noção de caridade: Pão dos Pobres, Socorristas de Maria, Amantes da Pobreza, etc. Inclusive, nestes dois últimos exemplos, além de incorrerem no erro conceitual, o fazem também no semântico, pois as denominações podem ter dupla significação: pessoas que socorrem a santa católica; amor à pobreza, propriamente dita.

Discriminam os carentes já a partir dos nomes, mantêm atividades assistencialistas sem desenvolver trabalhos educativos que despertem potencialidades e firmem noções de cidadania, para conscientizá-los sobre seus direitos e deveres, tanto individuais como coletivos.

Dessas e de outras interpretações incorretas derivam-se os problemas de caracterização e funcionamento de um centro espírita. A obra kardequiana afirma que a Doutrina Espírita não possui dogmas, hierarquias e cultos. Causa espanto, o fato de os espíritas repetirem essa definição, mas não assumirem que, na prática, há hierarquização e ritualização.

De fato, a federativa nacional é vaticanista, as estaduais funcionam como arcebispados e os centros como paróquias. Em todos os níveis, a quase totalidade dos dirigentes é vitalícia, ou promovem alternâncias periódicas entre os integrantes de grupos fechados e inamovíveis.

No Brasil, o Centro Espírita já virou igreja. É um fato sociologicamente definido. A sua estrutura funcional repete rituais de outras religiões cristãs. As missas católicas adotam módulos entremeados de cânticos e responsórios: Introdução, Ofertório, Leitura do Evangelho, Consagração da Hóstia, Comunhão, Bênção Final, com água benta aspergida sobre a assistência ou individualmente colhida à saída do recinto.

Na casa espírita, sempre de maneira solene e mística, acontecem: prece de abertura, pequena leitura ou preleção religiosa, palestra/sermão de caráter evangélico, oração final, passes e ingestão de "água fluidificada". Algumas instituições até adotam coros e cantorias. A coincidência não é fortuita. É atavismo e desconhecimento do que realmente seja a filosofia espírita.

Para os espíritas religiosos, está tudo correto, embora a divergência com o que Kardec ensinou e praticou. Segundo esse segmento, o espírita deve mesmo ser um pregador do Evangelho, ainda que em nítida desvantagem em relação aos católicos e protestantes que estudam teologia para bem desempenhar seu trabalho, que além do mais, é profissão.

Excetuando algumas pessoas que usam seus conhecimentos gerais e acadêmicos para embasar suas prédicas, a grande maioria é composta por pessoas comunicativas, imbuídas de espírito missioneiro, não raro vaidosas e/ou fanáticas, que embora bem intencionadas, não possuem preparo intelectual ou doutrinário.

Disso, resulta empirismo, interpretações pessoais ou de grupos. Não há estudos, mas sim, catequese. Paradoxalmente, onde deveria haver livre exame de conteúdos, só ocorre veiculação de conceitos repetidos. Os líderes das instituições não se questionam e nem permitem questionamentos sobre a correção do teor daquilo que divulgam. Ficam ofendidos quando isso ocorre, procuram afastar, disfarçada ou ostensivamente, a pessoa que provoca o debate ou diverge. Com poucas exceções, o ensino doutrinário é uma balbúrdia sem metodologia aplicada, tem caráter limitado e reducionista, é feito por tradição oral, tem apenas enfoque evangelizador. Quando muito, os monitores usam apostilas mal compiladas, com pouca base na Codificação, mas que reproduzem idéias de autores encarnados e desencarnados de obras denominadas “literatura complementar”.

O espírita se jacta, afirmando que a doutrina, além de ser religião, é filosofia e ciência. Mas não se faz ciência nos centros espíritas. Não há pesquisas ou experiências metodologicamente estruturadas, ou efetiva comprovação de fenômenos. É só crença, visão estratificada, dedução empírica ou simplesmente, vôos da imaginação. Onde a ciência, então?

Na França, depois de Kardec, o Espiritismo morreu. Muitas razões são apontadas, sendo a mais consistente, os entraves decorrentes das duas grandes guerras do Século XX, que assolaram a Europa. Curiosamente, elas não mataram outras idéias vigentes ou introduzidas à época, que ainda hoje honram e destacam os franceses, ciosos da racionalidade aprendida com seus proeminentes pensadores (René Descartes à frente) e magistralmente utilizada por Kardec.

É muito provável que o aniquilamento da doutrina Kardecista na França tenha ocorrido devido às influências místicas, pois impulsionada por Roustaing, caiu na vala comum da religiosidade crédula. Há uma real possibilidade de ali ter sido esquecida porque deixou de ter o apelo da razão e da lógica, sob as quais nasceu.

No Brasil, firmou-se o avesso dessa gênese: a liderança mística adotou, expandiu e sedimentou a visão religiosa, sem raciocinar que, se Deus é perfeito, portanto despido de prepotência e vaidade, não impõe e nem precisa de nossas súplicas, reverências e bajulações, dispensando dogmas, ritos e crendices no trajeto de sua criatura em direção à perfeição relativa que pode alcançar.

