quarta-feira, 10 de abril de 2013

O Espiritismo exige responsabilidade


Antonio Sérgio C. Picollo e Elio Mollo

Dentre as principais finalidades de um Centro Espírita, destacam-se, o amparo, o esclarecimento e o consolo, à luz da Dou­tri­na Espírita, que se fornecem a todos os ir­mãos necessitados que o pro­curam. Em primeiro lugar é óbvio que se algum espírita pretende ajudar alguém, à luz do Espiritismo, é necessário que ele conheça seus fundamentos básicos. É neste ponto que verificamos que surgem muitos problemas, de forma muito comum, em diversos Centros Espíritas de todo o Brasil. Infelizmente, muitos dirigentes e trabalhadores da Seara Espírita não conhecem a fundo (às vezes, nem superficial­mente) as obras básicas do Espiritismo codifica­das por Allan Kardec e por isso mesmo tornam-se inaptos a orientar algum necessitado, ou mesmo a proferir uma palestra sobre Espiritismo. Parece-nos que muitos ainda não conhecem aquelas velhas frases: "Temos de começar pelo começo" ou "Não se inicia a construção de uma casa pelo telhado, e sim pelo alicerce". É comum constatarmos que diversos Centros Espíritas e Federações de alguns Esta­dos, em seus cursos básicos de Espiritismo, ou até mesmo em palestras abertas ao público em geral, releguem as obras de Kardec a um segundo plano, dando franca preferência a outros livros psicografados. E ainda orientam pessoas iniciantes na Doutrina a começarem a ler esse tipo de literatura que, que­remos deixar bem claro, são importantes, louváveis e de inestimável valor, porém, para aqueles que já possuem conhecimento dos elementos básicos da Doutrina Espírita. Não é raro assistirmos palestras públicas, onde muitas pessoas lá se encontram pela primeira vez, e vemos que o expositor espírita, após esclarecer que aquele local é uma “Casa Kardecista”, se põe a falar sobre os bônus-hora, de ministérios existentes nas colônias espirituais, dos veículos de locomoção lá existentes etc.. Ora, se alguém de bom-senso, leigo em conhecimentos espíritas, assistir a esse tipo de palestra, logo duvidará da seriedade do Espiritismo e dos espíritas, pois, com razão, achará que tudo aquilo é ilógico ou se trata de algum conto de ficção. Não devemos nos esquecer de que todos os dias chegam aos Centros Espíritas pessoas oriundas de outras religiões, que nada conhecem sobre Espiritismo e por isso é que tanto em matéria de palestras, como em relação a orientar sobre leituras, é de suma importância que se dê ênfase às obras basilares da Doutrina, a saber: "O que é o Espiritismo", "O Livro dos Espíritos",  e, para que essas pessoas não se confundam e, sim, sejam esclarecidas. Depois desses conhecimentos bem assenta­dos em nossas mentes, é que pode­remos pensar em dar continuidade, em cursos separados do curso básico, ao estudo regular e metódico de "O Livro dos Médiuns" e de­mais obras de Kardec. Somente aí é que estaremos realmente em condições de estudarmos as importantes e verdadeiras obras subsidiárias da Doutrina Espírita. Como dissemos em relação a essas últimas nada te­mos contra, muito pelo contrário, porém, re­afirmamos que somente aqueles que já adquiriram conhecimentos das obras de Kardec serão capazes de absorver essas instruções. Caso contrário, estaremos orientando essas criaturas de forma distorcida e isso é uma ir­responsabilidade.

Como podemos nos considerar espíritas sem o conhecimento das obras de Kardec? Como ingressarmos numa faculdade de medicina, por exemplo, no quarto ano de graduação, sem termos conhecimento dos três primeiros anos básicos? Certamente, não entenderíamos muita coisa do restante do curso, senti­ríamos falta de conhecimentos básicos para compreendermos novas lições, e, se prosseguíssemos, sem dúvida, nos tornaríamos maus profissionais, pondo em risco a saúde dos pacientes, desprestigiando a medicina e os colegas de profissão. Esse simples exemplo serve como termo de comparação com o Centro Espírita. Se alguma pessoa ti­ver acesso a uma Casa Espírita e não lhe for apresentada corretamente a Doutrina Espírita, esta pessoa, caso continue a freqüentar esse local, continuará com falta de conheci­mento e coragem para solucionar esses problemas e, no futuro, será um médium ou trabalhador inseguro, cheio de dúvidas, e ignorante dos conhecimentos que necessita para si e também para poder ajudar aos outros.

Não achamos válida a justificativa que muitos irmãos utilizam de que "Kardec é difícil de entender" ou que "As obras de Kardec são maçantes".  Recordamos textualmente as palavras do codificador na introdução de "O Livro dos Espíritos": "Mas jamais dissemos que esta ciência seja fácil nem que se possa aprendê-la brincando, como também não se dá como qualquer outra ciência. Nunca será demais repetir que ela exige estudo constante e quase sempre prolongado".

Se observarmos com profundidade as obras de Kardec chegaremos a conclusão de que ele sempre usou o bom senso e para não criar dúvidas procurou ser objetivo e simples durante a codificação. Devemos alertar que muitas obras de outros autores que são consideradas "fáceis de entender", além de muitas vezes conterem erros doutrinários, não nos tornam aptos a compreendermos correta e aprofundadamente a Doutrina Espírita, gerando, cedo ou tarde, dúvidas e confusão dentro de nós mesmos que preferimos o caminho "mais fácil". Daí a importância de termos dirigentes espíritas conscientes e responsáveis para essa difícil tarefa de conduzirem a Doutrina Espírita com o máximo de pureza doutrinária, de saberem criar cursos regulares de Espiritismo de maneira adequada e lógica, sempre à luz das obras de Kardec em primeiro lugar. Que nossos dirigentes respeitem o Espiritismo divulgando-o como ele é na realidade e não inserindo opiniões pessoais como sendo verdade. Daí também surge a necessidade gritante de se capacitarem melhor, se aprofundando nas obras de Kardec, de se atualizarem através de trocas de experiências com outros dirigentes de outras Casas Espíritas, da leitura e divulgação dos jornais espíritas, enfim, de estudar Kardec e entender melhor as lições Jesus para praticá-las com mais eficiência a cada dia que passa.

Pensemos nesta responsabilidade.

Artigo publicado originalmente no jornal Correio Fraterno do ABC no 243, abril 1991

Fonte: http://www.ieja.org/portugues/Estudos/Artigos/p_oespiritismoexigeresponsabilidade.htm

domingo, 7 de abril de 2013

A obra de Chico Xavier - Considerações sobre sua biografia autorizada


Por Silvia Oliveira

O livro de Marcel Souto Maior intitulado As Vidas de Chico Xavier (segunda edição – 2002) é uma biografia para a qual, além do médium, Deus teria dado autorização (pag.17). A obra descreve as relações entre Chico e seu mentor Emmanuel. 

