domingo, 16 de agosto de 2009

Visão Retrospectiva, no momento da morte

Por Waldo Lima do Valle

Este é um dos fenômenos mais singulares que ocorrem em todos os casos de morte natural e, até mesmo, em algumas mortes subitâneas, por acidentes diversos.

A pessoa, nos instantes finais de sua existência, vê passar diante de si, como numa tela de cinema ou num monitor de vídeo, toda a Vida que está prestes a deixar. Os primeiros meses do renascimento, a pré-infância, a infância, a puberdade, a adolescência, a juventude e a fase adulta, tudo, tudo que foi experimentado em cada um desses estágios do desenvolvimento bio-psicológico do ser humano, vem à tona com uma riqueza de pormenores, absolutamente, incomum.

Deve-se este fenômeno ao registro minucioso feito pelo corpo perispiritual de todos os acontecimentos vividos pelo ser humano em cada uma de suas existências. Nada deixa de ser fixado pelo envoltório sutil da alma, e é, graças a essa transcrição minuciosa, que podemos, aqui mesmo, em nosso mundo e, mais tarde, na Vida Espiritual, lembrar-nos de todas as nossas existências pregressas.

Essa visão retrospectiva possibilita ao ser uma contemplação crítica e analítica de todas as ações por ele praticadas, durante a última existência, num prévio julgamento consciencial, com vistas à situação que ele merece na Pátria Espiritual.

Através desse retrospecto, pode o espírito avaliar a imensa distância que ainda o separa de um viver, realmente, pautado dentro da legislação divina. Por outro lado, verifica-se, também, que até o centavo que um dia doamos, como esmola, ao mais humilde dos pedintes, ali está registrado.

0 fenômeno é instantâneo. Acontece num átimo. 0 que mais importa, entretanto, não é a sua duração, mas a sua qualidade. Mesmo os segredos mais íntimos que, por vezes, o ser humano reprime para o seu inconsciente, vêm à tona com absoluta fidelidade, numa demonstração de que nada permanecerá enterrado, para sempre, nos porões da mente.

E isto apenas confirma as palavras de Jesus, quando disse:

Nada há oculto que não venha, um dia, a ser conhecido.

Nessa retrospectiva, os fatos negativos servem de advertência, e possibilitam ao espírito entrever as conseqüências cármicas que, no futuro, eles desencadearão. Isto nas almas -mais esclarecidas, com senso de responsabilidade e noções precisas de Vida Eterna e reencarnação. Já os fatos positivos, também recordados, servem como estímulo a um maior crescimento moral e espiritual nas novas dimensões da Vida em que a alma está penetrando.

0 grande vate português Luiz de Camões, em soneto célebre, afirma: - Numa hora, encontro mil anos e é de jeito que em mil anos não encontro uma hora... De fato, o tempo psicológico do espírito e suas vivências espirituais não são medidos exteriormente com os parâmetros habituais dos ponteiros dos relógios. Esse tempo não cronológico, representado pelo acúmulo de experiências vividas, só pode ser avaliado, interiormente, em visões retrospectivas, no instante da morte, ou nos estados de emancipação da alma. No sonho, no sono hipnótico ou sonambúlico, é perfeitamente possível ao espírito reviver, em segundos, fatos que ocuparam, por vezes, metade de uma existência.

Ao despertar no Além e na posse integral dessa visão panorâmica de sua última existência, o espírito transformar-se-á no grande juiz de si mesmo, no tribunal silencioso de sua consciência...

Cap. 25 do livro Morrer e Depois Editora: A União

Trabalhos encomendados?

Por Orson Peter Carrara

Podemos ser prejudicados por alguém que nos queira mal? Existem poderes neste sentido? E como fica a proteção de Deus diante dessas ações? Existe, afinal, o mal-feito?

Eis perguntas que atormentam muita gente. De início vale dizer que gestos, práticas místicas ou objetos são absolutamente nulos no combate a qualquer possível “trabalho encomendado”. Mas o que é um trabalho desse tipo? Tudo começa com alguém que deseja prejudicar terceiros, já se complicando por si mesmo pois está burlando a lei de amor que rege a vida de todos os seres humanos. Terá que responder por isso, mais cedo ou mais tarde.

A questão inicia-se com a procura de médiuns ou pseudo-médiuns encomendando providências para atrapalhar e mesmo prejudicar a vida de qualquer pessoa, através da ação de espíritos inferiores e sem esclarecimento. É uma espécie de pacto, aceito somente por quem age fora da ética e da justiça, tornando-se todos (o interessado, o atendente e possíveis espíritos envolvidos) responsáveis por possíveis ações desencadeadas e suas conseqüências.

