domingo, 2 de junho de 2013

O espaço e os mundos; não, colônias espirituais.

Por Sérgio F. Aleixo

Nada material pode ser obstáculo aos espíritos. A matéria não pode interditá-los de nenhum modo. Assim, teoricamente, em estrelas, planetas, no espaço sideral, possível é que os invisíveis lá estejam em perfeitas condições. Sabe-se que nem sempre podem os espíritos, entretanto, ir a todos os mundos, ou mesmo estar em qualquer lugar num mesmo mundo, que tudo isso é conforme.[1] Por quê?
O conceito de mundos transitórios (Kardec assim o batizou) diz que, apesar da ausência de vida na superfície estéril de certos planetas, esses orbes destinados seriam aos espíritos errantes, que os habitariam para repouso, instrução e progresso. Tendo sido esse o caso da Terra durante sua formação, o conceito se vincularia obrigatoriamente à expectativa de que a vida se instale na superfície de tais planetas, ainda inapropriados a ela; apenas em transição para tanto.[2] Desse modo, nada tem ele a ver com as estruturas conhecidas por colônias espirituais; edificações no além, algumas de séculos, protegidas por muralhas, armas e até animais, onde os habitantes teriam uma fruição de gozos e costumes tipicamente físicos, como nutrição, eventos pagos, empregos remunerados, casamentos, etc.; moradias de todos os tipos, com banheiro e cozinha, inclusive; assim como parques, plantações e fábricas, seja de suco, de roupas, de artefatos, etc., etc. À luz da codificação espírita, não passam de abusos ficcionais ditados nos interlúdios invigilantes de médiuns sem discernimento, que acreditam lhes baste a boa intenção e a cega confiança em seus guias para o exercício de suas faculdades.
O princípio espírita das criações fluídicas, bom também é que se o diga logo, em nada ampara tais edificações no além; nunca se viu que essas criações exorbitassem o entorno mais imediato do próprio espírito, sua aparência, vestuário, certos objetos, pseudocompanhias, etc.; tudo, porém, subordinado exclusivamente ao pensamento: 1) quando cria ilusões ao espírito, ainda que eventualmente objetivadas nos fluidos; 2) quando cria aparências que visem um fim qualquer, a encarnados ou desencarnados.[3]Um princípio do Espiritismo, além disso, não pode ser aplicado em contradição com os demais. Por que moradias e costumes de fruição carnal existiriam no mundo espírita, se o perispírito não tem funções que demandem nutrição, reprodução, etc., nem o além-túmulo, menos ainda, rigores climáticos que o instabilizem? Grupos, famílias de espíritos, sociedades inteiras deles, em regiões compatíveis com sua constituição fluídica, e unidos por propósitos comuns, com ações planejadas e tarefas várias: isso é Espiritismo! Todavia, nada existe aí que se aproxime das travessuras coloniais.
Demonstrado, pois, que os mundos transitórios nada têm a ver com as colôniasespirituais; sim, a princípio, com planetas de superfície temporariamente estéril, avanço: e quanto aos mundos que surgem e desaparecem na imensidão sem que a vida se manifeste ali? Certo que não podem chamar-se transitórios, mas nem por isso estariam, necessariamente, sem presenças invisíveis. O conceito de mundos transitórios prevê que os espíritos que neles habitam podem deixá-los livremente, não estando, assim, obrigados a aguardar o surgimento da vida na superfície. Desse modo, por que os espíritos não se reuniriam, para repouso, instrução e progresso, igualmente nos mundos não transitórios?
Razoável admitir, pois, que existam: 1) mundos que são habitados apenas espiritualmente de início e, depois, também corporalmente; 2) mundos eventualmente habitados tão só por seres errantes, embora não em especial destinados a estes, por não serem transitórios. Mas não estaria faltando nada a esse panorama, por mais vasto? Eis aí nossa questão. Sim! Sim! Tais considerações somente ambientam os espíritos, a bem dizer, no universo físico, a modo de contingentes invisíveis e, nele, teoricamente, inobstáveis. Dizem alguns, por isso, até que há certo segredo acerca do mundo espírita em Kardec. Um tanto deslumbrados com a literatura ficcional mediúnica e suas colônias, findam por conferir uma proporção absurda àquele silêncio que o espírito Galileu diz estar sendo guardado, até ali, sobre o mundo espiritual. E disso concluem haver mistério em Kardec a respeito da vida espírita. Ora! “Até ali” só quer dizer até aquele ponto do próprio comunicado de Galileu, que apenas falara do modo da criação do universo e silenciara acerca do modo de criação dos espíritos que, nesse sentido, constituem o mundo espiritual, de que Galileu passa então a falar.[4]
Antes de tudo, são os espíritos que integram o mundo espírita. E já não é coisa pouca. O que mais se quer conhecer? A vida dos seres errantes por lá! Claro! Bem... Sabe-se que estão isentos de nossas necessidades; mas que possuem ainda um corpo, embora etéreo, sem órgãos, por mais denso.[5] Onde se encontram com esse envoltório fluídico? Somente nos meios físicos do universo, exceção feita à invisibilidade própria dos espíritos? Se a matéria não lhes representa mais obstáculo, porque não podem ir a todos os planetas nessa condição errante? Por que percorrer o mundo espírita não pode ser, afinal, só uma viagem interplanetária, intergaláctica, sem aparatos tecnológicos? Tudo reside na compreensão da palavra espaço, ou melhor: espaços, nas letras kardecianas. Foi dito ao mestre que o espaço é infinito e que aquilo que se julga vazio está ocupado por matéria imponderável, em estado de fluido. Nessa medida, sim, os espíritos estão por toda parte e são povoados todos os globos. Não disseram, aliás, que povoam propriamente o espaço infinito, mas que “povoam ao infinito os espaços infinitos”. Quando se lê, pois, que os espíritos estão no espaço, que transpõem os mundos, a tais domínios tipicamente físicos do universo estão integrados os domínios fluídicos, espirituais. Nestes é que existe o que pode ser obstáculo aos espíritos, de acordo com sua situação perispirítica.[6] Este é o adendo que faltava à ideia inicial de mundos transitórios ou intermediários, razão pela qual se limitou aparentemente a um panorama interplanetário, astronômico.
Para Kardec, nosso belo planeta é como um vaso do qual escapa densa fumaça, que vai aclarando à medida que se eleva e cujas partes rarefeitas se perdem no espaço infinito. Esse é o âmbito em que se define seu conceito de atmosfera espiritual terrestre, meio formado por fluidos em vários graus de pureza, um tanto grosseiros se comparados aos que compõem as regiões superiores, razão pela qual são estas, de ordinário, inacessíveis aos espíritos atrasados, que nelas não podem viver, a despeito de visitá-las como estrangeiros e, ainda assim, apenas entrevendo-as.[7] Portanto, segundo suas elevações, os espíritos povoam não apenas a superfície da Terra, entre os encarnados, de onde muitos não conseguem se afastar, mas também o espaço que a circunda, segundo o alvo do foco possível de suas percepções entre as várias camadas de fluidos espirituais do planeta.[8] Como as coisas se passam nesses meios? Naqueles cujos fluidos são bem desmaterializados, sequer o imaginamos. Nas ambiências, todavia, em que a constituição fluídica se apresenta mais identificada à vida corporal, parece razoável admitir, seria menos difícil supô-lo, ainda que, mesmo nessas regiões mais densas, as coisas não possam transcorrer como se aqui se verificassem. Do contrário, afinal, não haveria a menor necessidade do estado de encarnação que, nesse caso, mais pareceria um acidente de percurso, à moda rustenista e, avanço em dizê-lo, era mesmo até esse ponto de distorção conceitual que nos queriam conduzir as almas jesuíticas da inglória causa federativa.
A doutrina espírita ensina que os espíritos conservam as faculdades que tinham na Terra; que eles têm visão, audição, sensação, percepção, mas diversamente de quando possuíam um corpo físico, ainda que muitos deles, em erro, julguem que tais coisas se passem, por lá, da mesma forma que no corpo; o modo pelo qual atuam, inclusive.[9] O pensamento dos espíritos atrasados não está esclarecido por vezes, e é então que muitos até julgam viver ainda entre os homens e mulheres, partilhando de suas aspirações, paixões e desejos. Nos meios compatíveis com essa sua natureza, os fluidos chegam a ter, para eles, aspecto tão material quanto, para nós, nossos objetos tangíveis; os combinam e elaboram, consciente ou inconscientemente, para produzir certos efeitos, mas o fazem por outros processos: pensamento e vontade. Podem formar, então, conjuntos com aparência, forma e cor determinadas. Kardec inclui essas possibilidades dos fenômenos peculiares ao mundo espiritual no que chamoulaboratório do mundo invisível.[10] Nem de longe lhe confere, todavia, o condão de produzir obras arquitetônicas majestáticas, estruturas complexas ao extremo, sobretudo quando voltadas para atender necessidades que não podem ser satisfeitas no além, ou para um funcionamento quase burocrático de inchadas estruturas organizacionais; ao menos não no mundo espírita kardeciano, mais fidedigno em detalhes reais e, por isso, certamente mais sóbrio. Tedioso, claro, só para o comum dos leitores de romances mediúnicos, estimulados por curiosidades tão ociosas quanto propícias a espíritos menos sérios, que compensam com artifícios ficcionais e vagas de raciocínio a falta de conteúdo realmente espiritual de seus comunicados.
Verdade que o mestre publicou, nas suas primeiras revistas espíritas, ditados contendo desenhos mediúnicos da suposta casa de Mozart em Júpiter; todavia o fez a título de inventário aos leitores, para que julgassem o caso como quisessem; além disso, o referido espírito lá estaria em estado de encarnação, não no de erraticidade, o que determina relevantes diferenças de consideração.[11] Espíritos errantes não necessitam de casa ou comida; não padecem doenças e não têm sofrimentos senão de natureza moral; mais pungentes, aliás, que os físicos.[12] Contudo, transitam numa locação que, às vezes, não é a superfície do planeta, e sim o espaço mais ou menos imediatamente acima dela, algumas camadas da atmosfera espiritual terrestre, de fluidos um tanto grosseiros e cuja aparência, em função disso, pode lembrar o meio terreno em básicas referências, mesmo que fugidias; superfície e firmamento, por exemplo. Vejam-se as instruções do Sr. Cardon. Evocado por Kardec, reportou-lhe que vira o esplendor de “um céu” só possível aos sonhos, quando, em rápida excursão pelo “infinito”, percorreu “lugares etéreos”.[13] Quem sabe, algo similar também aos tais camposespécies de bivaques, de que Mozart falou a Kardec em primeira mão.