De acordo com o autor, em 1931, Chico Xavier teve suas orações interrompidas pela visita de um espírito de figura imponente que lhe perguntou se estava mesmo decidido a trabalhar na mediunidade. Aceitou, e a tutela se estabeleceria mediante o cumprimento de três pontos básicos: “disciplina, disciplina e disciplina” (pag.44). A missão de Chico seria: “divulgar, por meio de livros, a doutrina dos espíritos”. Trinta livros para começar. 

Em 1938, começa a psicografia de Há Dois Mil Anos, episódio assim descrito no livro de Souto Maior (pag.68): “A primeira cena o pegou de surpresa: dois romanos envoltos em suas túnicas trocavam ideias no jardim. ... As imagens e sons eram nítidos demais. ... Parou de escrever e ouviu de Emmanuel, o autor do romance: Você está sob certa hipnose. Você está vendo o que estou pensando.” Segue: “Chico acompanhou a história como um telespectador diante de novelas. Chegou a torcer por certos personagens. Um deles era Emmanuel numa da suas vidas pregressas. Na época de Cristo, ele teria sido, não um apóstolo, mas um senador romano chamado Públio Lentulus.” Nesta história (pag.80), Chico teria sido Flávia, a filha leprosa de Emmanuel curada por Jesus. Apesar da falta de dados históricos que comprovem a existência destes personagens, ele sentia-se endividado perante Jesus pela cura obtida. 

O Livro dos Médiuns nos diz no cap. XXIII, item 239, que a fascinação é uma ilusão produzida pela ação direta do Espírito sobre o pensamento do médium, e que paralisa de alguma forma seu julgamento a respeito das comunicações. O médium fascinado NÃO CRÊ SER ENGANADO; o Espírito tem a arte de inspirar uma CONFIANÇA CEGA.

No fim deste mesmo ano, Chico foi convidado por um grupo de cientistas russos para se submeter a testes em Moscou. Emmanuel disse: “Se quiser, pode ir. Eu fico.” Chico não foi.

Em 1943, surge o livro Nosso Lar, assinado pelo espírito André Luis. Diante do inusitado mundo espiritual Chico Xavier se sentiu como “um autor de ficção científica”. Diz Souto Maior (pag.84): “Escutava as frases e titubeava com o lápis na mão, perplexo diante do mundo novo.” 

Embora Emmanuel tenha dito a Chico Xavier que mantivesse fidelidade irrestrita a Jesus e a Kardec (pag.53), o médium acabou escrevendo uma série de romances absolutamente contrários à codificação, devidamente prefaciados pelo mentor. Chico não se considerava o autor dos livros, razão pela qual entregou à FEB os direitos autorais das suas obras. Talvez, por isto, ele tenha se isentado de qualquer responsabilidade sobre o que escrevia. No livro Emmanuel ele diz: “Entrar na apreciação do livro, em si mesmo, é coisa que não está na minha competência”. Adotando tal conduta, permitiu a impressão de tudo sem analisar o conteúdo, sem se preocupar se havia, ou não, concordância com os princípios da Doutrina à qual lhe foi aconselhado manter-se fiel.

Ao terminar Nosso Lar, o décimo nono livro, Chico quis estudar psicografia. Pediu a opinião do seu amigo espiritual e ouviu o seguinte (pag.85): “Se a laranjeira quisesse estudar o que se passa com ela na produção das laranjas, com certeza não produziria fruto algum. Para nós o que interessa é trabalhar.” Chico obedeceu. Não levou Kardec em consideração quanto à necessidade do estudo preceder à prática mediúnica, fator indispensável ao médium para que ele não se depare com consequências desagradáveis e caia nos perigos da obsessão. 

Na sequência, há na biografia um relato da rotina de Chico Xavier, descrita como “um massacre” (pag.87), sob o “chicote” de Emmanuel (palavras do autor). Diz o livro: “Chico fechava os olhos para a diversão, algumas vezes à força. Numa tarde, ele teve sua conversa com amigos interrompida pelo vozeirão irritado de Emmanuel. Já era mais do que hora de ele encerrar aquele bate-papo, que atravessou a tarde inteira, e se trancar no quarto para escrever. Precisava colocar no papel um novo livro. Chico, animado, pediu mais alguns minutos. Emmanuel encerrou o assunto. Tinha de ser naquele momento, senão ele iria embora. Não podia perder tempo com trivialidades.”

Chico se dedicava a muitas tarefas, trabalhava, atendia doentes, visitava pessoas, era perseguido por jornalistas, tinha sua vida criticada, sofria sérios problemas de saúde e psicografava livros sem parar. Emmanuel, de acordo com o biógrafo, “fiscalizava” o que Chico escrevia, e até o que ele dizia. Aparentemente, era mantido por seu mentor no limite das suas forças físicas e psicológicas, sob um controle absoluto. Estava exausto, mas mantinha-se obediente, esquecendo que a Doutrina nos diz que Espíritos superiores não impõem tarefas, não constrangem os médiuns, apenas sugerem e se retiram quando não são atendidos (RE, fevereiro de 1859) . O contrário caracteriza um processo obsessivo.

Em 1947 Chico Xavier terminou o trigésimo livro (pag.103). “Eufórico, viu Emmanuel se aproximar e perguntou se sua tarefa estava encerrada. O guia anunciou: ”Começaremos uma nova série de 30 volumes. Chico respirou fundo e obedeceu desanimado. O médium demonstra claramente ignorar o seguinte ensinamento de Kardec no artigo Obsedados e Subjugados da Revista Espírita de outubro de 1858: “Todo médium deve prevenir-se contra o irresistível empolgamento que o leva a escrever sem cessar e até em momentos inoportunos; deve ser senhor de si e não escrever senão quando o quer.”

Em 1969, o centésimo livro estava pronto. Chico tinha 59 anos e recebeu perplexo, a notícia de que a tarefa ainda não estava terminada. Eis o relato (pag.190): 

- Devo trabalhar na recepção de mensagens e livros até o fim da minha vida atual?

- Sim, não temos outra alternativa.

O autor dos cem livros insistiu.

- E se eu não quiser? A doutrina espírita ensina que somos portadores do livre-arbítrio para decidir sobre nossos próprios caminhos.

Emmanuel sorriu e deu o veredito:

- A instrução a que me refiro é semelhante a um decreto de desapropriação, quando lançado por autoridade na Terra. Se você recusar o serviço a que me reporto, os orientadores dessa obra de nos dedicarmos ao cristianismo redivivo terão autoridade para TIRAR VOCÊ DE SEU ATUAL CORPO FÍSICO.