Retirado do site http://assepe.org.br/txt_nicia_centros.html

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O Centro Espírita - Introdução

Por José Herculano Pires

Se os espíritas soubessem o que é o Centro Espírita, quais são realmente a sua função e a sua significação, o Espiritismo seria hoje o mais importante movimento cultural e espiritual da Terra. Temos no Brasil – e isso é um consenso universal – o maior, mais ativo e produtivo movimento espírita do planeta. A expansão do Espiritismo em nossa terra é incessante e prossegue em ritmo acelerado. Mas o que fazemos, em todo este vasto continente espírita, é um esforço imenso de igrejificar o Espiritismo, de emparelhá-lo com as religiões decadentes e ultrapassadas, formando por toda parte núcleos místicos e, portanto fanáticos, desligados da realidade imediata. Dizia o Dr. Souza Ribeiro, de Campinas, nos últimos tempos de sua vida de lutas espíritas: “Não compareço a reuniões de espíritas rezadores!”. E tinha razão, porque nessas reuniões ele só encontrava a turba dos pedintes, suplicando ao Céu ajuda. Ninguém estava ali para aprender a Doutrina, para romper a malha de teias de aranha do igrejismo piedoso e choramingas. A domesticação católica e protestante criara em nossa gente uma mentalidade de rebanho. O Centro Espírita tornou-se uma espécie de sacristia leiga em que padres e madres ignorantes indicavam aos pedintes o caminho do Céu. A caridade esmoler, fácil e barata, substituiu as gordas e faustosas doações à igreja. Deus barateara a entrada do Céu, e até mesmo os intelectuais que se aproximam do Espiritismo e que tem o senso crítico, se transformam em penitentes. Associações espíritas, promissoramente organizadas, logo se transformam em grupos de rezadores pedinchões.

O carimbo da igreja marcou fundo à nossa mentalidade em penúria. Mais do que a subnutrição do povo, com seu cortejo trágico de endemias devastadoras, o igrejismo salvacionista depauperou a inteligência popular, com seu cortejo de carreirismo político-religioso, idolatria mediúnica, misticismo larvar, o que é pior, aparecimento de uma classe dirigente de supostos missionários e mestres farisaicos, estufados de vaidade e arrogância. São os guardiões dos apriscos do templo, instruídos para rejeitar os animais sacrificiais impuros, exigindo dos beatos a compra de oferendas puras nos apriscos sacerdotais. Essa tendência mística popular, carregada de superstições seculares, favorece a proliferação de pregadores santificados, padres vieiras sem estalo, tribunos de voz empostada e gesticulação ensaiada. Toda essa carga morta esmaga o nosso movimento doutrinário e abrem as suas portas para a infestação do sincretismo religioso afro-brasileiro, em que os deuses ingênuos da selva africana e das nossas selvas superam e absorvem os antigos e cansados deuses cristãos. Não no clima para o desenvolvimento da Cultura Espírita.

As grandes instituições Espíritas Brasileiras e as Federações Estaduais investem-se por vontade própria de autoridade que não possuem nem podem possuir, marcadas que estão por desvios doutrinários graves, como no caso do roustainguismo da FEB e das pretensões retrógradas de grupelhos ignorantes de adulteradores. Teve razões de sobra André Dumas, do Espiritismo Francês, em denunciar recentemente, em entrevista à revista Manchete, a situação caótica e na verdade antiespírita do Movimento Espírita Brasileiro. A domesticação clerical dos espíritas ameaça desfibrar todo o nosso povo, que por sua formação igrejeira tende a um tipo de alienação esquizofrênica que o Espiritismo sempre combateu, desde a proclamação da fé racional por Kardec, contra a fé cega e incoerente, submissa e farisaica das pregações igrejeiras.

Jesus ensinou a orar e vigiar, recomendou o amor e a bondade, pregou a humildade, mas jamais aconselhou a viver de orações e lamúrias, santidade fingida, disfarçada em vãs aparências de humildade, que são sempre desmentidas pelas ambições e a arrogância incontroláveis do homem terreno. Para restabelecermos a verdade espírita entre nós e reconduzirmos o nosso movimento a uma posição doutrinária digna e coerente, é preciso compreender que a Doutrina Espírita é um chamado viril à dignidade humana, à consciência do homem para deveres e compromissos no plano social e no plano espiritual, ambos conjugados em face das exigências da lei superior da Evolução Humana. Só nos aproximaremos da Angelitude, o plano superior da Espiritualidade, depois de nos havermos tornado Homens.

Os espíritas atuais, na sua maioria, tanto no Brasil como no mundo, não compreenderam ainda que estão num ponto intermediário da filogênese da divindade. Superando os reinos inferiores da Natureza, segundo o esquema poético de Léon Denis, na seqüência divinamente fatal de Kardec: mineral, vegetal, animal e homem, temos o ponto neutro de gravidade entre duas esferas celestes, e esse ponto é o que chamamos ESPÍRITA. As visões fragmentárias da Realidade se fundem dialeticamente na concepção monista preparada pelo monoteísmo. Liberto, no ponto neutro, da poderosa reação da Terra, o espírita está em condições de se elevar ao plano angélico. Mas estar em condições é uma coisa, e dar esse passo para a divindade é outra coisa. Isso depende do grau de sua compreensão doutrinária e da sua vontade real e profunda, que afeta toda a sua estrutura individual. Por isso mesmo, surge então o perigo da estagnação no misticismo, plano ilusório da falsa divindade, que produz as almas viajoras de Plotino, que nada mais são do que os espíritos errantes de Kardec. Essas almas se projetam no plano da Angelitude, mas não conseguem permanecer nele, cedendo de novo à atração terrena da encarnação. Muitas vezes repetem a tentativa, permanecendo errantes entre as hipóstases do Céu e da Terra. Plotino viu essa realidade na sua intuição filosófica e na sua vidência platônica. Mas Kardec a verificou em suas pesquisas espíritas, escudadas na observação racional dos fatos. Apoiado na Razão, essa bússola do Real, ele nos livrara dos psicotrópicos do misticismo, oferecendo-nos a verdade exata da Doutrina Espírita. Nela temos a orientação precisa e segura dos planos ou hipóstases superiores, sem o perigo dos ciclos muitas vezes repetidos do chamado Círculo Vicioso das Reencarnações, que os ignorantes pretendem opor à realidade incontestável da reencarnação. Pois se existe esse círculo vicioso, é isso bastante para provar o processo reencarnatório. O vício não está no processo, mas na precipitação dos homens e dos espíritos não devidamente amadurecidos, que tentam forçar a Porta do Céu.