Mas, e a pessoa visada? Esta receberá a ação visada, mas só será vítima se estiver sintonizada na mesma ordem de pensamentos e sentimentos. Uma pessoa honesta, digna, de bons sentimentos jamais será atingida, pois está protegida pelo próprio comportamento. Aliás, proteção a que faz jus pela conduta que adota. Deus é justo, convenhamos. Mas alguém que leva uma vida de ciúmes, de inveja, de vingança, de comportamento fora dos padrões éticos de moralidade e bondade, será sim envolvido pela onda que a ele dirigiram. Questão de sintonia, apenas.

Mas, em verdade, trabalhos encomendados ou mal-feito não existem. Não por uma simples razão: tudo que se faz se faz para si mesmo. Toda ação ou pensamento dirigido a terceiros, retorna para o próprio autor. Somos escravos de nossas ações, de nosso comportamento, de nossos pensamentos. O prejuízo, portanto, é de quem faz. Quem é visado, poderá até sentir alguma perturbação, mas se sua vida for uma vida digna, correta, não há o que temer.

Porém, quando alguém abriga vingança, ódio, rancor e outros sentimentos inadequados à conduta cristã, aí sim está na mesma sintonia, está semelhante a quem desejou o mal. Neste caso, ambos estão envolvidos na mesma onda de sentimentos e portanto, vinculados um ao outro.

Portanto, não é uma questão de trabalhos encomendados ou mal-feito. É simples questão de sintonia mental. Isto porque os objetos usados, sejam quais forem, os rituais e pagamentos efetuados são absolutamente ineficazes, por incompatíveis com aquilo que está simplesmente nas intenções. Por esta razão, não existem trabalhos encomendados. Existem más intenções, com suas inevitáveis conseqüências. Nada de medos, portanto. Basta adotar conduta reta e constante ação no bem próprio e geral.

sábado, 15 de agosto de 2009

Allan Kardec, o chefe druída

Por Mauro Quintella

Influenciados pela moda que varria a França, os Baudin (Émile-Charles, Clémentine e as filhas Caroline e Julie) começaram a conversar com uma mesa girante em 1853, quando ainda moravam na colônia francesa da Ilha da Reunião, na costa oriental da África.

Como em outros lugares, logo constatou-se que a mesa era movida pelas almas dos mortos.

Depois de algum tempo, as reuniões passaram a ser dirigidas por um espírito, que se apresentou como o guia espiritual da família. Interrogado a respeito do seu nome, o ser invisível respondeu:

- Chamem-me pelo que sou, o zéfiro da verdade.

Zéfiro era o nome de um vento típico da região. O apelido pegou.

Certa noite, o guia previu que seus protegidos mudariam brevemente para Paris:

- Émile arrumará seus negócios e entrará na Escola Naval. Caroline e Julie tomarão professoras mais competentes e encontrarão seus noivos. E eu procurarei contato com um velho amigo e chefe, desde o nosso tempo de druidas.

Nessa época, os Baudin não tinham a menor intenção de morar na França. No entanto, uma crise no comércio do café e do açúcar, principais produtos das atividades agrícolas e comerciais de Émile-Charles, obrigou-os a mudar para a Corte em 1855. Zéfiro os acompanhou. Ou foi o contrário?

As reuniões continuaram em Paris. Numa noite, Zéfiro escreveu:

- Nosso dia de glória já chegou.

O Sr. Baudin pediu mais explicações. O espírito amigo respondeu:

- Vamos ter, afinal, o convívio de nosso velho chefe druida!

- Aquele que você esperava encontrar em Paris?

- Sim, ele mesmo, em pessoa. Você vai trazê-lo aqui. Caroline vai atraí-lo.

- Você pode me dizer o nome dele?

- Allan Kardec!

Émile achou o nome estranhíssimo e deu o diálogo por encerrado.

As sessões dos Baudin davam-se num clima de total descontração e sem qualquer formalismo.

Na hora combinada, a casa enchia-se de curiosos, convidados pela família ou recomendados pelos amigos do clã.

Nessa época, os espíritos já tinham abandonado as mesas girantes e se comunicavam através da psicografia indireta, escrevendo num quadro de ardósia (uma lâmina de pedra, portátil). Caroline, Julie e Clémentine funcionavam como médiuns, segurando uma cestinha de vime (corbelha, do francês corbeille), em cujo bico amarravam um lápis de pedra.

Os participantes faziam perguntas, que eram respondidas na ardósia e lidas em voz alta. Após a leitura das respostas, seguiam-se comentários nos mais diversos tons, revelando o espanto de uns e o contentamento de outros.

Zéfiro, o dirigente espiritual da casa, gostava de pilheriar e alfinetar os consulentes antes de dirigir-lhes a palavra.

Certa noite, o Sr. Denizard Rivail, educador lionense radicado em Paris, compareceu à reunião, acompanhado de sua esposa, Amelie Boudet, a convite do próprio Émile-Charles. O pai Baudin os havia conhecido numa sessão de mesa girante na casa da Sra. Planemaison, na qual Rivail aprofundava seu recente interesse pelos fenômenos espíritas.