Chico Xavier argumenta, citando a Doutrina, mas sucumbe diante da ameaça. Continuou psicografando os mais de 300 volumes que ainda tinha pela frente. Aqui vemos outra vez a contradição entre o que Emmanuel dizia (manter-se fiel a Kardec) e a forma como manipulava o médium. “Os Espíritos vão aonde acham simpatia e onde sabem que serão ouvidos”, diz Allan Kardec na Revista Espírita de novembro de 1859. Chico seguiu Emmanuel até o fim de seus dias.

Julgar o médium não nos cabe. Analisar a obra, no entanto, é necessário. As discrepâncias em relação à codificação são tantas que se poderia dizer que Chico Xavier falou de uma outra doutrina. 

Na mesma revista, em fevereiro de 59, Kardec diz que “as boas intenções ou a própria moralidade do médium nem sempre são suficientes para preserva-lo da ingerência dos Espíritos levianos, mentirosos ou pseudo-sábios. A ciência espírita exige uma grande experiência que, como todas as ciências, filosóficas ou não, só é adquirida por um estudo assíduo, longo e perseverante.” Emmanuel impôs ao seu protegido a teoria das laranjas.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Kardec e humildade

Equipe IPEAK

Como antes de tudo buscamos a verdade e não pretendemos ser infalível, quando acontece nos enganarmos não hesitamos em reconhecer. Não conhecemos nada de mais tolo do que aferrar-se a uma opinião errada. Allan Kardec

“A humildade é a virtude que reprime em nós o orgulho; disposição moral que nos lembra nossa fragilidade sem nos envilecer [depreciar, rebaixar]; tendência de nosso coração e de nosso espírito para combater nossos sentimentos de vaidade.”

“A humildade, enquanto virtude, é, por assim dizer, a perfeição da modéstia. Esta última é uma marca de bom gosto e de bom senso, uma das graças da linguagem, da decência e da conduta. A humildade é menos exterior; em nosso coração e em nosso espírito é um ato de alta razão, que nos eleva tanto mais quanto mais nosso sentimento e nosso julgamento sobre nós mesmos forem mais comedidos.”[1]

Allan Kardec foi um homem humilde no verdadeiro sentido do termo.

Nós procuramos em suas obras algumas passagens que retratam bem essa virtude moral, esse “ato de alta razão”. Quem é  humilde tem como princípio: Posso estar errado”. E Kardec sempre se mostrou mais propenso à verdade do que à sua própria opinião.

Em o Livro dos Médiuns, publicado em janeiro de 1861, ao estudar as obsessões, no item 241, ele faz a seguinte consideração:
“Dava-se outrora o nome de possessão ao império exercido por maus Espíritos, quando a influência deles ia até à aberração das faculdades da vítima. A possessão seria, para nós, sinônimo da subjugação. Por dois motivos deixamos de adotar esse termo: primeiro, porque implica a crença de seres criados para o mal e perpetuamente votados ao mal, enquanto que não há senão seres mais ou menos imperfeitos, os quais todos podem melhorar-se; segundo, porque implica igualmente a ideia do apoderamento de um corpo por um Espírito estranho, de uma espécie de coabitação, ao passo que o que há é apenas constrangimento. A palavra subjugação exprime perfeitamente a ideia. Assim, para nós, não há possessos, no sentido vulgar do termo, há somente obsidiados, subjugados e fascinados.”
Após novos estudos e observações Kardec muda sua opinião. E, de maneira clara ele a publica na Revista Espírita de dezembro de 1863, no artigo intitulado Um caso de possessão, nos seguintes termos:
“Dissemos que não havia possessos no sentido vulgar do vocábulo, mas subjugados. Mudamos de opinião sobre essa afirmativa absoluta, porque agora nos é demonstrado que pode haver verdadeira possessão, isto é, substituição, posto que parcial, de um Espírito encarnado por um Espírito errante.”
Na Revista Espírita de outubro de 1864, ao estudar sobre “O sexto sentido e a visão espiritual - Ensaios teóricos sobre os espelhos mágicos”, Kardec diz o seguinte:
“O número de pessoas que espontaneamente gozam dessa faculdade é muito considerável, do que resulta que ela independe de um aparelho qualquer. O copo de que esse homem se serve é um acessório que só lhe é útil por hábito, pois constatamos que em várias circunstâncias ele descrevia as coisas sem o olhar. Pelo que nos concerne, notadamente falando de indivíduos, ele os indicava com o seu giz, por sinais característicos de suas qualidades e de sua posição. Era sobretudo acerca desses sinais que ele falava olhando para a sua mesa, sobre a qual ele parecia ver tão bem quanto no copo, que mal olhava.
No entanto, para ele, o copo é necessário e eis como isto pode ser explicado.
A imagem que ele observa se forma nos raios do fluido perispiritual que lhe transmitem a sensação. Concentrando sua atenção no fundo de seu copo, para aí dirige ele os raios fluídicos, e muito naturalmente a imagem aí se concentra, como se concentraria sobre um objeto qualquer: um copo d’água, uma garrafa, uma folha de papel, um mapa ou um ponto vago no espaço. É um meio de fixar o pensamento e de circunscrevê-lo, e estamos convencidos de que quem quer que exerça tal faculdade com auxílio de um objeto material, com um pouco de exercício e com a firme vontade de prescindir dele, veria igualmente bem.”
Um ano depois Kardec publica um artigo na Revista de outubro de 1865, sob o título: “Novos estudos sobre os espelhos mágicos ou psíquicos - O vidente da floresta de Zimmerwald”, do qual reproduzimos aqui apenas pequenos trechos.
  “Na Revista Espírita de outubro de 1864, fizemos minucioso relato das observações que acabávamos de fazer de um camponês do cantão de Berne, que possui a faculdade de ver num copo as coisas distantes. Novas visitas que lhe fizemos este ano nos permitiram completar as observações e retificar, em certos pontos, a teoria que havíamos dado dos objetos vulgarmente designados sob o nome de espelhos mágicos, mais exatamente chamados espelhos psíquicos. Como antes de tudo buscamos a verdade e não pretendemos ser infalível, quando acontece nos enganarmos, não hesitamos em reconhecer. Não conhecemos nada de mais tolo do que aferrar-se a uma opinião errada.”
(...) Tendo-nos convencido por uma observação atenta que essa faculdade não é senão a dupla vista, isto é, a visão espiritual ou psíquica, independente da visão orgânica, pois a experiência demonstra diariamente que essa faculdade existe sem o concurso de qualquer objeto, tínhamos concluído, de maneira muito absoluta, pela inutilidade desses objetos, pensando que apenas o hábito de empregá-los fazia com que se tornassem necessários, e que todo indivíduo que vê com o seu concurso, poderia ver perfeitamente bem sem eles, se o quisesse. Ora, aqui é que está o erro, como vamos demonstrar.”
Com a humildade que lhe é característica, Kardec recorre aos Espíritos guias da Sociedade de Paris, para instruir-se sobre essa questão:

Pergunta. - Teríeis a bondade de dizer-nos se o copo de que este homem se serve lhe é verdadeiramente útil; se não poderia igualmente ver em qualquer copo, num objeto qualquer, ou mesmo sem objeto, caso o quisesse; se a necessidade e a especialidade do copo não seria um efeito do hábito, que lhe faz crer não poder dispensá-lo; enfim, se a presença do copo é necessária, que ação esse objeto exerce sobre a sua lucidez?