Se no Brasil sofremos os prejuízos do religiosismo ingênuo de nossa formação cultural, na França e nos demais países europeus – segundo as próprias declarações de André Dumas – o prejuízo provém de um cientificismo pretensioso, que despreza a tradição francesa da pesquisa cientifica espírita, procurando substitui-la pelas pesquisas e interpretações parapsicológicas. Esse menosprezo pedante pelo trabalho modelar de Kardec levou o próprio Dumas a desrespeitar a tradição secular da Revue Spirite, transformando-a num simulacro de revista cientifica do Ano 2000. As pesquisas da Parapsicologia seguiram o esquema de Kardec e foram cobrindo no tempo, sucessivamente, todas as conquistas do sábio francês. Pegada por pegada, Rhine e seus companheiros cobriram o rastro cientifico de Kardec. O mesmo já acontecera com Richet na Metapsiquica, com Crookes e Zollner e todos os demais. Toda a pesquisa psíquica honesta é válida, nesse campo, até mesmo a dos materialistas russos atuais ficaram presas ao esquema de Kardec, o que prova a validade irrevogável desta. Começando pela observação dos fenômenos físicos, todas as Ciências Psíquicas, nascidas do Espiritismo fizeram a trajetória fatal traçada pelo gênio de Kardec e chegaram as suas mesmas conclusões. As discordâncias interpretativas foram sempre marcadas indelevelmente pelos preconceitos e as precipitações da advertência de Descartes no Discurso do Método e pela sujeição aos interesses das igrejas, como Kardec já assinalara em seu tempo. A questão da terminologia é puramente supérflua, e como dissera Kardec, serve apenas para provar a leviandade do espírito humano, mesmo dos sábios, sempre mais apegado à forma que ao fundo do problema.

No Espiritismo o quadro fenomênico foi dividido por Kardec em duas seções: Fenômenos Físicos e Fenômenos Inteligentes. Na Metapsíquica, Richet apresentou o esquema de Metapsíquca objetiva e Metapsíquica subjetiva. Na Parapsicologia os fenômenos espíritas passaram a chamar-se Fenômenos Psi, com a divisão de Psicapa (objetivos) e Psigama (subjetivos). Quanto aos métodos de pesquisa, Crookes e Richet ativeram-se à metodologia cientifica da época, e Rhine limitou-se a passar dos métodos qualitativos para os quantitativos, inventando aparelhagens apropriadas aos processos tecnológicos atuais, apelando à estatística como forma de controle e comprovação dos resultados, o que simplesmente corresponde às exigências atuais nas Ciências. Kardec teve a vantagem de haver acentuado enfaticamente a necessidade de adequação do método ao objeto especifico da pesquisa. O próprio método hipnótico de regressão da memória, para as pesquisas da reencarnação, aplicado por Albert De Rochas do século passado, foi aproveitado pelo Prof. Vladimir Raikov. Na Romênia, o preconceito quanto ao Espiritismo gerou uma nova denominação para a Parapsicologia: Psicotrônica. Com esse nome rebarbativo, os materialistas romenos pretendem exorcizar os perigos de um renascimento espírita em seu país.

Todos esses fatos nos mostram que a Doutrina Espírita não chegou ainda a ser conhecida pelos seus próprios adeptos em todo o mundo. Integrado no processo doutrinário de trabalho e desenvolvimento, o Centro Espírita carecia até agora de um estudo sobre as suas origens, o seu sentido e a sua significação no panorama cultural do nosso tempo. É o que procuramos fazer neste artigo, com as nossas deficiências, mas na esperança de que outros estudiosos procurem completar o nosso esforço. Lembrando o Apóstolo Paulo, podemos dizer que os espíritas estão no momento exato em que precisam desmamar das cabras celestes para se alimentarem de alimentos sólidos. Os que desejam atualizar a Doutrina, devem antes cuidar de se atualizarem nela.

Artigo extraído do livro "O Centro Espírita" - 4ª Edição - Maio - 1992.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Espírito Desencarnado não é Santo

Por Alamar Régis Carvalho

O grande problema de uma doutrina são os equívocos praticados por alguns dos seus profitentes. A Doutrina Espírita também é vítima disto, pelo que fazem alguns espíritas que, apesar da boa vontade que estão investidos no movimento e até mesmo da honestidade de propósitos, não se dão muito ao trabalho de entender bem os postulados doutrinários, a base fundamental da doutrina, na sua essência, e terminam prejudicando o entendimento do Espiritismo.

É exatamente por causa desses conhecimentos apenas superficiais da doutrina que ainda há muita prática igrejeira em nosso movimento, com todos os ingredientes do espírito de igreja, com as proibições, as obrigações, as censuras, as rezações excessivas, os rituais, as perseguições e todas essas coisas.

Analisemos aqui a questão da concepção dos espíritos pelos espíritas. Antes que eu faça a minha abordagem, vale relermos “O Livro dos Espíritos”, em seu livro segundo, que fala do “Mundo Espírita ou dos Espíritos”, da natureza dos espíritos de um modo geral, da influência deles em nossas vidas, etc.

É muito comum ouvirmos pessoas dizerem:

- “Esta coisa tem que ser assim, porque o Espírito tal disse que tem que ser assim, no livro tal”.