[...] já vos dissemos que há mundos particularmente destinados aos seres errantes, mundos que lhes podem servir de habitação temporária, espécies de bivaques, de campos onde descansem de uma demasiado longa erraticidade, estado este sempre um tanto penoso.[14]

Independentemente da diversidade dos mundos, essas palavras [‘há muitas moradas na casa do Pai’] podem também ser interpretadas pelo estado feliz ou infeliz do espírito na erraticidade. Conforme for ele mais ou menos puro e liberto das atrações materiais, o meio em que estiver, o aspecto das coisas, as sensações que experimentar, as percepções que possuir, tudo isso varia ao infinito.[15]

Poder-se-ia perguntar como é que os espíritos se podem evitar no mundo espiritual, uma vez que aí não existem obstáculos materiais nem refúgios impenetráveis à vista. Tudo é, porém, relativo nesse mundo e conforme a natureza fluídica dos seres que o habitam. Só os espíritos superiores têm percepções indefinidas, que nos inferiores são limitadas. Para estes, os obstáculos fluídicos equivalem a obstáculos materiais. Os espíritos furtam-se às vistas dos semelhantes por efeito [da vontade], que atua sobre o envoltório perispiritual e fluidos ambientes.[16]

Os fluidos mais próximos da materialidade, os menos puros, conseguintemente, compõem o que se pode chamar a atmosfera espiritual da Terra. É desse meio, onde igualmente vários são os graus de pureza, que os Espíritos encarnados e desencarnados deste planeta, haurem os elementos necessários à economia de suas existências. Por muito sutis e impalpáveis que nos sejam esses fluidos, não deixam por isso de ser de natureza grosseira, em comparação com os fluidos etéreos das regiões superiores. O mesmo se dá na superfície de todos os mundos, salvo as diferenças de constituição e as condições de vitalidade próprias de cada um. Quanto menos material é a vida neles, tanto menos afinidades têm os fluidos espirituais com a matéria propriamente dita. [...] Existem alguns [Espíritos] cujo envoltório fluídico, mesmo sendo etéreo e imponderável em relação à matéria tangível, ainda é muito pesado, se assim podemos dizer, em relação ao mundo espiritual, para permitir que eles saiam do meio onde se encontram. É preciso incluir nessa categoria aqueles cujo perispírito é bastante grosseiro para que o confundam com o corpo carnal, razão pela qual continuam achando que estão vivos. Esses espíritos, cujo número é grande, permanecem na superfície da Terra, como os encarnados, julgando-se sempre entregues às suas ocupações; outros, um pouco mais desmaterializados, ainda não o são o suficiente para se elevarem acima das regiões terrestres [...] A camada de fluidos espirituais que cerca a Terra se pode comparar às camadas inferiores da atmosfera, mais pesadas, mais compactas, menos puras, do que as camadas superiores. [...] a constituição íntima do perispírito não é idêntica em todos os espíritos encarnados ou desencarnados que povoam a Terra ou o espaço que a circunda. [...] O fluido etéreo está para as necessidades do Espírito, como a atmosfera para as dos encarnados. Ora, do mesmo modo que os peixes não podem viver no ar; que os animais terrestres não podem viver numa atmosfera muito rarefeita para seus pulmões os Espíritos inferiores não podem suportar o brilho e a impressão dos fluidos mais etéreos [das regiões superiores]. Não morreriam no meio desses fluidos, porque o Espírito não morre, mas uma força instintiva os mantêm afastados dali, como a criatura terrena se afasta de um fogo muito ardente ou de uma luz muito deslumbrante. Eis aí por que não podem sair do meio que lhes é apropriado à natureza.[17]

Resta saber se neste espaço que circunda a Terra, isto é, se nas camadas de fluidos espirituais do seu entorno, seria impossível que, por uma razão ou por outra, houvesse meios cujas composições fluídicas assumissem só um certo aspecto das ambiências terrenas, já que podem, afinal, variar ao infinito, como vimos Kardec dizê-lo. Os espíritos Bizet e Mesmer prestaram, respectivamente, curiosas informações ao mestre:

[...] tive sob os olhos o atroz espetáculo da fome entre os espíritos. Encontrei lá em cima muitos desses infelizes, mortos nas torturas da fome, ainda procurando em vão satisfazer a uma necessidade imaginária, lutando uns contra os outros para arrancar um pedaço de comida que se escondia em suas mãos, dilacerando-se mutuamente e, se posso dizer, se entredevorando; [...] enquanto na Terra se pensa que aqueles que partiram ao menos estão livres da tortura cruel que sofriam, percebe-se do outro lado que não é nada disso, e que o quadro não é menos sombrio, embora os autores tenham mudado de aparência.[18]

O mundo dos invisíveis é como o vosso. Em vez de ser material e grosseiro, é fluídico, etéreo, da natureza do perispírito, que é o verdadeiro corpo do espírito, haurido nesses meios moleculares, como o vosso se forma de coisas mais palpáveis, tangíveis, materiais. O mundo dos espíritos não é o reflexo do vosso; o vosso é que é uma imagem grosseira e muito imperfeita do reino de além-túmulo.[19]

Pode haver até alguma dúvida sobre a locação da cena descrita por Bizet: trata-se da superfície da Terra, entre os encarnados, ou do espaço que a circunda, com seus vários meios fluídicos? Todavia, Bizet informa que tudo aconteceria, sim, do outro lado, mas lá em cima. Em que pese aos espíritos conservarem a capacidade de perceber o que na Terra se passa conosco e entre nós,[20] as percepções dos envolvidos na cena vista por Bizet não estão voltadas em nenhuma medida para o que se verifica na vida física; talvez exatamente porque não estariam nas regiões terrestres de fato, entre os vivos. De qualquer forma, veem-se num drama cujo cenário é construído por seu desequilíbrio, com direito a criação fluídica até de um pedaço de comida, tão objetiva no além, que é identificada por um terceiro; este goza, contudo, de melhores condições morais e, a despeito de avistar esse tétrico conjunto de aparência, forma e cor determinadas,[21]logo julga vã a motivação que o gera: satisfazer necessidade que, afinal, ali, não poderá ser atendida, por não haver função do perispírito que a demande. A cena transcorre pungente e horrenda. E Kardec não lhe faz reparo algum. Esmera-se até em defender a idoneidade do espírito comunicante e a precisão de seus informes, classificando a situação de modo quase inédito em seus escritos: prolongação mista da vida terrena,vida intermediária que, se bem não seja física nem propriamente espiritual, é inerente ao estado de inferioridade de certos espíritos e necessária ao seu adiantamento. Claro está, porém, que quase tudo não passa da criação de ilusões desses espíritos a si mesmos, ainda que se objetivem, até certo ponto, nalguns conjuntos fluídicos postos em ação pelo seu pensamento. Colônias? Onde?
O Livro dos Espíritos havia lecionado ser o nosso mundo reflexo obscuro desse outro; e Kardec, ser a vida humana decalque dessa outra; entretanto, nesses casos, nada quanto ao aspecto propriamente do meio espiritual, e sim à sua organização societária e respectiva meritocracia.[22] Já a fala de Mesmer bem distingue: 1) mundo espírita; 2) perispírito de seus habitantes. Afiança que o mundo dos invisíveis seria como o nosso, na medida em que o nosso constituiria uma imagem grosseira e muito imperfeita doreino de além-túmulo. Grosseira e imperfeita no que remete, por certo, a nossa forma mortal: comemos, bebemos, nos reproduzimos, para manutenção da vida que, aqui, extingue-se; assim mesmo, porém, nosso mundo não passaria de uma imagem, algo que, em aparênciaaspecto, similar se apresentaria, portanto, a certas regiões etéreas, à exceção de fruições corporais, inviáveis nesses ambientes, em nada ecológicos, por não haver mais a morte ali; talvez holográficos, por assim dizer. Insisto: Quem sabe, algo como os tais camposespécies de bivaques, que originalmente Mozart revelou a Kardec.[23]
Para espaços infinitos que são povoados ao infinito seria tão inviável esse aspecto, só o aspecto um tanto terreno de certas regiões fluídicas mais densas? Quer-se evitar o fomento da imaginação criativa de muitos, que os coloca nos domínios da pseudorrevelação luizina e suas desastrosas congêneres. Fato. Entretanto, abandonada a compreensão que, desse assunto, só Kardec pode proporcionar em mais diligentes medidas, é que se lançam os menos avisados exatamente ao fluxo do que lhes parecerá mais detalhado: os romances mediúnicos; em geral, um cortejo absurdo de subversões aos princípios do Espiritismo: espíritos a comer, a beber, a casar, a morar; e, hoje, mesmo a copular, a se reproduzir, com fecundação, gestação, nascimento dos “bebês” e, pasmem, até a morrer, sobrevindo o sepultamento dos perispíritos em cemitérios d’além-túmulo...
Já diz muito o fato de que os espíritos inferiores podem, sim, e com frequência, consciente ou inconscientemente, criar ilusões a si mesmos e, em certos limites, até objetivá-las nos fluidos.[24] Nada comparável, no entanto, aos evidentes abusos da subliteratura mediúnica e suas fantasias coloniais. Avanço mais uma vez em dizê-lo: era mesmo até esse ponto nefasto de distorção conceitual que nos queriam conduzir as almas jesuíticas da inglória causa federativa. Ante uma vida espiritual que, na prática, só replica a fruição da vida física, esvazia-se de sentido o princípio espírita da absoluta necessidade da encarnação, abrindo caminho para a ideia de que seria mera exceção punitiva aos que sofrem a queda. Portanto, rustenismo sutil do além, mediante agora a subliteratura de ficção, bem ao gosto popular, em quase tudo ingênuo e, de ordinário, desavisado. Kardec seria bem melhor, mas para este, nada.