Resposta. - Estando o seu olhar concentrado no fundo do copo, o reflexo brilhante a princípio age sobre os olhos, depois sobre o sistema nervoso, e provoca uma espécie de meio sonambulismo, ou, mais exatamente, sonambulismo desperto, no qual o Espírito, desprendido da matéria, adquire a clarividência, ou visão da alma, que chamais segunda vista.

Existe uma certa relação entre a forma do fundo do copo e a forma exterior ou disposição de seus olhos. Eis por que ele não encontra facilmente um copo que reúna as condições necessárias (vide artigo de outubro de 1864). Mesmo que aparentemente os copos sejam semelhantes, há no poder refletor e no modo de radiação, segundo a forma, a espessura e a qualidade, nuanças que não podeis apreciar, e que são adequadas ao seu organismo individual.

Para ele, pois, o copo é um meio de desenvolver e fixar sua lucidez. É-lhe realmente necessário, porque nele, não sendo permanente o estado lúcido, necessita ser provocado; um outro objeto não poderia substituí-lo, e esse mesmo copo, que sobre ele produz esse efeito, nada produziria sobre outra pessoa, mesmo que fosse vidente. Os meios de provocar essa lucidez variam conforme os indivíduos.

Obediência e resignação

“A doutrina de Jesus ensina, em todos os seus pontos, a obediência e a resignação, duas virtudes companheiras da doçura e muito ativas, se bem os homens erradamente as confundam com a negação do sentimento e da vontade. A obediência é o consentimento da razão; a resignação é o consentimento do coração, forças ativas ambas, porquanto carregam o fardo das provações que a revolta insensata deixa cair. O pusilânime não pode ser resignado, do mesmo modo que o orgulhoso e o egoísta não podem ser obedientes.” (Lázaro)[2]

A obediência e a resignação pedem humildade. Em seu discurso, na abertura do ano social, a 1º de abril de 1862, Allan Kardec deu mostras dessas duas virtudes cristãs em prol da Ciência Espírita. Após algumas considerações iniciais, ele diz:
“Vós vos lembrais, senhores, que a Sociedade teve as suas vicissitudes. Havia em seu seio elementos de dissolução, vindos da época em que se recrutava gente muito facilmente, e sua existência chegou, em certo momento, a estar comprometida. Naquele momento eu duvidei de sua utilidade real, não como simples reunião, mas como Sociedade constituída. Fatigado por essas perplexidades, eu estava resolvido a retirar-me. Esperava que, uma vez livre dos entraves semeados em meu caminho, trabalharia melhor na grande obra empreendida. Fui dissuadido de fazê-lo por numerosas comunicações espontâneas que me foram dadas de vários pontos. Entre outras há uma, cuja substância me parece útil vos dar a conhecer, porque os acontecimentos justificaram as previsões. Ela está assim concebida:
A Sociedade, formada por nós com o teu concurso, é necessária. Queremos que subsista e subsistirá, malgrado a má vontade de alguns, como tu o reconhecerás mais tarde. Quando existe um mal, não se cura sem crise. Assim é do pequeno ao grande; no indivíduo, como nas sociedades; nas sociedades como nos povos; nos povos como o será na Humanidade.
“Nossa Sociedade, dizemos, é necessária. Quando deixar de ser, sob a forma atual, transformar-se-á como todas as coisas. Quanto a ti, não podes, não deves retirar-te. Contudo, não pretendemos acorrentar o teu livre-arbítrio. Apenas dizemos que a tua retirada seria um erro que lamentarias um dia, porque entravaria os nossos desígnios.
“Desde então, dois anos se passaram e, como vedes, a Sociedade felizmente saiu daquela crise passageira, cujas peripécias todas me foram assinaladas, e das quais um dos resultados foi dar-nos uma lição de experiência que aproveitamos e que provocou medidas pelas quais nos felicitamos.”[3]
Em 1866 um outro evento vem requerer do Mestre mais uma prova de obediência e resignação. Desta vez as instruções lhe são dadas por seu médico espiritual Dr. Demeure, das quais reproduzimos aqui apenas alguns trechos.[4]
Enfraquecendo dia a dia a saúde do Sr. Allan Kardec em consequência dos excessivos trabalhos que ele não pode suportar, vejo-me na necessidade de lhe repetir novamente o que já lhe disse muitas vezes: Necessitais de repouso; as forças humanas têm limites que o vosso desejo de ver progredir o ensino muitas vezes vos leva a infringir; estais errado porque, assim agindo, não apressareis a marcha da doutrina, mas arruinais a vossa saúde e vos pondes na impossibilidade material de acabar a tarefa que viestes desempenhar aqui em baixo. Vossa doença atual não é senão o resultado de um gasto incessante de forças vitais que não deixa ao organismo o tempo de se refazer e de um aquecimento do sangue produzido pela absoluta falta de repouso. Nós vos sustentamos, sem dúvida, mas com a condição de não desfazerdes o que fazemos. De que serve correr? Não vos disseram muitas vezes que cada coisa viria a seu tempo e que os Espíritos prepostos ao movimento das ideias saberiam fazer surgir circunstâncias favoráveis quando chegasse o momento de agir?
......
Sei que vossa posição particular vos suscita uma porção de trabalhos secundários que absorvem a melhor parte do vosso tempo. As perguntas de toda sorte vos cansam, e considerais um dever respondê-las tanto quanto possível. Farei aqui o que sem dúvida não ousaríeis fazer vós mesmo. Dirigindo-me à generalidade dos espíritas, eu lhes pedirei, no interesse do próprio Espiritismo, que vos poupem toda sobrecarga de trabalho de natureza a absorver instantes que deveis consagrar quase que exclusivamente à conclusão da obra. Se vossa correspondência com isto sofre um pouco, o ensinamento lucrará. Às vezes é necessário sacrificar satisfações particulares ao interesse geral. É uma medida urgente que todos os adeptos sinceros saberão compreender e aprovar.
A imensa correspondência que recebeis é para vós uma fonte preciosa de documentos e de informações; ela vos esclarece quanto à marcha verdadeira e os progressos reais da doutrina; é um termômetro imparcial; vós aí colheis, por outro lado, satisfações morais que mais de uma vez sustentavam a vossa coragem, vendo a adesão que vossas ideias encontram em todos os pontos do globo. Sob esse ponto de vista, a superabundância é um bem e não um inconveniente, mas com a condição de secundar os vossos trabalhos, e não de entravá-los, criando-vos um excesso de ocupações.
Dr. DEMEURE

“Bom senhor Demeure, eu vos agradeço os sábios conselhos. Graças à resolução que tomei de obter ajuda, salvo nos casos excepcionais, a correspondência ordinária pouco sofre agora e não sofrerá mais no futuro. Mas o que fazer com esse atraso de mais de quinhentas cartas que, a despeito de minha boa vontade, não consigo pôr em dia?”