- “A nossa instituição vai ter que trabalhar desta forma, porque o mentor da casa disse que tem que ser desta forma”.

- “Fulano está errado e não deve ser levado a sério, porque o espírito tal, no livro tal, coloca a coisa de uma maneira diferente”.

- “Isto não é Espiritismo!!!!”.

Expressões como estas são ouvidas a todo momento no meio espírita. Daí resultam aquilo que chamo de “Espiritismos à moda da casa”, quando vários dirigentes, em diversas localidades, fazem do Espiritismo o que bem entendem, embora laborando na doutrina com honestidade e dedicação.

A grande confusão que existe é a concepção dos Espíritos, quando muitos os vêem como verdadeiros santos, donos absolutos da verdade, conhecedores de todas as coisas, perfeitos e infalíveis como se fossem o próprio Deus.

É preciso que todos nós espíritas entendamos bem aquilo que a obra básica da doutrina nos ensina, que diz que os espíritos desencarnados são exatamente os espíritos dos homens que viveram encarnados na Terra.

Se uma pessoa não foi espírita, quando encarnada, não vira espírita imediatamente à sua desencarnação. Poderá, depois de algum tempo, aceitar as idéias espíritas; do mesmo jeito que poderia aceitá-las, como muitos passam a aceitar, quando estão encarnados. Mas poderá também não querer aceitar.

Se uma pessoa, enquanto encarnada, viveu advogado aqui, praticando a advocacia como sua vocação e profissão, depois que desencarna não terá tendência para ser “espírito de cura”, já que não teve qualquer afinidade com a medicina ou a enfermagem. Continuará gostando do direito, das leis, dos “data venia”, do “vamos fazer uma juntada aos autos do processo”, do “transitado e julgado” etc.

Se um espírito foi padre ou freira, quando encarnado, amante da sua venerável igreja católica, não vai deixar de amar a sua igreja, depois que morre, por mais que tome consciência da sua condição de desencarnado, entenda a possibilidade da comunicação mediúnica, passe a usar um médium para se comunicar, crie simpatia pelo Espiritismo e resolva até escrever livros, exercendo o seu amor pela educação, pelo ensinar e pela aplicação dos seus conhecimentos de um modo geral.

Só que tentará passar para as pessoas, mesmo espíritas, orientações conforme a sua cultura adquirida que, queiramos ou não, trás o ranço católico. É natural que não vá passar idéias inquisitoriais, recomendações a determinadas formalidades, rituais ou qualquer procedimento católico que ele não aceita, do mesmo jeito que nos dias atuais já conseguimos identificar padres que, mesmo encarnados, não aceitam determinados dogmas e procedimentos que a sua igreja impõe. Antigamente o padre que se atrevesse a pelo menos insinuar que não aceitava pelo menos um dogma da igreja, era queimado sumariamente. Hoje a coisa está mais livre.

Nós temos um problema muito sério, no movimento espírita, no campo da moralidade, por exemplo, problema esse que gera outros para as pessoas.

Geralmente os Espíritos que são mais conhecidos no movimento espírita, que escrevem livros, que enviam mensagens através dos mais famosos médiuns, são pessoas que desencarnaram nas décadas de dez, de vinte, de trinta... mais ou menos.

Raramente nos vemos um espírito escrever algum livro pelo Divaldo, por exemplo, ou por outro médium, que tenha desencarnado na década de setenta. Falo desses espíritos que são considerados modelos doutrinários pelo movimento, não espíritos como aqueles da Editora Petit, embora respeitáveis.

Acompanhem o meu raciocínio:

Uma pessoa que viveu até a década de vinte, por exemplo, tendo desencarnado com 70 anos, mais ou menos, certamente deve ter nascido por volta do ano de 1850.

Que tipo de cultura ele adquiriu no período da sua vida como encarnado, acerca do que seria moral, da relação homem mulher, dos direitos do homem e dos direitos da mulher, etc, vivendo no período de 1850 a 1920?

Conceber a mulher como um ser inferior ao homem, que deveria se limitar aos afazeres domésticos, jamais a sair também para trabalhar fora, em igualdade de condições, era uma concepção machista desse espírito?

Claro que não. É machista hoje, nos nossos dias, mas no tempo dele era absolutamente normal, era o que era moral.

Discutia-se abertamente as questões sobre o sexo nas escolas? Nem pensar! Seria considerada a maior imoralidade.

Hoje o assunto é abordado, naturalmente, não apenas nas escolas, como também na televisão, onde até órgãos sexuais masculinos e femininos, em látex, são mostrados para crianças pegarem, vêem como funcionam, com câmeras mostrando em close, e ninguém mais se escandaliza com isto, a não ser mentes altamente poluídas e retrógradas que ainda existem nos dias atuais.

Mas o espírito em questão veria a coisa com essa naturalidade de hoje? Claro que não, veria como imoralidade conforme a cultura da sua época.

Mas aí há um outro questionamento que, de fato, tem fundamento:

Os espíritos, depois de desencarnados, continuam o curso das suas vidas normalmente, continuam os seus aprendizados, as suas buscas, pesquisas e aperfeiçoamento das suas idéias.

Nem todos.

Aqui na Terra, algumas pessoas concluem as suas graduações, nos diversos cursos superiores, e param por aí. São muitos os médicos que se formam, entram numa das vertentes das especialidades e ficam acomodados naquele conhecimento, sem se preocuparem com Mestrado, Doutorado, Pós Graduação em geral, participação em Congressos, Seminários, assinaturas de revistas e periódicos, porém trabalhando honestamente, lidando com dedicação, amor e respeito aos seus pacientes, no entanto estacionaram os seus conhecimentos.