[...] o espanto cessa quando se sabe que esses mesmos espíritos são seres como nós; que têm um corpo, fluídico é verdade, mas que não deixa de ser matéria; que, deixando seu invólucro carnal, certos espíritos continuam a vida terrestre com as mesmas vicissitudes, durante um tempo mais ou menos longo. Isto parece singular, mas é, e a observação nos ensina que tal é a situação dos espíritos que viveram mais a vida material do que a vida espiritual, situação por vezes terrível, porque a ilusão das necessidades da carne se faz sentir, e se tem todas as angústias de uma necessidade impossível de satisfazer. O suplício mitológico de Tântalo, nos Antigos, acusa um conhecimento mais exato do que se supõe, do estado do mundo de além-túmulo, sobretudo mais exato que entre os modernos. [...] O quadro que apresenta o cura Bizet nada tem, pois, de estranho; vem, ao contrário, confirmar, por mais um grande exemplo, o que já se sabia; e, o que afasta toda ideia de reflexão de pensamentos, é que o fez espontaneamente, sem que ninguém pensasse em chamar sua atenção sobre aquele ponto. Por que, então, teria vindo dizer, sem que se lhe perguntasse, se aquilo era assim ou não? Sem dúvida a isto foi levado para a nossa instrução. Aliás, toda a comunicação traz um cunho de gravidade, de sinceridade e de modéstia, que é bem o seu caráter e que não é próprio dos espíritos mistificadores.[25]

Afora o que destaquei de Mozart, Kardec, Bizet e Mesmer, entendo que também São Luís, Erasto e Santo Agostinho rasgaram esse véu, ao se referirem a: 1) mundosintermediários como viveiros da vida eterna, onde os espíritos se agrupam conforme seus graus de adiantamento;[26] 2) regiões similares à Terra, das quais espíritos muito aprisionados à matéria não se podem afastar, bem como não o podem das próprias regiões terrenas;[27] 3) mundos inferiores em que os encarnados, mesmo durante o sono, buscam antigas afeições que os chamam, prazeres mais baixos do que têm aqui, doutrinas mais vis, mais ignóbeis, mais nocivas do que as que professam no corpo, em vigília.[28] Seriam todas essas, no entanto, simples menções a outros planetas, e não a meios etéreos do nosso próprio orbe? Em caso afirmativo:
1) Urgiria supor que São Luís se refere ao conceito inicial de mundos transitórios e, com efeito, que busca em meios interplanetários os espíritos afins que, na Terra encarnados, explicam a identidade de caráter tantas vezes observada entre pais e filhos. Não os existiriam por aqui mesmo? 2) Seria preciso crer possível, no pensamento de Erasto, que espíritos materialistas, antes na Terra encarnados e, por cegueira moral, aprisionados violentamente aos laços da matéria depois de mortos, deslocam-se, por vezes, para outros planetas, similares ao nosso, não permanecendo, assim, de preferência, na superfície da Terra, ou no espaço que a circunda. 3) Ter-se-ia que admitir Santo Agostinho a revelar, de espíritos inferiores, verdadeiras viagens interplanetárias durante os períodos de sono e, portanto, em estado de encarnação, o que não é exatamente um facilitador; anote-se que é referida a busca de prazeres ainda mais baixos do que eles têm durante a vigília; em espírito, ainda que presos a um corpo, não podem supor que satisfazem tais paixões senão alucinando, criando ilusões a si mesmos, entre pares igualmente inconsequentes. Tratar-se-ia, pois, de semelhantes interplanetários, localizados em mundos transitórios? Em todos os casos, restaria exorbitado o princípio de economicidade tão caro à razão. Por que imaginarmos alhures os seres que mais provavelmente estão vinculados ao nosso próprio planeta? Por que não estariam nos seus meios correspondentes aos estados sutis da matéria, integrantes da atmosfera espiritual terrestre?
Antes de selar como mistério indevassável toda a vida espiritual, melhor admitir-lhe, ainda que fugidias, algo das referências terrenas, sempre tendo em vista, claro, para a análise das comunicações em que apareçam, as vigilantes restrições dos princípios kardecianos: 1) eventuais ilusões que os espíritos podem criar a si mesmos, ainda que objetivadas nos fluidos; 2) aparências que podem criar visando um fim qualquer, a encarnados ou desencarnados; 3) meras ficções psicográfico-obsessivas, cujo fim é a distorção dos ensinos do Espiritismo, sua substituição por outra matriz doutrinária.
Fato é que esse prolongamento misto da vida terrena é situação por vezesterrível, sim; isto significa, contudo, que, doutras, nem tanto; fica a depender dos espíritos. Sobretudo na superfície do planeta, mas também no espaço que a circunda, está a massa da população ambiente do mundo invisível. Ela é composta, segundo Kardec: 1) pelos que, não mais podendo satisfazer suas paixões, se agradam da companhia dos encarnados que a estas se entregam, incitando nestes o cultivo daquelas; 2) pelos que se julgam ainda vivos; 3) pelos que, menos atrasados um pouco, embora não menos vulgares, já buscam algum aperfeiçoamento e instrução vendo e observando nossos costumes, mas impacientando-se por faltar-lhes a realidade dos nossos prazeres.[29] Se distanciados, porém, da superfície da Terra e, assim, no espaço que a circunda, só quanto ao aspecto das coisas é possível aos espíritos menos depurados se moverem entre holográficas referências terrenais, próprias ainda dessas regiões etéreas mais densas.
Como quer que seja, em nenhuma hipótese atende-se a necessidades que, dooutro lado, não é possível satisfazer; não há, lá em cima, como fruir gozos carnais, por falta do instrumento dos mesmos: o corpo físico. Por isso Kardec recorre ao suplício mitológico de Tântalo como oportuna ilustração; a metáfora de tudo que está tão perto e, ao mesmo tempo, é inalcançável. Havia entre os antigos um conhecimento mais exato do estado do mundo espiritual do que entre os modernos, segundo Kardec; pela razão de que estes materializam os gozos de além-túmulo, bem como suas penas. O Espiritismo discorda terminantemente disso, seja no cristianismo,[30] seja mesmo no islamismo. Diz Kardec sobre certa nuança da vida depois da morte no Alcorão, Surata XXXVII, v.39 a 47:

Sem dúvida se notará que os rios, as fontes, os frutos abundantes e as sombras aí representam grande papel, por faltarem sobretudo aos habitantes do deserto. Os leitos macios e as roupas de seda, para gente habituada a dormir no chão e vestida com grosseiras peles de camelo, também deviam ter grande atrativo. Por mais ridículo que tudo isto nos pareça, pensemos no meio em que vivia Maomé e não o censuremos muito, pois, com o auxílio deste atrativo, ele soube tirar um povo da barbárie e dele fazer uma grande nação.[31]

Que diria Kardec então sobre a literatura de Chico Xavier e cia.? Que diria da comida, da bebida, das moradias, dos perispíritos com “calor orgânico” e “pulsação regular” de André Luiz?[32] RIDÍCULO! Alguns querem situá-la numa transição do Catolicismo para o Espiritismo. Mas não vejo que a maioria evolua de Chico Xavier a Kardec; o contrário é que é considerado evolução, sem que praticamente ninguém se dê conta de um tão colossal anacronismo. Ora! Da refinada e cuidadosa concepção do mundo espírita, sem mescla em Kardec, até as bizarras grosserias da literatura de Chico Xavier e quejandos não há senão uma involução lamentável e grotesca.
De fato, o conceito de mundos transitórios é coisa crua, até insólita inicialmente. Espíritos a viver em meio ao caos dos elementos, até que a vida surja e se organize em planetas temporariamente inférteis, soa um tanto estranho sem o adendo que Kardec adiciona posteriormente: atmosfera espiritual, não mais a simples ação dos pensamentos nos fluidos ambientes, mas regiões etéreas, meios de maior ou menor pureza, que lhes servem de habitat post-mortem. As circunstâncias em que a ideia de mundos transitórios ou intermediários é transmitida ao mestre são, no mínimo, curiosas.
Ele desconfia de uma informação de Chopin e lhe diz não compreender ser possível a espíritos errantes a execução de peças musicais no além-túmulo. Mozart, instado por Kardec a dar explicações sobre esse suposto fato, assegura compreender a hesitação do mestre; todavia confirma o dito de Chopin e o justifica com a existência, para os seres errantes, dessas espécies de bivaquesde campos onde descansem de uma demasiado longa erraticidade, embora, com isso, em absoluto, não responda ao que Kardec lhe pergunta. O mestre submete a questão a outro centro espírita, no qual Santo Agostinho junta a essas as informações que definem como mundos transitórios os planetas de superfície temporariamente estéril, mas habitados por espíritos errantes; avança e diz que, em nosso sistema, nenhum orbe existe nessa condição e que, só a Terra, durante sua formação, foi um deles, também conhecidos àquela altura pormundos intermediários.
Esta sinonímia permanece na Revista e não passa explicitamente ao Livro dos Espíritos, no qual Kardec, na verdade, promove uma espécie de harmonização dos ensinos de Mozart sobre campos de descanso e os de Santo Agostinho a respeito demundos transitórios.[33] Isto se verifica sob o império da matemática, da física, da química, da biologia e, neste caso, sobretudo, da astronomia. O contexto cultural positivista é determinante para o julgamento de Kardec. Ante o paralelismo vocabular entre Espiritismo e astronomia, ele assimila os campos de descanso de Mozart aos mundos transitórios de Santo Agostinho, em cujo ínterim, mais tarde, instala-se a temeridade das colônias espirituais. Não há demérito de Kardec. Houve uma fatalidade. Essas ciências são matrizes metafóricas fortíssimas; a tal ponto que o próprio Espiritismo teria abortado se surgisse antes delas.[34] Nenhuma surpresa, portanto.
As coisas findam por se definir melhor no capítulo décimo quarto de A Gênese, no qual Kardec traça um recorte epistêmico brilhante, em que deixa os espaços físicos, materiais, ponderáveis, às ciências, e reivindica os domínios fluídicos, imponderáveis, espirituais, para o Espiritismo. Com isso, os espíritos são postos, enfim, em suas mais precisas fronteiras universais, que se estendem das superfícies planetárias até as inumeráveis camadas fluídicas que as circundam. Tanto os mundos transitórios de Santo Agostinho, quanto os campos de descanso de Mozart, permanecem viabilizados, desde que não padeçam o embaraço reducionista inicialmente provocado pelo paralelismo vocabular entre Espiritismo e astronomia. Diz-se, aliás, que os espíritos estão no mundoespírita, todavia, a ninguém acode o pensamento de que estejam propriamente noutroplaneta, ao menos não encarnados nalgum. Assim, depois de erraticidades algo penosas, tantas vezes acontecidas nas superfícies planetárias, ou nas regiões fluídicas próprias de seus entornos mais imediatos, pode-se admitir sejam os espíritos encaminhados a essesmundos, isto é, na verdade, a essas espécies de bivaques, de campos de repouso também localizados na atmosfera espiritual dos orbes, donde seguem, após períodos mais ou menos longos, em geral, para a reencarnação. Nada, porém, que autorize o mundo espírita a replicar a vida física em peripécias coloniais.
O Espiritismo espraia a vida espiritual pelos “espaços infinitos povoados ao infinito”; o espaço que se supõe vazio está cheio de uma matéria em estados que, de ordinário, escapam aos nossos sentidos e instrumentos: esse é o mundo dos espíritos propriamente dito, que interpenetra o universo físico e em tudo o transcende. Estima-se, aliás, que a matéria conhecida represente apenas quatro por cento do universo, cabendo vinte e seis por cento à matéria escura e, assustadores setenta por cento, à energia escura. Pouquíssimo se compreende a respeito do que efetivamente seriam.
Para além das nossas conjecturas, no entanto, é bom que se saiba haver estas certezas inflexíveis, o grande legado espírita a nossa modernidade atormentada pela doença de uma suspeita sistemática ao extremo: 1) a alma do justo é recebida como um irmão bem-amado e longamente esperado; a do mau, como um ser que se despreza; 2) segundo a afeição que tenhamos mantido, quase sempre aqueles que conhecemos na Terra vêm receber-nos, ajudar-nos em nossa libertação das faixas da matéria, depois do que reencontraremos a muitos que havíamos perdido de vista, assim como veremos outros espíritos que ali estarão, e os que se encontrarão ainda encarnados, que poderemos, sim, visitar; 3) raro será que haja solidão, porque viveremos em grupos, em famílias, unidos na similitude de tendências e propósitos, segundo nossa elevação; 4) conforme nossas disposições evolucionais e até que não nos haja mais proveito nisto, voltaremos a viver aqui, ou noutros mundos, rumo à vida exclusivamente espiritual.[35]