Resposta. - É preciso, como se diz em linguagem comercial, passá-las em bloco à conta de lucros e perdas. Anunciando esta medida na Revista, vossos correspondentes saberão o que fazer; compreenderão a necessidade e a encontrarão sobretudo justificada pelos conselhos que precedem. Repito que seria impossível que as coisas continuassem assim por mais tempo. Tudo sofreria com isso, inclusive a vossa saúde e a doutrina. Caso necessário, é preciso saber fazer sacrifícios. Tranquilo, de agora em diante, sobre esse ponto, podereis entregar-vos mais livremente aos vossos trabalhos obrigatórios. Eis o que vos aconselha aquele que será sempre vosso amigo devotado.

 DEMEURE

Obediente e resignado, na sequência dessas recomendações Kardec insere a seguinte nota:

“Atendendo a este sábio conselho, rogamos aos nossos correspondentes com os quais há muito estamos em atraso, recebam as nossas desculpas e o nosso pesar por não ter podido responder em detalhe, e como teríamos desejado, às suas bondosas cartas. Receberão aqui, coletivamente, a expressão de nossos sentimentos fraternos.”

“Nós nos limitaremos a dizer que a humildade é a modéstia da alma.” Voltaire

[1] Extraído do termo humilité, do Nouveau Dictionnaire Universel, tome troisième. Paris, 1867.

[2] O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. IX - Bem-aventurados os que são brandos e pacíficos - Instruções dos Espíritos - Obediência e resignação.

[3] Revista Espírita, junho de 1862 - Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas - Discurso do Sr. Allan Kardec na abertura do ano social, a 1º de abril de 1862.

[4] Revista Espírita, maio de 1866 – Dissertações espíritas – Instruções aos Sr. Allan Kardec.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Un antiguo carretero


Revista Espírita, diciembre de 1859

El excelente médium Sr. V…  es un joven que generalmente se distingue por la pureza de sus relaciones  con el mundo espirita. Con todo, después  que se mudo a los aposentos  que actualmente ocupa, un Espíritu inferior se entromete en sus comunicaciones, interponiéndose  en sus trabajos personales.

Encontrándose, en noche del 6 de septiembre de 1859, en casa del Sr, Allan Kardec, con quien debía trabajar, fue  obstaculizado por aquel Espíritu, que le hacía trazar  cosas incoherentes o impedía que escribiese.

Entonces el S. Allan Kardec, dirigiéndose al Espíritu, mantuvo con el la siguiente conversación:

1. ¿Por qué vienes aquí sin ser llamado?

- Quiero atormentarlo.

2.  ¿Quién eres tú? Dime tu nombre

- No lo diré.

3.  ¿Cuál es tu objetivo, entrometiéndote en aquello que no te  concierne? Esto no te aporta  ningún provecho.

- No, más yo impido que tenga buenas comunicaciones y sé que esto lo amarga mucho.

4.   Eres un mal espíritu, pues te alegras en hacer el mal. En nombre  de Dios  yo te ordeno que te retires y nos dejes trabajar tranquilamente.

-¿Piensas  atemorizas con esa voz grave?

5. Si no es de mi  de quien tienes miedo, lo tendrás sin duda de Dios, en nombre de quien te hablo y que podría hacer que te arrepientas de tu maldad.

-No nos enojemos, burgués.

6. Repito que eres un mal Espíritu, y una vez más te pido que no nos impidas trabajar

- Yo soy lo que soy, es mi naturaleza.

Habiendo sido llamado un Espíritu superior, al cual fue pedido que apartase al intruso, con el fin de no ser interrumpido el trabajo, el mal Espíritu probablemente se fue, porque durante el resto de la noche no hubo ninguna interrupción más.

Interrogado sobre la naturaleza del Espíritu, respondió el espíritu superior:

Ese Espíritu, que es de la clase más baja, es un antiguo carretero, fallecido cerca de la casa donde mora el médium. Eligio para domicilio el propio cuarto de este, y hace mucho tiempo es el que lo obsesa y atormenta incesantemente. Ahora que el sabe que el médium debe, por orden de Espíritus superiores, cambiar de residencia, lo atormentará más que nunca.  Es una prueba más de que el médium no escribe  su propio pensamiento. Veis  así que hay cosas buenas, aun mismo en las malas y desagradables aventuras de la vida. Dios revela su poder por todos los medios posibles.

-¿Cuál era en vida el carácter de ese hombre?

- Todo lo que más se aproxima al animal. Creo que sus caballos tenían más inteligencia  y más sentimiento que el.

-¿Por qué medio puede el Sr. V… desembarazarse de él?

-Hay dos: el medio espiritual, pidiendo a Dios;   el medio material, dejando la casa donde está.

-¿Entonces hay realmente lugares ensombrecidos por ciertos Espíritus?

-Sí, Espíritus que aun están bajo la influencia de la materia se ligan a ciertos locales.

- ¿Los espíritus que ensombrecen ciertos lugares pueden tornarlos fatalmente funestos   o propicios a las personas que los habitan?

-¿Quién podría impedirlos? Muertos, ejercen influencia como Espíritus; vivos, la ejercen como hombres.

-¿Alguien que no sea médium, que jamás haya oído hablar de Espíritus y que no creyese en ellos podría sufrir tal influencia y ser víctima de vejaciones de tales espíritus?

- Indudablemente. Esto acontece más frecuentemente de lo que pensais, y explica muchas cosas. 

-¿Hay fundamento en la creencia de que los  Espíritus frecuentan de preferencia las ruinas y las casas abandonadas?

- Eso es superstición.

-¿Entonces los espíritus ensombrecen una casa nueva de la Calle de Rivoli, del mismo modo que un vieja pocilga?

- Dalo por cierto. Ellos pueden ser atraídos lo mismo  en un lugar que en otro, por la disposición de espíritu de sus moradores.

Habiendo sido evocado, en la Sociedad, el Espíritu del carretero antes mencionado, por intermedio del Sr. R….  el se manifestó  con señales de violencia, rompiendo el lápiz, golpeándolos con fuerza en el papel, y por una escritura grosera, tremula, irregular y poco legible.

1. (Evocación).

-Aquí estoy.

2. ¿Reconocéis el poder de Dios sobre vos?

-Sí, ¿Y qué?

3. ¿Por qué elegiste el cuarto del Sr. V…, y no otro?

-Porque eso me satisface.

4. ¿Te quedarás allí mucho tiempo?

.- Mucho porque me siento muy bien.

5. ¿Entonces no tenéis la intención de mejorar?

-Veremos. Yo tengo tiempo.