Conheço oftalmologista formado há mais de 40 anos, que nunca fez qualquer pós graduação muito menos participou de congresso algum.

No Direito, nas diversas Engenharias e em todos os outros segmentos ocorrem a mesma coisa.

Você vai encontrar, entre os espíritos encarnados, alguns que, embora desencarnados na década de 20, continuaram a acompanhar o processo evolutivo, inclusive do plano encarnado e falam como se estivessem vivendo aqui hoje.

A Joanna de Ângelis, por exemplo, é um espírito que desencarnou em 1823, mas fala tranqüilamente sobre Carl Gustav Jung, que nasceu em 1875 e desencarnou em 1961, com um detalhe: Ela viveu no Brasil e ele na Suíça.

Mas tem outro detalhe que precisamos considerar: Ela foi freira, em várias das suas encarnações, inclusive na última, e como freira foi uma mulher extremamente digna, honesta e moralmente elevada.

Por estar em Paz com a sua consciência, já que o postulado espírita, que ela também passou a admirar, diz que A Lei de Deus está escrita na nossa consciência, ela obviamente deve conceber a sua vida como freira absolutamente correta e os conceitos obtidos no seio católico como sendo morais.

Continua freira, o que é absolutamente normal. Tanto que quando se apresenta a algum médium vidente, está sempre com a vestimenta de freira.

Outro aspecto que deve ser considerado:

O fato de um espírito desencarnado entender que ele pode se comunicar com o mundo material através de um médium, possibilidade que vem sendo dita pelo Espiritismo há muito tempo, não quer dizer que ele aceite o Espiritismo, se não aceitava enquanto encarnado.

Tenho mais um exemplo a citar:

Com o médium José Medrado, trabalham vários espíritos, com destaque para aqueles que gostam de pintar quadros.

Acontece que no meio deles, tem um que é padre e que não aceita o Espiritismo.

Veja só que coisa mais interessante: Se o Medrado participar de algum evento de pintura mediúnica em alguma instituição espírita, esse espírito se recusa a comparecer e, obviamente, não pinta nada. Mas se o evento acontece em um clube ou qualquer lugar neutro, já que é comum o citado médium realizar esse tipo de trabalho em ambientes não espíritas, olha ele lá, já querendo lugar na fila.

Vá explicar uma coisa dessa.

Segundo relata Medrado, trata-se de um espírito dócil, bom e carinhoso, mas pensa desse jeito e exige que todo mundo respeite o seu modo de ser, o que é um direito que ele tem.

Deixa de ser bom por causa disto?

Se você quiser me qualificar como alguns dirigentes me qualificam, pela minha absoluta independência de pensamento, que qualifique, mas eu, sinceramente, não leio obra espírita nenhuma, seja do espírito que for, já com a idéia preconcebida de que tudo o que vou ler ali é a verdade absoluta, que não deve ser discutida e nem questionada.

Se eu questiono até o Evangelho, que foi colocado no mundo como a “Boa Nova” do Cristo, como aquele caso da parábola da figueira, que eu não engulo de jeito nenhum, porque o meu bom senso convida-me e perguntar a mim mesmo:

“Será que o episódio aconteceu exatamente daquele jeito como foi relatado pelo evangelista?”.

Pense você, raciocine você e veja se tem sentido Jesus, com toda aquela excelência que ele foi, ter vontade de comer figo, encontrar uma figueira que não tinha nenhum fruto para lhe satisfazer, numa época em que não era tempo de figos, de repente se aborrecer daquele jeito e amaldiçoar a pobre da árvore e ainda jogar-lhe uma praga!!! Tem cabimento, uma coisa dessa?

Aí aparece um monte de gente para fazer palestras, dando as mais diversificadas interpretações para aquilo, pra coisa ficar “bonitinha”. Ora, tenha a santa paciência.

Para concluir é bom que todos entendamos que ninguém vira santo depois que desencarna, ninguém vira sábio, adquire todos os conhecimentos, fica dono de verdade absoluta e muito menos deve ser aceito em todos os seus conceitos e opiniões sem a devida análise o mais criteriosa possível.

Aproveito aqui para dizer às pessoas amigas que costumam me convidar para fazer palestras em algumas cidades. Se vocês me convidarem, como muitos convidam, para participar de reuniões mediúnicas, digam antes à direção da casa que o Alamar costuma gostar de conversar com os espíritos, gosta de questionar e de esclarecer todas as colocações feitas que não ficam bem claras. Comigo não tem esse negócio de silêncio absoluto e apenas ficar ouvindo, ouvindo, ouvindo e dizendo amém para o que espírito fala não.

É bom que se saiba, também, que muitos conceitos impostos por muitos espíritas, com base no que disse o espírito A ou B, principalmente no campo da moralidade, devem ser considerados como opiniões pessoais deles, e nem sempre devem ser absorvidos como a verdade absoluta. Principalmente quando entramos mais fundo na questão e identificamos um pouco da “cabeça” do médium na mensagem.

Ihhhhh! Aí já é uma outra matéria, que demandariam algumas páginas a mais.

A excelência do Espiritismo só se desperta onde existem espíritas lúcidos, sensatos e coerentes. Fora disso, o que encontramos é apenas prática de religião espírita.