[1] O Livro dos Espíritos, 87 e 232.
[2] Revista Espírita. Mai/1859. “Música de Além-Túmulo” e “Mundos Intermediários ou Transitórios”, n. 3. O Livro dos Espíritos234 a 236.
[3] Revista Espírita. Ago/1859. Mobiliário de Além-Túmulo, ns. 20 e 22.
[4] A Gênese, VI, 19.
[5] Revista Espírita. Abr/1859. Quadro da Vida Espírita.
[6] O Livro dos Espíritos, 22, 36, 55, 87 e 278.
[7] O Livro dos Espíritos, 232.
[8] A Gênese, cap. XIV, ns. 3 a 5, 9 a 11.
[9] O Livro dos Espíritos, 257. O Livro dos Médiuns, Parte II, Cap. IV, n. 74, XXIV.
[10] O Livro dos Médiuns, 2.ª Parte, VIII. A Gênese, XIV, ns. 9 e 14.
[11] Revista Espírita. Mai/1858. Palestras familiares de além-túmulo.
[12] O Livro dos Espíritos, 255.
[13] Revista Espírita. Ago/1863. Conversas familiares de além-túmulo.
[14] Revista Espírita. Mai/1859. Música de Além-Túmulo.
[15] O Evangelho Segundo o Espiritismo, III, 2.
[16] O Céu e o Inferno. 2.ª parte, cap. V, Um Ateu, n. 19.
[17] A Gênese, XIV, 5, 9, 10 e 11. Negritos e colchetes meus. Itálico do original.
[18] Revista Espírita. Jun/1868. A fome entre os espíritos.
[19] Revista Espírita. Mai/1865. Dissertações Espíritas. Sobre as Criações Fluídicas. Grifo do original.
[20] O Livro dos Espíritos, 237.
[21] KARDEC. A Gênese, XIV, 14.
[22] Cf. Op. cit., n. 278 e comentário ao n. 266.
[23] Revista Espírita. Mai/1859. Música de Além-Túmulo.
[24] Revista Espírita. Ago/1859. Mobiliário de Além-Túmulo, ns. 20 e 22.
[25] Revista Espírita. Jun/1868. A fome entre os espíritos. Negrito meu.
[26] Revista Espírita. Jul/1862. Hereditariedade Moral.
[27] Revista Espírita. Mai/1863. Questões e Problemas. Espíritos incrédulos e materialistas.
[28] O Livro dos Espíritos, 402.
[29] O Livro dos Espíritos, comentário ao n. 317. Revista Espírita. Maio/1859. Cenas da Vida Privada Espírita, ns. 20 a 22.
[30] O Céu e o Inferno. Parte I, cap. IV, n. 14.
[31] Revista Espírita. Nov/1866. Maomé e o Islamismo. Negrito meu.
[32] Os Mensageiros. Cap. 22.
[33] Revista Espírita. Mai/1859. Música de Além-Túmulo. Mundos Intermediários ou Transitórios.
[34] Cf. A Gênese, I, 16.
[35] O Livro dos Espíritos, 160, 215, 287. A Gênese, XI, 27 (ou 28).

Fonte: Blog Ensaios da Hora Extrema - http://ensaiosdahoraextrema.blogspot.com.br/2013/05/o-espaco-e-os-mundos-nao-colonias.html

O que é lícito pedir ao Espiritismo

Por Amílcar Del Chiaro Filho

Há pessoas que procuram na religião a satisfação utilitarista. Acreditam que a religião deverá lhes dar a vitória, o sucesso, a felicidade para essa vida, e a salvação eterna para a outra. Hoje, algumas seitas religiosas pregam isso abertamente, e convidam os que querem deixar para traz a infelicidade, o fracasso, a se unirem a elas.

Algumas pessoas chegam a dizer, que resolveram mudar de religião, para serem felizes. No dia a dia dos centros espíritas temos deparados com essa situação. Muitos o procuram no desejo de obter benefícios imediatos, como: curas, enriquecimento, conquistas amorosas, anular um desafeto, e outras coisas mais.

Contudo, a finalidade do Espiritismo não é o de arranjar a vida das pessoas. Os espíritos superiores, embora nos amem e nos auxiliem, não são serviçais à nossa disposição para os pequenos interesses humanos.

Quando as pessoas insistem nesses pedidos, e não percebem o extraordinário novo campo de visão que se lhe abre à frente, acabam por perder a proteção dos bons espíritos, e os maus, os ignorantes tomam conta da situação, pois estão sempre prontos a atender a todos os pedidos, mesmo os injustos. Esses espíritos podem satisfazer certos pedidos, porém cobram muito caro a satisfação concedida.

Quando Jesus de Nazaré ofereceu a Água Viva do Evangelho para a mulher samaritana, afirmando que quem bebesse da água que ele oferecia nunca mais teria sede, a mulher pediu para que o Rabi Galileu lhe desse da tal água, porque assim ela não precisaria buscá-la diariamente. Ela não compreendeu que o Mestre não a isentava do trabalho, das lutas evolutivas, do aperfeiçoamento, mas alargava os seus horizontes espirituais.

O que devemos procurar no Espiritismo? Devemos procurar a elevada compreensão do processo que é a vida. O Espiritismo oferece essa compreensão. Ele é, no dizer de Herculano Pires, a plataforma para as novas conquistas da humanidade.

É proibido, então, à mãe que chora a perda de seu filhinho, buscar notícias que a console? É proibido ao homem que vê a esposa doente, em risco de vida, pedir a cura ou a esperança? Aquele que não consegue um emprego e precisa sustentar a família não pode pedir aos espíritos que o ajude a se empregar? O homem de negócios que está atormentado pelos fracassos sucessivos, não pode ir buscar orientação junto a uma casa espírita? Nada disso é proibido, e é natural que o centro espírita preste esse socorro e vários outros, mas é preciso que ensine a libertação, ou seja, o conhecimento espírita. É preciso que compreendam que os espíritos não fazem pelo homem, aquilo que ao homem compete fazer.

É comum ao ser humano, o desejo de se ver liberto das dores, angústias e dificuldades. É comum procurarem meios mais ou menos mágicos para resolver seus problemas. No Espiritismo não poderia ser diferente. Quase sempre, aqueles que se decepcionam com a Doutrina Espírita e a abandonam, são os que querem soluções mágicas. Não existem soluções sem esforços, luta, trabalho.

Não raro a dor, o problema aparentemente insolúvel, é o chamamento para uma nova postura, um novo caminho, um novo ideal. O fato de sermos espíritas ou médiuns, não nos dá privilégios, e sim responsabilidades. Não feche os olhos para a luz. Não peça o que o Espiritismo não lhe pode dar, e não se decepcionará com ele.

Fonte: http://portalespirito.com/amilcar/o-que-eh-licito.htm

sábado, 1 de junho de 2013

A produção de verdades no Espiritismo: as controvérsias entre Allan Kardec e J. B. Roustaing

O Blog dos Espíritas

A produção de verdades no Espiritismo: as controvérsias entre Allan Kardec e J. B. Roustaing é um artigo acadêmico de autoria do Mestrando em Ciências das Religiões da Universidade Federal da Paraíba, Fabiano Vidal, apresentado no I Simpósio Regional Nordeste da Associação Brasileira da História das Religiões - ABHR, realizado no período de 28 a 31 de maio (2013) na cidade de Campina Grande, no campus da UFCG.



Resumo:

Fabiano Cesar de Mendonça Vidal/UFPB

Drª. Dilaine Soares Sampaio de França (Orientadora)/UFPB

Este trabalho se propõe a discutir a produção de verdades no Espiritismo kardecista, o processo de legitimação das mesmas através do "Controle Universal do Ensino dos Espíritos", a disputa do monopólio da produção dos bens simbólicos espíritas e as controvérsias existentes entre a obra de Kardec e Jean Baptiste Roustaing, tomando por inspiração o conceito de controvérsia de Bruno Latour e utilizando a metodologia de análise do discurso de Michel Foucault para compreender a produção do discurso da doutrina, seus modos de legitimação e rejeição desse discurso.