6. ¿Estáis enojado porque os llamamos?

- Si.

7. ¿Qué hacíais cuando os hemos llamado?

- Estaba en la taberna. 

8. ¿Entonces bebéis?

-¡Qué tontería! ¿Cómo puedo beber?

9. ¿Entonces que quisiste decir cuando mencionaste la taberna?

-Quise decir lo que dije.

10. ¿Cuándo estabais vivo, maltratabais a vuestros caballos?

- ¿Sois de la policía municipal?

11. ¿Queréis que oremos por vos?

-¿E haréis esto?

12. Ciertamente. Nosotros oramos por todos aquellos que sufren, porque tenemos compasión de los infelices y sabemos que la misericordia de Dios es grande.

-¡Oh! Bien,  pese a todo sois buena gente. Me gustaría de poderos dar un apretón de mano. Procurare merecerlo. Obligado.

OBSERVACIÓN:  Esta conversación confirma lo que la experiencia ya probó muchas veces, relativamente la influencia que pueden  los hombres ejercer sobre los Espíritus, y por medio de la cual contribuyen para su mejoría. Muestra la influencia de la oración.

Siendo así, esa naturaleza bruta  y casi indomable y salvaje se encuentra como que subyugada por la idea de las ventajas que se le puede ofrecer. Tenemos numerosos ejemplos de criminales que vinieron espontáneamente   a comunicarse con médiums que habían orado por ellos, testimoniándonos así su arrepentimiento.

A las observaciones  mencionadas anteriormente  juntaremos las consideraciones que siguen, relativas  a la evocación de Espíritus inferiores.

Hemos visto médiums, justamente celosos de conservar sus buenas relaciones de más allá del túmulo,  negarse a servir como intérpretes de los espíritus inferiores  que pueden ser llamados.  Es de su parte una susceptibilidad mal entendida. Por el hecho  de evocar a un Espíritu vulgar, y aun mismo malo, no quedaremos bajo la dependencia de él.  Lejos de eso, y al contrario, nosotros es  quien lo dominaremos. No es el el que viene a imponerse, contra nuestra voluntad,  como en las obsesiones. Somos nosotros los que nos imponemos. El no ordena, obedece. Nosotros somos su juez no su presa. Más allá de eso, podemos serles útiles por nuestros consejos y por nuestras oraciones y ellos nos lo agradecen por el interés que les demostramos. Extenderle  la mano al socorrerlo es una buena acción. Rechazarlos es una falta de caridad; es aun más, es orgullo y egoísmo. Esos seres inferiores, por el contrario, son para nosotros una gran enseñanza. Fue por su intermedio que pudimos conocer las camadas inferiores del mundo espirita y  la suerte que aguarda a aquellos que aquí hacen un mal empleo de su vida.

Nótese, además, que es casi siempre tremendo que ellos vienen a las reuniones serias, donde dominan los buenos Espíritus. quedan avergonzados y se mantienen  a distancia, oyendo con el fin de instruirse. Muchas veces vienen con ese objetivo, sin haber sido llamados.

¿Por qué, pues, rechazaremos oírlos, cuando muchas veces su arrepentimiento y su sufrimiento constituyen motivo de edificación o, por lo menos instrucción?

No hay nada que temer de esas comunicaciones, desde que visen el bien. ¿Qué sería de los pobres heridos si los médicos recusasen tocar  en sus llagas?

Traducido por Mercedes Cruz Reyes 

quarta-feira, 20 de março de 2013

Um antigo carreteiro


Revista Espírita, dezembro de 1859

O excelente médium Sr. V... é um moço que geralmente se distingue pela pureza de suas relações com o mundo espírita. Contudo, depois que se mudou para os aposentos que atualmente ocupa, um Espírito inferior se intromete em suas comunicações, interpondo-se até em seus trabalhos pessoais.

Encontrando-se, na noite de 6 de setembro de 1859, em casa do Sr. Allan Kardec, com quem devia trabalhar, foi entravado por aquele Espírito, que lhe fazia traçar coisas incoerentes ou impedia que escrevesse.

Então o Sr. Allan Kardec, dirigindo-se ao Espírito, manteve com ele a seguinte conversa:

1. Por que vens aqui sem ser chamado?

- Quero atormentá-lo.

2. Quem és tu? Dize o teu nome.

- Não o direi.

3. Qual o teu objetivo, intrometendo-te naquilo que não te diz respeito? Isto não te traz nenhum proveito.

- Não, mas eu o impeço de ter boas comunicações e sei que isto o magoa muito.

4. És um mau Espírito, pois que te alegras em fazer o mal. Em nome de Deus eu te ordeno que te retires e nos deixes trabalhar tranquilamente.

- Pensas que metes medo com essa voz grossa?

5. Se não é de mim que tens medo, tê-lo-ás sem dúvida de Deus, em nome de quem te falo e que poderá fazer que te arrependas de tua maldade.

- Não nos zanguemos, burguês.

6. Repito que és um mau Espírito, e mais uma vez te peço que não nos impeças de trabalhar.

- Eu sou o que sou, é a minha natureza.

Tendo sido chamado um Espírito superior, ao qual foi pedido que afastasse o intruso, a fim de não ser interrompido o trabalho, o mau Espírito provavelmente se foi, porque durante o resto da noite não houve mais nenhuma interrupção.

Interrogado sobre a natureza desse Espírito, respondeu o superior:

Esse Espírito, que é da mais baixa classe, é um antigo carreteiro, falecido perto da casa onde mora o médium. Escolheu para domicílio o próprio quarto deste, e há muito tempo é ele que o obsidia e o atormenta incessantemente. Agora que ele sabe que o médium deve, por ordem de Espíritos superiores, mudar de residência, atormenta-o mais do que nunca. É ainda uma prova de que o médium não escreve o seu próprio pensamento. Vês assim que há boas coisas, mesmo nas mais desagradáveis aventuras da vida. Deus revela o seu poder por todos os meios possíveis.

- Qual era em vida o caráter desse homem?

- Tudo o que mais se aproxima do animal. Creio que seus cavalos tinham mais inteligência e mais sentimento do que ele.

- Por que meio pode o Sr. V... desembaraçar-se dele?

- Há dois: o meio espiritual, pedindo a Deus; o meio material, deixando a casa onde está.

- Então há realmente lugares assombrados por certos Espíritos?

- Sim, Espíritos que ainda estão sob a influência da matéria ligam-se a certos locais.

- Os Espíritos que assombram certos lugares podem torná-los fatalmente funestos ou propícios às pessoas que os habitam?

- Quem poderia impedi-los? Mortos, exercem influência como Espíritos; vivos, exercem-na como homens.

- Alguém que não fosse médium, que jamais tivesse ouvido falar de Espíritos e que nem acreditasse neles poderia sofrer tal influência e ser vítima de vexames de tais Espíritos?