Amém.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Projeto Kardequizar

Por Salomão Jacob Benchaya

Uma nova etapa de trabalho se desdobra à nossa frente, convocando as lideranças espíritas a se manterem empenhadas na sua dinamização e expansão, com vistas à penetração e vivência das idéias espíritas em todos os segmentos da sociedade, atentas, entretanto, à proposta consubstanciada na Codificação Kardequiana. Esta última observação faz sentido no momento em que uma parcela da comunidade espírita do país se apercebe e se reverbera que o movimento espírita brasileiro, embora dinâmico, realizador e gozando de indiscutível prestígio junto à sociedade, ideologicamente vem se distanciando, em alguns setores, das diretrizes traçadas pelo Codificador.

Não somos os primeiros a chamar a atenção para essa realidade e não é nosso propósito causar melindres pessoais, já que nos cingimos à análise dos fatos, sem referências particulares a pessoas ou instituições, mas desejando, isto sim, convocar os trabalhadores espíritas a uma reflexão séria acerca dos rumos do nosso movimento.

É certo que o povo brasileiro, por sua própria formação étnica e cultural, apresenta acentuada índole mística com traços marcantes de emocionalidade em seu comportamento, contrastando, por isso, com a postura mais racional e fria do europeu, por exemplo. Esse traço característico de nossa gente, naturalmente que não poderia deixar de se refletir nas atitudes dos espíritas, não obstante o convite da Doutrina à "fé raciocinada". É preciso que se distinga, no entanto, o comportamento místico-afetivo das massas, que não é necessariamente negativo, do exagerado afeiçoamento da ação dos espíritas a padrões confessionais e ritualísticos, velados ou explícitos, que caracterizam um processo de sectarização indesejável e insustentável à luz do Espiritismo.

Lamentavelmente, constata-se nos arraiais espíritas procedimentos os mais esdrúxulos na prática doutrinária, como reflexos do desconhecimento e da má interpretação dos postulados espíritas, agravados pelos condicionamentos atávicos igrejeiros dos quais não conseguimos, ainda, nos desvencilhar.

Não são raras ocorrências como as que citaremos a seguir, tendentes a transformar o Espiritismo em mais uma seita, pela subversão dos seus ideais, ressalvadas honrosas e justas exceções.

Liturgia da Prece.

Vemos, por exemplo, preces como verdadeiros atos litúrgicos, formalizadas, longas, por vezes decoradas, ditas em tom compungido e piedoso. Casas espíritas realizando sessões de preces sem objetivo doutrinário, preces encomendadas por terceiros, algumas até adotando posições especiais para orar. Adeptos há que utilizam impressos contendo preces e até fotografias de vultos espíritas à guisa de amuletos protetores.

Na área das chamadas irradiações, a falta de orientação doutrinária conduz os freqüentadores a transferir para os dirigentes a tarefa de interceder junto à Divindade para amenizar os padecimentos de encarnados e desencarnados, para isso bastando colocar os nomes dos beneficiários em recipientes ou longas listagens, muitas vezes sem qualquer participação dos interessados na prece coletiva.

Batismos, Casamentos, etc.

Muito embora o Espiritismo não possua ritos sacramentais, estes vão sendo sutilmente introduzidos - às vezes, até ostensivamente - com a realização, no recinto das sociedades, de preces especiais por ocasião de nascimentos, casamentos, colação de grau, indo até a realização de velórios, como se a Doutrina Espírita comportasse tais cerimônias religiosas. Não que ela recuse a prece em qualquer circunstância, mas sim a sua formalização hierática. Há algum tempo, vimos publicado em jornal de grande circulação, em Porto Alegre, convite para fazer "prece de sétimo dia" pela alma de um confrade. Isso para não falarmos de que a Federação do Rio Grande do Sul já recebeu proposta de um dirigente no sentido de analisar a conveniência de as Casas Federativas adotarem o batismo, o casamento, etc., uma vez que seria falta de caridade não darmos esse tipo de atendimento aos adeptos espíritas.

Culto externo.

O aprisionamento ao culto externo, infelizmente, ainda tem expressão em nosso meio, seja no uso preferencial de toalhas brancas sobre as mesas, na utilização de uniformes, distintivos, ou no passe em roupas e fotografias. Outros apetrechos ritualísticos muito comuns ainda são os retratos e imagens de vultos espíritas expostos no salão de palestras públicas, não raras vezes ornados de flores e luzes coloridas, num convite à veneração idolátrica. E o que diremos se tais quadros e imagens são dos santos e líderes católicos, sem dispensar sequer os detalhes simbólicos usados pela igreja, tais como o halo sobre a cabeça, chagas, coração sagrado, terços e anjos com asas?

Já vimos reuniões públicas serem iniciadas com todos em pé, cantando hinos em nada diferentes dos de nossos irmãos protestantes, e, até, invocando as bênçãos do Espírito Santo para o êxito dos trabalhos. Alguns procedimentos são impostos aos freqüentadores pela própria direção dos Centros, tais como a recepção de passes mesmo sem necessidade de tal socorro, separação entre homens e mulheres no recinto das reuniões, ingestão de água magnetizada após o passe ou ao término das reuniões, prática esta semelhante à da ministração da hóstia nas igrejas.

Passemania.

Na verdade, para muitos freqüentadores de sessões espíritas, tomar passes constitui um hábito não muito saudável à luz da proposta espírita, sendo muito conhecida, neste terreno, a figura do "papa-passes". À falta de maiores esclarecimentos sobre a oportunidade em que se deve recorrer a essa abençoada terapêutica, muitos dela se utilizam desnecessariamente, ou, o que é pior, como se, através do passe, o indivíduo estivesse obtendo a "absolvição" de suas fraquezas ou purificando-se espiritualmente. Seria enfadonho insistirmos aqui na feição nitidamente ritualística que a gesticulação exagerada, as preces murmuradas e outros comportamentos exóticos imprimem ao passe.