Palavras-chaves: kardecismo; produção de verdades; controvérsias 

Para ler o artigo completo, clique aqui.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Os Piores Inimigos do Espiritismo


Por Jorge Murta

Allan Kardec afirmou certa vez, que os piores inimigos do Espiritismo estariam entre seus pares. Pode parecer declaração demasiadamente dura e radical, mas veio dele mesmo e ele sabia do que estava falando. Hoje, nesse mundo de tanta confusão, o Movimento Espírita se vê envolto em um emaranhado de parvoíces que deixam os espíritas sérios preocupados com o destino da doutrina no mundo. Custa-se a acreditar que uma filosofia tão racional e desbravadora possa ter gerado pessoas com visão tão estreita e engessada da vida.

De duas uma: ou a Doutrina Espírita é defeituosa ou os espíritas não compreenderam seu alcance moral. Sabendo-se da inverdade da primeira hipótese, resta-nos curvar à realidade da segunda. A prova disso está na forma como a Doutrina é praticada nos centros espíritas do país inteiro, com réplicas perfeitas no exterior (principalmente em Portugal e nos Estados Unidos), "formando" adeptos que de espíritas só têm o nome. São os espíritas imperfeitos, de que está cheio o movimento, como por exemplo, os que vêm a público afirmar que Kardec está ultrapassado e que precisa ser reinterpretado, quando ainda nem se conhece a fundo dez por cento do seu pensamento. Consideram-se doutos em Espiritismo por terem lido as obras básicas, e toda a literatura acessória, psicografada ou não. E ler é uma coisa. Estudar, entender e compreender é outra bem diferente.

Vislumbrando as dificuldades pelas quais poderia passar o Espiritismo, advindas da falta de maturidade do homem, Allan Kardec tratou de deixar diretrizes que pudessem garantir a unidade de vistas dentro do pensamento doutrinário, bem como sua expansão com segurança. Idealizou um Comitê Central que funcionasse de forma democrática e o Controle Universal dos Espíritos para as revisões periódicas na doutrina (a cada 25 anos), de modo que não se perdesse no tempo e pudesse acompanhar a evolução do planeta. Nada disso foi seguido pelos homens que fizeram a história espírita.

Os espíritas "modernos" parecem desconhecer tal coisa. E, se conhecem, não dão a menor importância, pois defendem idéias esdrúxulas e contrárias aos fundamentos kardequianos, baseados em escritos ditados por Espíritos enganadores e pseudo-sábios. Essas idéias infiltram-se com facilidade em nosso meio, porque encontram o terreno fértil da ingenuidade e da falta do estudo que faz com que tudo se aceite sem exame, sem critério. É tempo de mudanças. O milênio termina e se inicia uma nova fase para o planeta. Os centros espíritas precisam se preparar para amparar o homem dentro de uma filosofia de vida melhor, mais justa e mais plena de compreensão das coisas divinas.

Para isso, necessita de espíritas sérios, que compreendam o verdadeiro sentido do Espiritismo, que possam trazer para dentro das casas espíritas uma nova ordem de práticas e metas, formando verdadeiramente homens de bem. Que possam retirar dos centros tudo o que não serve para a edificação do ser. Enfim, mostrar aos fariseus modernos a verdadeira face da Doutrina Espírita como agente modificador da humanidade e não como instrumento de gloríolas, de mera promoção pessoal e fábrica de fantasias.

As casas espíritas, inspiradas pelo espírito de sistema, optaram por navegar nas águas rasas do conhecimento, na superficialidade dos ensinos exarados das obras psicografadas de qualidade duvidosa. É comum, muito comum os espíritas saberem de cor as histórias romanceadas das vidas de personagens habitantes das colônias transitórias, mas não sabem sequer de onde surgiu a doutrina que professam. Espalhou-se no meio a idéia de que a leitura das Obras Básicas é muito difícil, melhor fazer um cursinho federativo, ou é melhor que se comece lendo romances e livrinhos de histórias fantasiosas sobre a vida espiritual, que só convencem mentes imaturas e sem senso de racionalidade.

O resultado disso é que quando a pessoa se interessa de fato pelo estudo da Doutrina, já se embrenhou num mundo irreal, já poluiu sua mente com leituras inadequadas e atrapalhadas, tornando-se muito mais difícil à incursão no conhecimento real do Espiritismo e atrasando sobremaneira o avanço da criatura na estrada da compreensão. Os conceitos que já se formaram em sua mente são de complicada reestruturação, e haja tempo para se formar outra mentalidade. São pessoas com um nível de fantasia tão grande acerca da vida terrena e espiritual, que misturam conceitos espíritas com outras doutrinas, terapias alternativas, auto-ajuda, auto-amor e tudo o que pode fazer uma grande confusão nas idéias.

É provado que quanto mais longe a pessoa está dos centros espíritas, mais fácil ela compreende os ensinamentos. Sim, e não é exagero. Mas é sem dúvida um paradoxo. Essa realidade é constatada pela nossa experiência. Observando varias casas e seus métodos, nos deram bem o diagnóstico de situações dramáticas existentes nas casas espíritas. Ou seja, os estudos são escassos, e quando existem são realizados pelos que têm pouco preparo, e que por sua vez, se "preparam" lendo Luiz Sérgio, Hernani T Santana, Patrícia, Lúcius, ou jornais e revistas espíritas já viciados com o espírito corporativista. Não desmerecemos a nobrezas da contribuição destas pessoas na compreensão geral da Doutrina, mas tais conceitos, pouco devem ser tomados como referência, mas que infelizmente é o que acontece neste combalido Movimento.

Os que começam os estudos das obras básicas, levam anos de leitura e custa a compreender a essência da Doutrina, por estarem envolvidos num pernicioso espírito de fantasia, idolatria e acima de tudo num grande equívoco acerca do conhecimento espírita. Mas, perguntamos, onde está o erro? Sabe-se que grande parte dos espíritas do país estão nas classes mais favorecidas intelectualmente. Então, qual a dificuldade? O problema está exatamente na maneira como o sistema está sendo estruturado e politicalizado. Deixando de lado as orientações do Codificador do Espiritismo, desde o início formou-se a industria dos cursos um clima propício à fomentação do irreal, da fantasia esdrúxula transformando-o em Doutrina igrejeira. As obras básicas não são apresentadas para o iniciante, mas sim um curso disso ou daquilo ou seja conhece-se o pensamento de Kardec só através de pessoas que nem sempre conhecem a Doutrina Espírita.

É hora de se fazer algumas reflexões em torno dessa situação. A Doutrina Espírita, na verdade, tem sido uma grande desconhecida nos centros espíritas. O que se ensina está muito longe da realidade. Enquanto se estiver dando importância às histórias contadas pelos oradores de cátedra, que divulgam suas próprias experiências ou as daqueles que escolheram como ídolos, não se chegará à compreensão do que seja a Doutrina dos Espíritos. Bom lembrar que a Codificação é o pensamento do Espírito de Verdade, enquanto as obras da literatura acessória são opiniões de Espíritos, que embora tenham seu valor, não podem ser tomadas como parâmetro para quem deseja adentrar no conhecimento espírita, quanto mais se aprofundar em seu estudo.

O problema é grave e merece atenção dos que estão alerta para as mudanças que se avizinham. Os centros espíritas, em sua maioria, não estão em condições de amparar, com o espírito de fraternidade, racionalidade e disciplina que tanto ensinou o Mestre lionês. Estão envoltos na grande ilusão que caracteriza o tempo atual e que avassala a sociedade como uma doença crônica que mina as resistências do organismo para só então se mostrar quando já causou conseqüências danosas e, por vezes, irreversíveis. O prejuízo causado pela doutrina de superficialidade ensinada pelo sistema oficial e perpetrada pelos seus representantes em congressos, encontros e seminários de toda natureza é enorme e não se pode mais fechar os olhos a essa realidade sob o pretexto da caridade. Caridade maior é desmascarar a hipocrisia, a idolatria e o atraso decorrentes do espírito de fascinação que envolve a maior parte do Movimento Espírita deste e de outros países.

É bastante conhecida a influência que as elites exercem nos diversos setores da sociedade e, como não poderia deixar de ser, também na área da religião. Com suas idéias de cunho puramente humano, elas modificam o verdadeiro sentido dos textos, moldando-os segundo as próprias conveniências. A história é testemunha deste fenômeno.

No movimento espírita de uns anos para cá, vêm se observando mudanças de práticas, hábitos e pensamentos em torno do Espiritismo. Inverteram o papel da casa espírita. Muitos núcleos foram ironicamente transformados em verdadeiros centros de assistência social, com graves prejuízos à obra libertadora do Espírito. (...)

A Doutrina do Consolador, promessa feita por Jesus aos homens, vem sendo interpretada de forma equivocada, sem qualquer baliza racional. Os responsáveis por esta conduta são membros das elites que acabaram assumindo postos de comando nas federações e casas espíritas, formando grupos políticos que só participam quem tem alto cargo político-empresarial. Embora seus pensamentos sejam relativamente úteis, quase sempre trazem o cunho das idéias humanas. Amam as gloriolas sociais, os títulos e o sentar nos primeiros lugares da festa.

Vê-se no movimento espírita uma poderosa influência deles, que podemos considerar os "doutores" do nosso tempo. Semelhante ao que ocorreu no passado, estas pessoas estão interpretando os ensinamentos dos Espíritos à luz do próprio conhecimento e dos interesses pessoais. As personalidades transitórias vêm sendo cultuadas como faziam os Fariseus dos tempos do Cristo. Alguns jornais espíritas, editados por Federações, são verdadeiros templos de vaidades, onde se deleitam orgulhosos escritores, oradores e médiuns. A maioria dos congressos são meros acontecimentos sociais e políticos, onde brilha o culturalismo vazio daqueles que pomposamente dirigem o sistema.