- Indubitavelmente. Isto acontece mais frequentemente do que pensais, e explica muitas coisas.

- Há fundamento na crença de que os Espíritos frequentam de preferência as ruínas e as casas abandonadas?

- Superstição.

- Então os Espíritos assombrarão uma casa nova da Rua de Rivoli, do mesmo modo que um velho pardieiro?

- Por certo. Eles podem ser atraídos antes para um lugar do que para outro, pela disposição de espírito dos seus moradores.

Tendo sido evocado, na Sociedade, o Espírito do carreteiro acima mencionado, por intermédio do Sr. R..., ele manifestou-se por sinais de violência, quebrando os lápis, enfiando-os com força no papel, e por uma escrita grosseira, trêmula, irregular e pouco legível. 

1. (Evocação).

- Aqui estou.

2. Reconheceis o poder de Deus sobre vós?

- Sim; e daí?

3. Por que escolhestes o quarto do Sr. V..., e não um outro?

- Porque isto me agrada.

4. Ficareis ali muito tempo?

- Tanto quanto me sentir bem.

5. Então não tendes a intenção de melhorar?

- Veremos. Eu tenho tempo.

6. Estais contrariado porque vos chamamos?

- Sim.

7. Que fazíeis quando vos chamamos?

- Estava na taberna.

8. Então bebíeis?

- Que tolice! Como posso beber?

9. Então o que quisestes dizer quando falastes da taberna?

- Quis dizer o que disse.

10. Quando vivo, maltratáveis os vossos cavalos?

- Sois da polícia municipal?

11. Quereis que oremos por vós?

- E faríeis isto?

12. Certamente. Nós oramos por todos aqueles que sofrem, porque temos compaixão dos infelizes e sabemos que a misericórdia de Deus é grande.

- Oh! Bem, sois boa gente mesmo. Eu gostaria de poder vos dar um aperto de mão. Procurarei merecê-lo. Obrigado. 

OBSERVAÇÃO: Esta conversa confirma o que a experiência já provou muitas vezes, relativamente à influência que podem os homens exercer sobre os Espíritos, e por meio da qual contribuem para a sua melhora. Mostra a influência da prece.

Assim, essa natureza bruta e quase indomável e selvagem encontra-se como que subjugada pela ideia das vantagens que se lhe pode oferecer. Temos numerosos exemplos de criminosos que vieram espontaneamente comunicar-se com médiuns que haviam orado por eles, testemunhando-nos assim o seu arrependimento.

Às observações acima juntaremos as considerações que seguem, relativas à evocação de Espíritos inferiores.

Temos visto médiuns, justamente ciosos de conservar suas boas relações de além-túmulo, recusarem-se a servir de intérpretes dos Espíritos inferiores que podem ser chamados. É de sua parte uma suscetibilidade mal entendida. Pelo fato de evocarmos um Espírito vulgar, e mesmo mau, não ficaremos sob a dependência dele. Longe disso, e ao contrário, nós é que o dominaremos. Não é ele que vem impor-se, contra a nossa vontade, como nas obsessões. Somos nós que nos impomos. Ele não ordena, obedece. Nós somos o seu juiz, e não a sua presa. Além disso, podemos ser-lhes úteis por nossos conselhos e por nossas preces e eles nos ficam reconhecidos pelo interesse que lhes demonstramos. Estender-lhe a mão em socorro é praticar uma boa ação. Recusá-la é falta de caridade; ainda mais, é orgulho e egoísmo. Esses seres inferiores, aliás, são para nós um grande ensinamento. Foi por seu intermédio que pudemos conhecer as camadas inferiores do mundo espírita e a sorte que aguarda aqueles que aqui fazem mau emprego de sua vida.

Notemos, além do mais, que é quase sempre tremendo que eles vêm às reuniões sérias, onde dominam os bons Espíritos. Ficam envergonhados e se mantêm à distância, ouvindo a fim de instruir-se. Muitas vezes vêm com esse objetivo, sem terem sido chamados.

Por que, pois, recusaríamos ouvi-los, quando muitas vezes seu arrependimento e seu sofrimento constituem motivo de edificação ou, pelo menos, de instrução?

Nada há que temer dessas comunicações, desde que visem o bem. Que seria dos pobres feridos se os médicos se recusassem a tocar em suas chagas?      

terça-feira, 19 de março de 2013

Paradigmas “Espíritas”

Por Riviane Damásio

As religiões buscam no cerne das suas melhores intenções, transformar o Mal em Bem, as más tendências em virtudes, e para isto, desprovidas de pedagogias adequadas, muitas vezes tentam conduzir a transformação dos valores, por meio de prática de rituais de lógica duvidosa e de conceitos irrefletidos injetados de forma paulatina em seus adeptos. 

O religioso então, longe de transformar-se “em”, é moldado sob o barro do estereótipo e não raras vezes a mudança promovida não consegue transigir além da superfície rasa e o que vemos são atitudes destoantes das pregações (e intenções).

O Espiritismo, que no sonho concretizado de Kardec e da espiritualidade superior, veio desatar os nós da superficialidade da fé e alçar vôos de reais transformações humanas, muitas vezes encontra em seus membros, atavismos tais, que fazem com que não percebam o espectro de liberdade e de evolução que a não religiosidade proporciona, transcendendo esta liberdade pela fé sem correntes, que voa acima de uma mera liturgia.

A grande maioria dos Centros Espíritas - na contramão de um modelo ideal de sociedade espírita aos moldes das fundadas por espíritas desbravadores da doutrina - proporcionam a quem a eles recorrem, o sentimento de familiaridade e deja vu com as instituições religiosas. A se começar com a disposição física dos presentes, a passividade de se porem como ouvintes de pregrações, os estudos estereotipados e engessados de autores que pouco acrescentam no desenvolvimento da capacidade analítica do indivíduo, o palavreado fútil, os rituais, a venda de esperança que tranforma a fé em produto de barganha, a aceitação cega no fenômeno, a falta de cientificidade...

E assim vão crescendo os paradigmas espíritas, fazendo com que ícones sejam eleitos dentro do movimento como se canonizam santos nas igrejas. Os estudos domésticos dão lugar aos evangelhos estereotipados, a água da sabedoria cede à água fluidificada e o os passos na busca de um caminho de conhecimento e de mudanças se rendem aos “passes” miraculosos que não transformam e mascaram as dores.

O Espiritismo não nasceu passivo, não é nem pode se transformar numa doutrina passiva, e não é através da subserviência que pretende transformar os valores humanos, e sim através do incentivo a atitudes coerentes, à dúvidas, à busca de certezas, ao estudo e ao anseio por respostas e principalmente por ações que não engatinham pelo assistencialismo oco e vicioso, antes colaboram para a transformação e ajuda verdadeira ao outro, através do ensino e da coerência de atitudes.