O espírito guia dos Baudin os recebeu efusivamente, saudando o professor com as seguintes palavras:

- Salve, caro pontífice, três vezes salve!

Lida em voz alta, a saudação arrancou risadas da platéia.

O Sr. Baudin, meio envergonhado, explicou a Rivail que Zéfiro era muito espirituoso e tinha o costume de brincar com os visitantes. O professor não se agastou e respondeu sorrindo:

- Minha bênção apostólica, prezado filho!

Nova risada geral. Zéfiro, porém, redargüiu que tinha feito uma saudação respeitosa, a um verdadeiro pontífice, pois Rivail havia sido um grande chefe druida, no tempo da invasão da Gália pelo Imperador Júlio César.

Os druidas eram os sacerdotes do povo celta, uma etnia que habitava várias extensões da antiga Europa.

Essa área compreendia Portugal e Espanha (a oeste), a Cordilheira dos Cárpatos (a leste), a Bélgica (ao norte) e a Itália (ao sul), passando pela Irlanda, Inglaterra, País de Gales, Escócia, França, Dinamarca, Suíça, Áustria e Alemanha.

Júlio César invadiu a Gália (atual França) no Século 58 a.C. e denominou os celtas locais de gauleses. Segundo Zéfiro, ele e Rivail estavam reencarnados nessa época e local.

O termo druida quer dizer consciência do carvalho, a árvore sagrada dos celtas. Os futuros sacerdotes, escolhidos na classe aristocrática, submetiam-se, desde crianças, a intenso aprendizado junto aos druidas mais velhos.

Os druidas não limitavam sua ação à religião, acumulando a função de juízes, professores, médicos, conselheiros militares e guardiões da cultura céltica. O cargo não era exclusivo dos homens, pois também existiam druidesas.

Viviam integrados na comunidade e podiam se casar. Estimulavam os homens a combater o mal e a praticar bravuras e as mulheres a serem o ponto de união entre o céu e a terra. Júlio César os perseguiu duramente porque insuflavam a resistência ao domínio romano. Segundo o próprio Imperador, foi na Gália que ele viveu a mais árdua de suas campanhas.

Os celtas dominavam diversas áreas do conhecimento humano, como a fitoterapia, a agricultura, a tecelagem, a mineração, a cerâmica, a pecuária, a metalurgia e a astronomia. Inventaram a roda de madeira, o barril e a carroça. No campo artístico, cultivavam a música, a poesia, a escultura, a ourivesaria e a joalheria

O que unia os povoados, vencendo as grandes distâncias que os separavam, não era a obediência a um único rei, mas a língua, a arte e a religião.

A filosofia religiosa dos celtas era muito avançada.

Acreditavam numa Divindade única, que podia ser cultuada como homem (Deus ou o céu) ou mulher (Deusa ou a terra). Como não admitiam templos, seus cerimoniais eram realizados ao ar livre, nos campos e florestas, debaixo de grandes carvalhos.

Além disso, criam na imortalidade da alma, na reencarnação, no livre-arbítrio, na lei de causa e efeito, na evolução espiritual, na inexistência de penas eternas, nas esferas espirituais, na existência de elementais (duendes, fadas, gnomos, etc.) e na proteção dos Espíritos superiores.

Um celta não morria, pois a morte era apenas um ponto no meio da estrada.

Só houve uma coisa negativa: os druidas proibiram a palavra escrita como instrumento de preservação da história céltica, por temerem que textos escritos caíssem em mãos escusas.

Por isso, todo o conhecimento desse povo era transmitido oralmente e se perdeu muito no decorrer dos séculos.

Com a queda do grande chefe Vercingetórix, no ano de 52 a.C., toda a Gália acabou rendendo-se, pouco a pouco, aos exércitos romanos, mais treinados e portadores de armas mais leves e manejáveis. No final do Século I a.C., todos os domínios celtas, exceto a Irlanda e a Escócia, estavam submetidos a Roma. A falta de unificação política, geográfica e militar das tribos também colaborou para o sucesso de Júlio César.

Com a forte repressão política aos druidas, movida pelo Imperador, a cultura céltica foi perdendo sua força e, no final do Século I d.C., a quase totalidade dos celtas estava "romanizada" ou misturada à multidão de povos que invadiu o continente europeu.

O druidismo passou então a ser uma prática fechada e esotérica. Isso, porém, não impediu que muitos druidas aceitassem as idéias de Jesus de Nazaré, quando o Cristianismo primitivo chegou à Europa. No entanto, o nascente Catolicismo romano não gostou desse sincretismo e ajudou a perseguir os sacerdotes celtas. Pode-se dizer que o desaparecimento dos druidas é diretamente proporcional ao crescimento e fortalecimento da Igreja Católica.