O sistema de pensamento e investigação desenvolvido por Allan Kardec é o grande ausente no Movimento Espírita. No final de sua vida, o Codificador estava só. Alguns detratores seus, que se diziam espíritas, afirmavam que ele queria apoderar-se da verdade e se fazer dono do Espiritismo. Jean Baptiste Roustaing e seus seguidores estavam entre eles.

Pouco antes de desencarnar, o Codificador começou a preparar instruções para salvaguardar o movimento nascente de falsas interpretações. Não chegou a terminar seu trabalho. Quando se lê seus últimos apontamentos, nota-se, com tristeza, que suas preciosas instruções sobre a condução do Movimento Espírita jamais foram seguidas por seus adeptos. Bom número deles sequer conhece suas obras, instrui-se em livros subsidiários nem sempre idôneos e, freqüentemente, é vítima de Espíritos enganadores.

A explícita vaidade que arrasta os incautos aos palcos dos aplausos fáceis, afastando-os da condição de humildes servos, pois que não trazem no corpo as marcas do íntimo trabalho de renovação moral em direção a Jesus. Essas marcas são de sacrifícios e renúncias, e não de glórias mundanas; são de humildade e não de exaltação; são de sinceridade e não de hipocrisia, lisonja e soberba; são de abnegação, coragem, altruísmo e perseverança. Somos os trabalhadores do Mestre Jesus. Examinemos a nossa consciência e procuremos identificar essas marcas em nós. Certamente teremos dificuldades em encontrá-las, pois para encontrá-las teremos que estudarmos.

Hoje os trabalhadores da seara espírita geralmente julgam-se detentores de muitas luzes. Comportam-se como se escolhidos fossem para desempenhar sublime missão e, considerando-se seres especiais, preocupam-se muito pouco com seu aprimoramento, o que leva muitos a trilhar por caminhos tais que, no mais das vezes, nada de edificante produzem, tornando-se estéreis como a figueira seca.

A Doutrina Espírita, sendo o Consolador prometido por Jesus, trouxe de volta as lições do Mestre, a simplicidade dos núcleos, onde a mensagem divina era ensinada pela inspiração dos Espíritos de Deus. As casas espíritas necessitam reencontrar esse caminho. São elas, através de seus ensinamentos, que poderão despertar as criaturas ao conhecimento da verdade.

O trabalhador espírita, verdadeiramente compenetrado do seu dever, deverá zelar pela seriedade do seu trabalho, entendendo que Jesus só precisa de homens de bem para desenvolver a sublime tarefa de transformação do planeta. Entretanto, enquanto permanecermos enclausurados em castelos de fantasia, enfeitando os centros espíritas com plantas que o Pai celestial não plantou, enquanto não compreendermos o quão pequenos somos diante do poder e sabedoria divinos, infelizmente estaremos caminhando na contramão. E certamente necessitando da mesma reprovação que Paulo fez aos Coríntios há dois mil anos.

Mudar essa mentalidade vigente, conduzindo parte desses seguidores de Allan Kardec ao encontro das instruções do Codificador do Espiritismo, é tarefa urgente. Espera-se que os espíritas sérios reúnam forças em torno desse ideal. Hoje, há diversas pessoas dentro e fora do país que buscam restabelecer essa base doutrinária. Urge estimular os centros espíritas a se ajustarem conforme as orientações da Codificação, fazendo com que se instale neles o gosto pelo estudo, pelo raciocínio e pelo trabalho metódico, faz-se necessário criarmos normas disciplinares, para a admissão e selecionarmos candidatos interessados em ingressar no estudo para humildemente servir na seara do Jesus.

As obrigações fundamentais da vida espírita, o esforço constante para conhecer-se, o estudo regular da doutrina para o desenvolvimento do raciocínio lógico, foram substituídos por preocupações de somenos importância. O assistencialismo tornou-se a principal tarefa dos seguidores de Allan Kardec. Pseudo-professores e falsos líderes semearam no terreno filosófico as duvidosas sementes de Espíritos enganadores, chegaram até ao movimento pelo discurso polido dos intelectuais.

O clima de fascinação que tomou conta do movimento espírita, dando importância excessiva e perniciosa a médiuns e ou oradores, que estimulados pela vaidade e exaltação da personalidade, brilham mais que a própria mensagem em suas aparições públicas.

Há hoje uma natural falta de coragem de grande parte dos formadores de opinião, dirigentes, líderes e jornalistas, em posicionar-se sobre posturas, práticas e atitudes discordantes com a coerência dos ensinos de Jesus, de Allan Kardec e dos Espíritos Superiores.

A irracionalidade criou o espírito de exclusão que tomou conta do movimento espírita impedindo as pessoas de pensarem com seus próprios recursos, exercitando a crítica construtiva e necessária em torno de questões morais e doutrinárias, que considerarem fora do bom senso e da racionalidade. Somente quem fez a "faculdade espírita" é que pode tecer comentários. Criou assim, o separatismo, e com isso a idéia de posições inatingíveis pelo cidadão simples, uma espécie de "vaticano espírita" onde a plebe só serve para ouvir a rotatória e taxativa ciranda melodramática de parábolas evangélicas impossíveis de serem naquela forma colocadas em prática, mas onde oradores elitizados, se deleitam justificando sua "missão" no mais absurdo igrejismo espírita.

A evidente e talvez irreversível desagregação do sistema espírita da sua forma original, segue sustentado na ilusão de uma unificação que só existe em torno da instituição que o representa oficialmente (FEB e federativas estaduais), e não em torno dos ideais de Jesus e Kardec.

A FEB e muitas afiliadas estudam, editam e inserem na sua grade de trabalhos e das casas associadas e também divulga a obra que têm como principal marca derrubar teses kardequianas racionais sobre a origem de Jesus e dos homens em geral: Os Quatro Evangelhos de Roustaing. Um dos maiores inimigos do Espiritismo e detratores dos trabalhos de Kardec.

O pensamento de Roustaing, que nada mais é que o espiritismo católico representa hoje um sistema fortemente alicerçado por entidades espirituais que o alimenta, infiltrado com sutileza na conduta de muitos espíritas e na grande maioria das obras literárias existentes no meio.

As elites adoram a troca pública de amabilidades, uma espécie de doença moral da nossa época. Paulo disse em sua segunda carta a Timóteo que nos últimos tempos haveria criaturas amantes de si mesmas, soberbas, desobedientes à Lei. Com aparência do bem, mas sem a eficácia dele. Entre nós, multiplicam-se esses valores. É a decadência dos que seguem a revelação transmitida pela industria do cursismo espírita.

O trabalho dos centros espíritas está entregue às interpretações de cada dirigente que, bem ou mal, tenta a custa de suor e lagrimas fazer a casa cumprir com suas tarefas. Nunca tivemos um sistema lógico e objetivo a nível nacional ou internacional, que pudesse formar dirigentes e trabalhadores produtivos, com reais condições de servirem às necessidades da Seara. Um amadorismo pueril está presente em toda à parte. A prática doutrinária brilha em letras, discursos e obras materiais, mas em realizações espirituais e objetividade, mostra-se extremamente pobre.

Kardec nos esclarece e com o Espiritismo nos ensina sobre uma lei que a tudo governa: a lei da evolução. É um fato inegável o de que todos nós estamos em constante mutação buscando o progresso. Tomando como base esta lei, Allan Kardec traçou a linha de conduta do verdadeiro espírita, para que todos se esforçassem constantemente para dominar suas más inclinações. Ora, só podemos lutar contra uma tendência ruim se tivermos consciência dela. Para tanto, temos que nos conhecer. Daí surge à necessidade do auto-conhecimento, para se saber dos próprios defeitos e só conseguimos isto através dos estudos das obras básicas, o que muito raramente se vê nas casas espíritas, e depois, da vivência para corrigí-las.

Allan Kardec dizia que uma sociedade é um ser coletivo e que todos os princípios aplicados a uma pessoa poderiam ser igualmente aplicados a ela. Em razão disso, estamos propondo que dirigentes e trabalhadores façam uma sincera avaliação das atividades de suas casas espíritas e que tomem providências para melhorá-las. O movimento espírita vive em estado de apatia doutrinária. Há muito pouco interesse e resultados em torno dos estudos e das práticas relativas ao Espiritismo. Os centros se distanciaram de suas finalidades básicas, dando origem a um vazio que se torna mais patente a cada dia. A Doutrina é o renascimento do cristianismo primitivo e, para bem compreendermos as finalidades do centro espírita, devemos examinar o tipo de trabalho desenvolvido pelos Apóstolos e pelo próprio Allan Kardec.

Todos temos consciência que a obra do Espírito fere mortalmente os interesses terrenos. Entre nós espíritas, houve um grave descuido do "vigiai e orai", ensinado pelo Mestre. O mundo agiu e nós fizemos pouco para impedi-lo. Hoje, não é tempo para a destruição de livros, nem para a perseguição de pessoas, mas queremos chamar a atenção para os métodos hipócritas que existem pelos quais os simples podem ser enganados.

Falta-nos o ânimo dos cristãos primitivos, dos espíritas legitimamente kardequianos. Não é possível continuarmos ouvindo oradores realizarem polidos discursos ufanistas de felicidade, enquanto a humanidade agoniza na mais absurda ignorância e pobreza espiritual, ao lado da FEB. Continuarmos, assistindo às tolas discussões filosóficas em torno da doutrina de Roustaing ou da supremacia da Federação Espírita Brasileira sobre os espíritas do mundo. É chegada a hora dos espíritas sérios pensarem em reunir forças em torno dos ideais de Allan Kardec(...)

O movimento espírita tornou-se um meio contaminado por idéias e práticas estranhas, vindas das mais variadas vertentes do pensamento humano. Hoje grande parte das idéias divulgada pela FEB é a expressão do pensamento católico roustainguista, portanto, a antítese do pensamento kardequiano. A Federação Espírita Brasileira responsável oficial pelo sistema espírita Brasileiro, não seguiu as orientações do mestre Allan Kardec, resultando daí um movimento sem organização e controle devidos.

Para o iniciante, a palestra e o estudo, é a nosso ver depois do exemplo vivo, a mais importante forma de se ensinar Espiritismo. Através do diálogo, acontece as exposições dos fundamentos da doutrina nas reuniões públicas, os espíritos nos brindam com intuições amorosas a luz do Evangelho, com técnica, razão, delicadeza, sentimento, simplicidade e calcados pela ascendência moral.