É oportuno salientar que é no terreno da terapêutica do passe que se gerou a mais acentuada distorção acerca do que o Espiritismo pode oferecer ao homem. O passe assumiu tamanha importância para a manutenção dos níveis de freqüência nas Casas Espíritas, que são raras as reuniões públicas em que ele não é ministrado. A grossa maioria dos freqüentadores de nossas casas ali vai "tomar passe" ou "tirar consulta", pois são esses os produtos que o nosso espiritismo (com "e" minúsculo) oferece. Nessa área se incluem as chamadas "sessões de cura", denominação imprópria diante da promessa nela implícita, de realização de curas, passível de enquadramento no Código Penal.

Substitui-se o essencial pelo acessório, ilude-se os freqüentadores oferecendo-lhes os subprodutos da ação espírita como se a Doutrina não tivesse algo melhor para dar. Notem que não recusamos o socorro que os recursos espíritas podem oferecer aos que o buscam. O que verberamos é a omissão relativa à "caridade da divulgação da própria Doutrina", recomendada por Emmanuel.

Idolatria.

O movimento espírita não escapa, sequer, da tendência idolátrica de seus seguidores que, se já não constroem bezerro de ouro, instituíram, entretanto, o "bezerrismo", como alguém já denominou, o culto à figura apostolar de Bezerra de Menezes, invocado aqui e ali, como um autêntico santo milagreiro espírita. Isso para não falarmos de "santos" locais ou regionais, de menor expressão. Como se não bastasse a consagração de entidades espirituais, entre as quais também se incluem Maria, Ismael, por exemplo, vamos encontrar médiuns e líderes espíritas sofrendo, mesmo a contra-gosto, o mesmo processo de idolatria e até de santificação no qual se identifica acentuada dose de fanatismo, inclusive com o beneplácito de dirigentes espíritas.

Nesse contexto e à falta de uma definição ideológica ao movimento espírita, vemos dirigentes pretendendo representar o Espiritismo em cerimônias políticas, ecumênicas, alinhando-se entre as autoridades civis e eclesiásticas, ou, pior ainda, patrocinando cerimônias ecumênico-religiosas, políticas ou cívico-doutrinárias, numa demonstração de desconhecimento do caráter universalista do Espiritismo.

Literatura pseudo-espírita.

Integrando o quadro de distorções doutrinárias, pode-se ainda relacionar o mercantilismo com a literatura espírita, mediúnica ou não, a circulação no meio espírita de obras de conteúdo medíocre ou conflitantes com a filosofia espírita, como as de cunho profético-apocalíptico, as messiânico-salvacionistas, etc., cuja produção é estimulada pela desinformação do mercado consumidor e pela conivência da rede distribuidora do livro.

Evangelismo, Assistencialismo e Dogmatismo.

Outros indícios de igrejificação encontram-se no surgimento e expansão de verdadeiras confrarias com seus ritos de iniciação doutrinária e controle estatístico da reforma moral dos aprendizes, das cidades "espíritas" com seu fanatismo mediúnico, das confraternizações de devotos e místicos e dos pregadores evangélicos aprisionados às passagens bíblicas distanciadas da interpretação espírita.

Em área mais delicada, desenvolve-se a concepção de um Espiritismo voltado somente para os pobres e necessitados, incompreensivelmente alérgico às esferas do intelecto, na falsa interpretação de que "os sãos não precisam de médico", daí decorrendo todo um trabalho assistencialista, do tipo paternal e acomodador, em contraste com a proposta libertadora da Doutrina.

A postura dogmática que o Espiritismo rejeita inflitra-se, também, entre os dirigentes espíritas, ora refletindo-se na crença cega no que dizem os espíritos e médiuns, numa recusa à análise e à crítica, ora cerceando o livre-exame, pela proibição de leituras ou de discussão de temas ditos "polêmicos".

Kardequização.

Essas são algumas das manifestações que consideraríamos como indícios de um processo sectarizador de difícil refluxo se o movimento espírita não adotar posição firme no sentido de sua "kardequização", ou seja, de aproximar-se, em nível desejável, do modelo proposto por Kardec. É lógico que alguns dos problemas enumerados têm localização restrita e são perfeitamente detectados pela comunidade espírita mais esclarecida. O risco maior está em não se atribuir importância a determinados procedimentos e atitudes que "não fazem mal nenhum", mas que, inperceptivelmente, deturpam a verdadeira identidade da Doutrina.

Um esforço revitalizador faz-se, portanto, mister, mormente quando são os próprios orientadores espirituais do movimento espírita brasileiro que a tanto nos convocam. Suas advertências são de tal modo enérgicas que nos permitimos reproduzir trechos significativos de suas mensagens, corroborando o que aqui desejamos propor. Angel Aguarod, em mensagem que motivou o lançamento da Campanha de Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita (Rio Grande do Sul, 1978) salientava: "Não é possível erigir um monumento doutrinário, como é o da Revelação Espírita, deixando-nos levar, a cada dia, por idéias que sopram de todos os lados, sem direção, qual vendaval que tudo derruba na sua passagem. Estamos sendo alertados de Plano mais alto sobre esse aspecto do nosso movimento, pois - dizem nossos superiores - se não nos fizermos vigilantes nesse sentido, em pouco tempo o movimento espírita, embora conservando o nome, nada terá de Espiritismo."

Vianna de Carvalho, pela psicografia de Divaldo Franco, na mensagem "Espiritismo Estudado", afirma que "[...] surgem os primeiros sintomas de cultos espíritas e constata que o movimento espírita cresce e se propaga, mas a Doutrina Espírita permanece ignorada, quando não adulterada em muitos dos seus postulados".