Que cada espírita se permita nunca deixar de duvidar antes de aceitar, de estudar antes de divulgar e principalmente que à exemplo dos que a cada dia vencem seus leões interiores consigam quebrar aos poucos seus paradigamas e possam finalmente desfrutar e colaborar com a transformação do mundo e de si mesmo que é razão maior da Doutrina.

quinta-feira, 14 de março de 2013

[VÍDEO] - Palestra de Sérgio Aleixo sobre o Controle Universal do Ensino dos Espíritos

O orador, escritor e palestrante espírita Sérgio Aleixo, vice-presidente da Associação de Divulgadores do Espiritismo do Rio de Janeiro (ADE-RJ), realiza palestra sobre o Controle Universal do Ensino dos Espíritos.

terça-feira, 12 de março de 2013

Estilo de las buenas comunicaciones


Revista Espírita, Octubre de 1862 – Disertaciones espiritas

Buscad, en la palabra, la sobriedad y la concisión; pocas palabras, muchas cosas. el lenguaje es como la armonía: cuanto más quisiéramos tornarla rebuscada, menos melodioso será.la verdadera ciencia es siempre aquella que toca, no a algunos sibaritas llenos de si, más si  a la masa inteligente que desde hace mucho tiempo es desviada del verdadero camino bello, que es el de la sencillez. A ejemplo de Su Maestro, los  discípulos de Cristo habían adquirido ese profundo saber de bien hablar, con sobriedad y concisión, y sus discursos, como los del Maestro, era marcado por esa delicadeza, por esa profundidad que en nuestros días, en una época en que todo miente a nuestro alrededor, aun se escuchan las voces de Cristo y de sus apóstoles, modelos inimitables de concisión y de precisión.

Más la verdad descendió de lo alto. Como los apóstoles de los primeros días de la era cristiana, los Espíritus superiores vienen a enseñar y dirigir. El Libro de los Espíritus es toda una revolución, porque es conciso y sobrio: pocas palabras, con mucha cosa; nada de flores de retorica; nada de imágenes, más si apenas pensamientos grandes y profundos, que consuelan y fortalecen. Es por eso que el agrada, y agrada porque es fácilmente comprendido. Es el cuño de superioridad de los Espíritus que lo dictaron.

¿Por qué hay tantas comunicaciones vanidad de Espíritus que se dicen superiores, impugnadas de insensatez, de frases resaltadas y floridas, una página para no decir nada? Tened la certeza de que no son Espíritus Superiores, más si seudosabios, que juzgan   producir efecto,  sustituyendo por palabras el vacio de las ideas, la profundidad del pensamiento por la oscuridad. Ellos no pueden seducir sino a los cerebros huecos como los suyos, que toman el  oropel puro y juzgan la belleza de la mujer por el brillo de sus aderezos.

Desconfiad pues, de los Espíritus verbosos, de lenguaje empollado  y confuso que exige darle a lacabeza para ser comprendidos. Reconoced la verdadera superioridad por el estilo conciso, claro e inteligible sin esfuerzo de imaginación. No midáis la importancia de las comunicaciones por su extensión,  más si por la suma de ideas que encierran en pequeño espacio. Para tener el tipo de la superioridad real, contad las palabras y las ideas, me refiero a las ideas justas, sanas y lógicas – y la comparación os dará la exacta medida. 

BARBARET (Espírito familiar). 

(Sociedad Espírita de Paris, 8 de agosto de 1862 - médium: Sr. Leymarie

Tradução: Mercedes Cruz

Clique aqui para a versão em português.

Em cima do muro tem um espaço de aprendizado


Por Riviane Damásio

O que me leva a esta reflexão? Tenho visto por aqui, ali e acolá, uma guerra ideológica que inflama os ânimos de paraquedistas, incautos e bem-intencionados de plantão. Ideológica porque se propõe a defesa de lados visivelmente antagônicos na forma de entender e viver a Doutrina dos Espíritos.

Um destes lados, vulgarmente é classificado como místico e outro de ortodoxo, sendo que o primeiro numa apressada e estereotipada leitura e entendimento “peca” ao não se fechar na compilação kardequiana acabando por vezes por abrir o leque para práticas e procedimentos que “ainda” não encontraram eco na codificação, e o outro lado, numa mesma leitura apressada e estereotipada peca ao se fechar na codificação de tal forma que cai num ostracismo intelectual cerceador do novo. 

Confesso sentir uma grande admiração por algumas pessoas que se encontram classificadas nos extremos que citei. Não todas, claro, pois algumas considero mesmo de uma permissividade que beira o descaso com a doutrina espírita e outras, de uma irredutibilidade que ultrapassa a intransigência. No meio destes dois extremos conheci gente maravilhosa! Amigos que juntos, na mesma sintonia de busca pela nossa própria “verdade”, nos conduziu inclusive a criar uma comunidade Espírita.

Particularidades à parte, me peguei no meio destes conflitos que vêm se reacendendo em ambientes que freqüento, com a seguinte reflexão: Acreditamos que a vida não acaba aqui, somos espíritos imortais que após a morte do corpo físico, teremos ainda incontáveis caminhos a trilhar. Com qual “verdade” iremos reencarnar nestes caminhos? No seio de que família? Espiritualista? Espírita? Islâmica? Budista? Judia? Católica? Protestante? Evangélica? Hinduísta? Teremos oportunidade de retomarmos o caminho da doutrina no ponto onde estamos hoje? 

Se não reencarnarmos logo, faremos um percurso errático de aprendizado de doutrinas ou de valores morais, ideológicos ou não? Quem nos receberá do outro lado? Vestido de que doutrina estará o espírito condutor no nosso novo caminho? Haverá mesmo doutrinas delimitadas neste espaço desconhecido ou nossas armaduras são risíveis aos nossos amigos espirituais?

Busco então, em meio à tantas dúvidas, um exercício de convivência diária. Tento viver a minha escolha, a forma como “eu” entendo e percebo a doutrina tentando não ferir as escolhas alheias. Não por pensar a minha como sendo a melhor ou a mais correta, mas por pensar que é a que me calça bem e confortável, a que me serve mais como espírito imperfeito que sou.

Sem demagogias agradeço aos que pensam diferente de mim e cruzam meu caminho, mesmo que em alguns momentos eu não resista a uma ironia ou a um olharzinho superior (sei que serei responsabilizada por isto também). É o diferente que me instiga nesta passagem. Que me faz viajar em busca do conhecimento e da validação das minhas idéias. Mas quero antes de tudo, tratar este diferente de mim com respeito, que deve ser a base da minha evolução, da minha reforma lenta mas ascendente. 

Sei que de nada me adiantará uma sabedoria intelectual estéril, se eu não aprender a sabedoria emocional e a partir daí exercitar o “conviver” com estes amigos que hoje reconheço como antagônicos, mas que talvez me aguardem do outro lado, para me acolher e me ensinar o que o meu olhar crítico e meu coração endurecido se recusaram a ver e sentir nesta encarnação!