O momento atual, exige do espírita muita responsabilidade.

E para pré-concluir, cuidado não apenas com as hordas místicas que estamos enfrentando, mas cuidado também com grupos disfarçados de não místicos, mas que se isolam dos demais querendo fazer um espiritismo separatista, alegando um exagerado cientificismo. Ciência espírita não é cientificismo e espiritismo é para todos, não para uma elite, não para uns poucos que se acham o supra-sumo, a ultima bolacha do pacote espírita. Combatemos o misticismo sim, mas eles são arrogantes e destratam os místicos e os espiritas em geral que não pensam como eles.

Pensem nisso!

"Fé inabalável é somente aquela que pode encarar a razão face a face, em todas as épocas da humanidade."

"Nascer, Morrer, Renascer ainda e Progredir sem cessar, tal é a Lei".

"Todo efeito tem uma causa; todo efeito inteligente tem uma causa inteligente; a potência de uma causa está na razão da grandeza do efeito".

"Sejam quais forem os prodígios realizados pela inteligência humana, esta inteligência tem também uma causa primária. É a inteligência superior a causa primária de todas as coisas, qualquer que seja o nome pelo qual o homem a designe".

"Reconhece-se à qualidade dos Espíritos pela sua linguagem; a dos Espíritos verdadeiramente bons e superiores é sempre digna, nobre, lógica, isenta de contradições; respira a sabedoria, a benevolência, a modéstia e a moral mais pura; é concisa e sem palavras inúteis. Nos Espíritos inferiores, ignorantes, ou orgulhosos, o vazio das idéias é quase sempre compensado pela abundância de palavras. Todo pensamento evidentemente falso, toda máxima contrária à sã moral, todo conselho ridículo, toda expressão grosseira, trivial ou simplesmente frívola, enfim, toda marca de malevolência, de presunção ou de arrogância, são sinais incontestáveis de inferioridade num Espírito".

"Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral, e pelos esforços que faz para domar as suas más inclinações".

"Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ela a aceitará"

"Melhorados os homens, não fornecerão ao mundo invisível senão bons espíritos; estes, encarnando-se, por sua vez só fornecerão à Humanidade corporal elementos aperfeiçoados. A Terra deixará, então, de ser um mundo expiatório e os homens não sofrerão mais as misérias decorrentes das suas imperfeições".

"Onde quer que as minhas obras penetram servem de guia, e o Espiritismo é visto sob o seu verdadeiro aspecto, isto é, sob um caráter exclusivamente moral".

"Pelo espiritismo a humanidade deve entrar em uma nova fase, a do progresso moral, que é a sua conseqüência inevitável".

"Antes de fazer a coisa para os homens, é preciso formar os homens para a coisa, como se formam obreiros, antes de lhes confiar um trabalho. Antes de construir, é preciso que nos certifiquemos da solidez dos materiais. Aqui os materiais sólidos são os homens de coração, de devotamento e abnegação".

Se souber de quem são estas palavras, tire suas próprias conclusões.

Fonte: http://espiritismodeverdade.blogspot.com.br/2013/03/os-piores-inimigos-do-espiritismo.html

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Estude a Doutrina Espírita com Sérgio Aleixo no Paltalk


Por O Blog dos Espíritas

A Associação de Divulgadores do Espiritismo do Rio de Janeiro, através de seu vice-presidente, escritor e orador espírita Sérgio Aleixo, realiza semanalmente, às terças e quintas às 22 horas e aos domingos, às 19 horas, estudos online acerca do Espiritismo através do programa Paltalk. (Clique aqui para saber mais sobre o programa e fazer o download).

Os estudos da ADE-RJ são focados nas obras de Allan Kardec (Codificação e Revista Espírita) e buscam aferir temas como a identidade espírita atual, esclarecimentos de postulados doutrinários, consolação para as aflições da vida, o que disso decorre etc.

Após criar um apelido (nickname) no Paltalk, entre na pasta South America, e depois na pasta Brazil. Na relação de salas que aparecerá, dê um duplo clique na sala ADE RJ - Associação de Divulgadores do Espiritismo, nos dias e horários anteriormente mencionados.

Mais salas de estudos

Outra sala de estudos espíritas é a da Sociedade Espírita de Estudos no Paltalk - SEEP. Suas reuniões acontecem todas as segundas, às 21 horas.

A sala "Espiritismo com Kardec" visa estudar as obras de Allan Kardec e outros autores espíritas, a exemplo de Herculano Pires, Nazareno Tourinho, Gélio Lacerda e Léon Denis. Os encontros são realizados semanalmente, às sextas-feiras, às 22 horas.

Bons estudos!


quarta-feira, 15 de maio de 2013

Repensando Jesus - Parte II


Por Maria Ribeiro

 Dar-se-á continuidade a respeito das ditas mensagens psicografadas que trazem revelações da vida de Jesus não contadas nos Evangelhos. Pois bem, estes textos caíram no gosto de grande número de adeptos e são utilizados inclusive para basearem os estudos realizados nos Centros quando o tema é a figura do Mestre.

Sem querer repetir o que grandes estudiosos do passado e do presente incansavelmente dizem, há nisto grande perigo, e o mais imediato é realmente a assimilação de tais ensinamentos pelos não estudiosos com sua consequente permanência na ignorância. Coisas que parecem inofensivas podem causar, como tem causado, grandes transtornos no ME.

Não se pode negar que trata-se de empreendimento por demais audacioso, e claro, temerário. Até certo ponto, também as tentativas de interpretações de passagens evangélicas caíram num terrível vício de floreações por demais exageradas, trocando as falas simbólicas do Cristo por outras simbologias, muitas vezes vagas e sem fundamento prático. Há inúmeras obras disseminadas no ME de conteúdo pretensamente "evangélico", para cujas interpretações deve ter havido um esforço enorme de imaginação.

Sobre isto, entretanto, é preciso que fique muito claro que tanto os escritores quanto suas obras são respeitados, mediante a fraternidade que deve unir todos os homens. Mas até certo grau, pois nenhuma literatura pode superar aquela trazida pelos Espíritos Superiores na Codificação. Quando a Codificação deixa de ser o parâmetro então se torna difícil que os confrades se dialoguem, pois que falarão de coisas diversas.

A Doutrina Espírita é como o cérebro e a medula espinal que comandam as funções do corpo e seus membros, de maneira que, se por alguma razão, os membros começam a ganhar vida própria e a agir por si mesmos, caminharão para rumos incertos.

Não se trata de querer impor o conhecimento trazido pela Doutrina como o único verdadeiro, trata-se de admitir que o conhecimento trazido pela Doutrina teve um mestre criterioso, sensato, racional. Aliás ele próprio garantiu que haveria complementos, já que a Doutrina Espírita é uma ciência e como tal não estará estagnada. O grave problema é que as falas consideradas "complemento da Doutrina" simplesmente a contradizem sem nenhum constrangimento, sendo aceitas sem critério algum por boa parte de adeptos deslumbrados com as "novidades".

Os textos da Codificação não foram poupados, pois também surgiram os que querem "interpretá-los!"

Com poucos minutos de conversa é possível reconhecer os que "se formam" fora da escola kardequiana: acham que sua literatura  agradável, floreada e poética lhes ensina tudo sobre Espiritismo; acreditam que a instituição que se intitula para o ME quase que como um vaticano para os católicos é simplesmente o máximo, visto que confiável, acima de qualquer suspeita. Geralmente são pessoas "nascidas na Doutrina" ou foram adotadas pelos "donos dos centros", de quem recebem orientações. A verdade é que muitos entraram na Doutrina, mas não percebem diferença entre ela e o Movimento Espírita.

Não se pode ter nada contra o romantismo e a poesia, isto alivia as tensões, as carências. O problema é fazer alguém encontrar lógica nas coisas mais absurdas, às vezes até ridículas.

Sobre as experiências de Jesus nos bastidores dos evangelhos, descritas nas psicografias, já se pôde constatar duas versões distintas para o mesmo fato. Fosse verdadeiro, o desfecho seria o mesmo, obedecendo ao estilo de cada médium-espírito, claro. O que ocorre, entretanto, é que muitos absorvem muito rápido o que ouvem e, como são orientadas a lerem estas obras, sedimentam o erro que cria raiz. Não adquirem o hábito de ler Kardec, e o que chamam livros de estudo, não passam de releituras infiéis de pontos doutrinários mal compreendidos.   

Não bastam os ensinos do Sermão da Montanha, verdadeiro código de ética descrito principalmente no livro de Mateus? Neste, Jesus fala claramente sobre como o homem deve se conduzir consigo mesmo, em sociedade e com Deus.

Jesus entra justamente neste ponto: consta que ele era um homem dócil, brando, meigo. Estas qualidades parecem tocar mais de perto as pessoas. E pensar que nele estas qualidades eram reflexo de sua grande sabedoria, exige um raciocínio que a Doutrina nos propõe quando fala da progressão dos Espíritos. No ME há os que enxergam em Jesus algo tão extraordinário que se esquecem de que ele é um Espírito que evoluiu obedecendo às mesmas leis impostas para todos. 

Mas Jesus era também um homem enérgico e esta nuance de sua personalidade parece não ser muito atraente. 

O homem doce e meigo afaga, compreende, oferece conselhos e um ombro para chorar, cura feridas. Mas o enérgico fala o que é preciso que se ouça, fala o que é preciso ser falado. E fala naturalmente, pois sabe que há uma realidade indesejável, prejudicial, que precisa ser contida. Ele só demonstra energia quando se refere aos teimosos, a pessoas que cometem erros por gosto de fazê-lo. É um homem maduro que ensina de forma que todos  compreendam, de acordo com a maturidade de cada um.

O "Conheça-te a ti mesmo" proposto pelo filósofo da antiguidade e relembrada pelos reveladores da espiritualidade, significa encarar aos próprios defeitos e não fugir deles, fingir que não existem. O que se faz é o que Freud chama de negação - processo mental usado para a recusa da percepção de realidades internas ou não, geralmente fatos ou eventos desagradáveis ou dolorosos. Deve ser por isso que vê-se pessoas insatisfeitas com a Verdade o tempo todo, se debatendo, se magoando por que estão diante de realidades que precisam mudar. Isto é Jesus falando e multidões se recusando a ouvir. 