Daí a recomendação de Bezerra de Menezes: "Kardequizar é a legenda de agora". Para tanto, faz-se necessário se conheça mais profundamente o pensamento de Allan Kardec a fim de aquilatarmos o grau de fidelidade que lhe vota o movimento espírita. Não é por outro motivo que Emmanuel, na mensagem intitulada "Kardec", ditada a Chico Xavier, após as afirmativas, entre outras, de que precisamos "[...] estudar Kardec, meditar Kardec, divulgar Kardec", finaliza, dizendo: "Que é preciso cristianizar a Humanidade é afirmação que não padece dúvida, entretanto, cristianizar, na Doutrina Espírita, é raciocinar com a verdade e construir com o bem de todos, para que, em nome de Jesus, não venhamos a fazer sobre a Terra mais um sistema de fanatismo e de negação". [...]

Diante dos problemas apresentados, talvez até de forma contundente, e dos desafios propostos pelos espíritos, sentimo-nos encorajados a desenvolver os esforços que estiverem ao nosso alcance no sentido de estimular o movimento espírita à observância das diretrizes preconizadas pelo Codificador quanto à sua própria estrutura e características. Eis o motivo desta análise de comportamento e de tendências do movimento espírita. Mais uma vez evidencia-se a necessidade de as Casas Espíritas realizarem estudo mais aprofundado e completo da obra kardequiana, única forma de evitarmos que o Espiritismo seja transformado em mais uma seita religiosa.

Fonte: Revista Espírita HARMONIA - Ano XX - nº 147 - dezembro de 2006

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Espiritismo e Evangelismo

Por Carlos Augusto P. Parchen

Temos visto, de forma cada vez mais freqüente, no meio Espírita, apelos e defesas para que se “evangelize” o Espiritismo, bem como se encontram ferrenhos defensores do Espiritismo como “religião”. Vêem-se mesmo colocações do tipo “...necessitamos é de evangelho....”.

Em minha opinião, o religiosismo e o "evangelismo" acabará por destruir o Espiritismo, pois se está abandonando a "...filosofia com base científica e conseqüências éticas e morais..." preconizada no Livro dos Espíritos, para um “evangelismo” exacerbado, transformando muitas Casas Espíritas em "igrejas", onde o ouvir palestras e tomar passes passam a ter “status” de rito religioso.

Nessas Casas, não se aprofunda e se discute mais a Filosofia Espírita de Vida, e não se discute como transforma-la em aprendizado, em habilidade, em aptidão.

Passamos a ter "estrelas" que ministram palestras, mais preocupados com a própria imagem, com o falar empolado, com técnicas avançadas de oratória, mas incapazes de serem animadores e promotores das mudanças pessoais e sociais.

Kardec nunca deu um aspecto religioso ao Espiritismo. Mostrem-me isso nas obras básicas! Isso não existe.

Não podemos abrir mão da Doutrina Espírita em nome de uma "religião espírita", acreditando que isso se "...corrige mais tarde...". Um edifício mal construído acabará desabando. Um alicerce mal feito não suporta uma obra de grande porte.

Kardec estabeleceu um tripé didático para a Doutrina Espírita: Filosofia, Ciência e Ética/Moral (e não religião).

A Ética e a Moral adotadas são a do Cristo, brilhantemente descrita no Evangelho Segundo o Espiritismo. Mas é ética e moral, aplicada em uma filosofia de vida, embasada em conhecimento científico.

O aspecto religioso do espiritismo, tal como concebido por Kardec, é íntimo, pessoal e individual. Não precisamos transformar as Casas Espíritas em "igrejas espíritas", pois isso nada acrescenta, só atrapalha.

Em "evangelismo", temos que reconhecer que existem algumas religiões muito eficientes nisso. Se vamos seguir por esse caminho, vamos aprender com elas.

Mas essa não será a minha opção. Não abrirei mão da pureza doutrinária estruturada por Kardec.

Assusta-me uma colocação como essa: "...precisamos é de evangelho...". Isso é quase um discurso do neo-evangelismo, das "modernas igrejas evangélicas".

Não é isso que precisamos. Precisamos de amor em ação, de caridade em ação, de ética em ação, de pensamento construtivo em ação, de efetivamente nos tornarmos criadores de uma nova realidade.

Precisamos é de Filosofia Espírita, de Moral Espírita, de Ética Espírita, e isso já está contido no Livro dos Espíritos, a principal obra do Espiritismo (e poderia até ser a única).

Precisamos transformar as Casas Espíritas em oficinas de aprendizado, em "fábricas" de habilidades e aptidões éticas e morais, em não em púlpitos de discursos e pregações, esteticamente lindas, belas, mas inócuas por não estimularem a evolução individual.

Cristo como modelo. Claro que sim. Somos todos admiradores desse ser. Mas procuremos conhecer o Cristo Histórico, O Cristo Humano, o Cristo Revolucionário, o Cristo que não tinha uma religião, que não fundou uma religião, que não se entregou as religiões, que VIVEU sua pregação, que tentava transformar ensinamento em aprendizado. Que seja ele o nosso modelo de construção de vida e de sociedade. O Cristo Vivo, não o Cristo das Igrejas e Religiões. O Cristo em nosso coração e nas nossas ações, e não no evangelismo pobre e limitador.

Esta é uma opinião pessoal, mas mais que isto, é uma crença pessoal, uma diretriz de minha conduta dentro da Doutrina Espírita. Compreendo e respeito quem pensa diferente. Reconheço-lhes esse direito. Mas lutarei tenazmente pelo Espiritismo Filosófico, Científico, Ético e Moral. E para evitar que nos transformemos em Igreja.