O problema é que toda mudança requer trabalho e causa transtorno, por isto a inação parece mais cômoda. Então é preciso surgir o homem enérgico, o homem verdade: Jesus.

Metaforicamente, então é o momento de crucificar Jesus, posto que ele é a Verdade.

Para os espíritas a figura de Jesus não pode ser amesquinhada conforme o fizeram outrem. Espíritos Perfeitos sabem todas as coisas. Mas, repetidamente, ouve-se falar em "duas asas da evolução"- referência aos aspectos evolutivos moral e intelectual, pois que não se compreendeu até hoje que o progresso intelectual leva ao moral, infalivelmente; separações de conceitos como "Evangelho e Doutrina", quando os  próprios Espíritos em resposta a Kardec na conhecida questão 625 de O Livro dos Espíritos propagam ser Jesus - seus ensinamentos - o modelo e guia da Humanidade. A imaginação criou com isto uma religião espírita, cheia de dogmas, ritualismos e preceitos que se vê em combate com as contradições criadas por ela mesma ao longo do tempo.

Jesus não é o santo, o inocente que morreu na cruz conforme se ouve nas evangelizações. Jesus é um Espírito hierarquicamente elevado que se propôs a instruir um grupo de Espíritos ignorantes. Daí ele afirmar ser o mestre. Aquela figura de coitadinho não comunga com a real condição de um mestre, muito menos com a condição de Espírito Perfeito...  

Jesus é o símbolo da Moral, dos ricos valores que um homem deve haurir em sua trajetória, não para encontrar-se com Deus, aquele Deus majestoso, "cheio de glórias"... mas para encontrar-se a si mesmo, pois quando isso acontecer, Deus terá deixado de ser um mistério, suas leis magnânimas serão parceiras benquistas do Homem Moralizado.

Em algum momento da eternidade, o Espírito que surgiu a dois mil anos sob o nome de Jesus nada mais era do que alguém em condições parecidas com as que se conhecem: dificuldades, defeitos, falhas, erros, quedas. Num outro momento da eternidade, o Homem Moralizado será também um símbolo da Moral para outros homens ignorantes.

É a lei da vida - solidariedade.

  • Leia aqui a primeira parte deste texto.

[RE] - A solidariedade


Revista Espírita, março de 1867 - Dissertações espíritas

Paris, 26 de novembro de 1866 - Médium, Sr. Sabb...

Glória a Deus e paz aos homens de boa vontade!

O estudo do Espiritismo não deve ser vão. Para certos homens levianos, é uma diversão; para os homens sérios, deve ser sério.

Antes de tudo refleti numa coisa. Não estais na Terra para aí viver à maneira de animais, para aí vegetar à maneira de gramíneas ou de árvores. As gramíneas e as árvores têm a vida orgânica e não têm vida inteligente, como os animais não têm a vida moral. Tudo vive, tudo respira na Natureza, mas só o homem sente e se sente.

Como são insensatos e lamentáveis aqueles que se desprezam a ponto de comparar-se a um talo de erva ou a um elefante! Não confundamos os gêneros nem as espécies. Não são grandes filósofos nem grandes naturalistas que veem no Es­piritismo, por exemplo, uma nova edição da metempsicose, e sobretudo de uma metempsicose absurda. A metempsicose é o sonho de um homem criativo, nada mais que isto. Um animal, um vegetal produz o seu congênere, nem mais nem menos. Diga-se isto para impedir que velhas ideias falsas sejam propaladas à sombra do Espiritismo.

Homem, sede homem; sabei de onde vindes e para onde ides. Sois o filho amado daquele que tudo fez e vos deu um objetivo, um destino que deveis cumprir sem o conhecer absolutamente. Éreis necessário aos seus desígnios, à sua glória, à sua própria felicidade? Questões ociosas, porque insolúveis. Vós SOIS; sede reconhecidos por isto, mas ser não é tudo, é preciso ser segundo as leis do Criador, que são as vossas próprias leis. Lançado na existência, sois ao mesmo tempo causa e efeito. Nem como causa, nem como efeito, podeis, ao menos quanto ao presente, determinar o vosso papel, mas podeis seguir as vossas leis. Ora, a principal é esta: O homem não é um ser isolado; é um ser coletivo. O homem é solidário ao homem. É em vão que ele procura o complemento de seu ser, isto é, a felicidade em si mesmo ou naquilo que o cerca isoladamente, porque ele não pode encontrá-la senão no HOMEM ou na Humanidade. Então, nada fazeis para ser pessoalmente feliz, tanto que a infelicidade de um membro da Humanidade, de uma parte de vós mesmo, poderá vos afligir.

Isto que vos ensino é moral, direis vós. Ora, a moral é um velho lugar-comum. Olhai em torno de vós. O que há de mais ordinário, de mais comum que a sucessão periódica do dia e da noite; que a necessidade de vos alimentardes e de vos vestirdes? É para isso que tendem todos os vossos cuidados, todos os vossos esforços. Isso é necessário, pois a parte material do vosso ser o exige. Mas a vossa natureza não é dupla? Não sois mais espírito do que corpo? Então, como pode ser mais difícil para vós ouvir que se vos relembre as leis morais do que aplicar a todo instante as leis físicas? Se fosseis menos preocupados e menos distraídos, essa repetição não seria tão necessária.

Não nos afastemos de nosso assunto: O Espiritismo bem compreendido é para a vida da alma o que o trabalho material é para a vida do corpo. Ocupai-vos dele com esse objetivo, e ficai certos de que quando tiverdes feito, para o vosso melhoramento moral, a metade do que fazeis para melhorar a vossa existência material, tereis dado um grande passo para a humanização. 

Um Espírito.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Como Kardec utilizou a expressão "Princípio inteligente"?


Por Jáder dos Reis Sampaio

Um desafio importante para o pensamento espírita é evitar a confusão de palavras e distinguir diferentes conceitos em diferentes autores.

Desdobramento, por exemplo, é uma palavra amplamente utilizada pelo movimento espírita brasileiro contemporâneo, para referir-se a um tipo de mediunidade na qual o Espírito do médium aparenta sair do corpo e incursionar-se pelo plano espiritual. Na obra de Kardec, no entanto, este termo não é empregado. Para referir-se à mesma faculdade, o fundador do espiritismo usa a expressão "sonambulismo mediúnico", e o explica a partir da teoria da emancipação da alma.

Um termo praticamente redefinido é a expressão kardequiana princípio inteligente. Lendo sua obra, vê-se que o principal emprego para esta expressão é fazer oposição à ideia de um princípio material, ou seja, adotar uma posição filosófica dualista, na qual espírito (com e minúsculo) e matéria formam os elementos constitutivos do universo, não se podendo reduzir um ao outro. Allan Kardec está propondo a existência de uma natureza material e uma natureza espiritual, que se interagem, mas são irredutíveis uma à outra.

Um dos recursos da hermenêutica usados para identificar o sentido das palavras é verificar como são utilizadas pelo mesmo autor em diferentes textos produzidos, se possível (desde que ele não as tenha redefinido, como pode acontecer com os filósofos e cientistas ao longo de sua obra). São diversas as passagens nos textos de Kardec na qual encontramos uma explicação do que é princípio inteligente. Selecionei algumas, de obras e passagens menos lidas, para fundamentar minha análise do sentido desta expressão:

3. O Espírito propriamente dito é o princípio inteligente; sua natureza íntima nos é desconhecida; para nós ele é imaterial, porque não tem nenhuma analogia com o que chamamos matéria.(O espiritismo em sua expressão mais simples, os grifos são nossos)

Vê-se que Kardec não atribui "princípio inteligente" apenas ao princípio espiritual que animaria seres anteriores ao homem na escala evolutiva.

6. Terá o princípio espiritual sua fonte de origem no elemento cósmico universal? Será ele apenas uma transformação, um modo de existência desse elemento, como a luz, a eletricidade, o calor, etc.?

Se fosse assim, o princípio espiritual sofreria as vicissitudes da matéria; extinguir-se-ia pela desagregação, como o princípio vital; momentânea seria, como a do corpo, a existência do ser inteligente que, então, ao morrer, volveria ao nada, ou, o que daria na mesma, ao todo universal. Seria, numa palavra, a sanção das doutrinas materialistas. (A Gênese, cap. 11 - Princípio espiritual)

Neste trecho de um capítulo que merece ser lido por inteiro, Kardec justifica porque mantém uma posição dualista. O princípio espiritual não apresenta propriedades da matéria. Ele percebe claramente que o monismo, se levado às últimas consequências, está associado ao pensamento materialista ou fisicalista. O monismo, como doutrina filosófica, embora possa ter muitas acepções, geralmente é utilizado nos nossos dias como a inexistência ou impossibilidade de se defender com bases empíricas a existência de outra natureza que não a material. É uma expressão do ceticismo radical e de uma concepção das ciências naturais.

21. A verdadeira vida, tanto do animal como do homem, não está no invólucro corporal, do mesmo que não está no vestuário. Está no princípio inteligente que preexiste e sobrevive ao corpo. Esse princípio necessita do corpo, para se desenvolver pelo trabalho que lhe cumpre realizar sobre a matéria bruta. O corpo se consome nesse trabalho, mas o Espírito não se gasta; ao contrário, sai dele cada vez mais forte, mais lúcido e mais apto.(A Gênese, cap. III, O Bem e o Mal. Os grifos são nossos) 

Esta também é uma das passagens de Kardec na qual se vê que quando ele emprega a expressão princípio inteligente, não se refere apenas aos seres anteriores aos humanos, mas a um princípio que se opõe ao princípio material. Ele argumenta pela necessidade da interação entre os princípios (espirito e matéria) para a evolução do espírito. Kardec defende aquilo que o Prof. Rubens Romanelli (espírita mineiro e professor universitário) denominaria "o primado do espírito".

Podemos continuar, citando outras obras e contextos em Allan Kardec, mas ficaria enfadonho. Creio que é suficiente para demonstrar que nosso uso contemporâneo de "princípio inteligente" não é o mesmo empregado pelo mestre lionês.

Fonte: http://espiritismocomentado.blogspot.com.br/2013/05/como-kardec-utilizou-expressao.html?spref=fb