Como os grandes druidas eram conhecidos como as serpentes da sabedoria, São Patrício regozijava-se de ter acabado com as "serpentes" da Bretanha.

A vitória final teria sido de Roma se não existisse a reencarnação. Utilizando-se desse mecanismo natural, o druida Allan Kardec renasceu no Século XIX para dar continuidade ao seu trabalho no campo científico, filosófico e religioso.

O local escolhido foi a cidade de Lyon, na atual França, antiga Gália, no ano de 1804. Seu novo nome seria Hippolyte Léon Denizard Rivail. Educado na Suíça, mudou-se, depois, para Paris, capital cultural do mundo.

Durante muitos anos, o ex-druida dedicou-se ao estudo e prática da Educação. Todavia, aos 50 anos, atraído pelos fantasmagóricos fenômenos que invadiram o globo, sua atenção voltou-se integralmente para as questões transcendentais da vida.

Convencido que os estranhos acontecimentos eram produzidos por espíritos, Rivail começou a fazer-lhes várias perguntas sobre as causas e características das coisas. Desse material saiu sua primeira obra sobre o assunto, O Livro dos Espíritos. Estava inaugurada a nova filosofia espiritualista, que ele chamou de Espiritismo.

Já sabendo que era um druida reencarnado, através da revelação do Espírito Zéfiro, Rivail preferiu assinar O Livro com seu antigo nome celta, a fim de separar seu trabalho de educador do de autor espírita. Fechava-se, assim, um ciclo palingenético, pessoal e histórico.

O espírito Kardec/Rivail completava sua tarefa de condutor de almas e as grandes teses druídicas ressurgiam no bojo da novel Doutrina Espírita. Tudo sobre o mesmo solo gaulês.

Esses fatos, porém, não aconteceram sem a resistência de uma velha inimiga dos druidas. A Igreja Católica tentou denegrir o Espiritismo de várias maneiras. Mas essa já é outra história...

Bibliografia:

* O Livro dos Espíritos e sua tradição Histórica e Lendária - Silvino Canuto de Abreu, Edições LFU, São Paulo, 1992.
* Os Celtas - Venceslas Kruta, Editora Martins Fontes, São Paulo, 1979.
* Internet - (diversas páginas sobre celtas).

(Publicado no Jornal A Voz do Espírito - Edição 89: Janeiro - Fevereiro de 1998)

Um estudo sobre a dor

Por Claudia Cardamone

“Ninguém sofre, de um modo ou de outro, tão somente para resgatar o preço de alguma coisa. Sofre-se também angariando os recursos precisos para obtê-la." (Emmanuel, do livro “Aulas da Vida”).

Primeiramente vamos definir a palavra dor. De acordo com o Dicionário Aurélio, dor pode ser uma sensação desagradável, variável em intensidade e em extensão de localização, produzida pela estimulação de terminações nervosas especiais, pode ser um sofrimento moral, mágoa, pesar ou aflição, e por fim dor pode ser sinônimo de dó, compaixão e condolência. Com base no Wikipédia, a dor é uma sensação desagradável, que varia desde desconforto leve a excruciante, associada a um processo destrutivo atual ou potencial dos tecidos que se expressa através de uma reação orgânica e emocional.

Existem aspectos para a dor. A dor física é aquela que surge de um ferimento ou de uma doença, funcionando como um alarme de que há algo errado no funcionamento do corpo; se não existisse a dor, provavelmente não sobreviveríamos, porém esta dor física afeta a pessoa como um todo. A dor moral é aquela que advém do sofrimento, da emoção. A dor espiritual surge da perda de significado, sentido e esperança, ela é reconhecida quando dizemos que “dói a alma”. O aconselhamento espiritual é uma das necessidades mais solicitadas pelos que estão morrendo e por seus familiares. Claro que estes três aspectos interrelacionam-se e nem sempre é fácil distinguir um do outro.

Todas as pessoas consideradas normais têm horror à dor física. Mas a dor se impõe ao homem como um instrumento necessário para que ele possa compreender e observar a lei da autopreservação. Quando a dor é maior do que conseguimos suportar, simplesmente caímos em estado inconsciente.

Um aspecto importante da dor é o aspecto mental, pois a maioria das dores físicas é exagerada pela nossa reação mental a elas. Muitas vezes, em um acidente, os pais, preocupados em amparar e proteger seus filhos, não sentem a dor de um ferimento, porém assim que suas emoções se acalmam, percebem o ferimento e sentem dor. Muitas vezes eles dizem nem terem tido tempo para pensar nisso.

Em "O Livro dos Espíritos", Capítulo VI, Parte 2ª: “257. O corpo é o instrumento da dor, se não é sua causa primária, é pelo menos a imediata. A alma tem a percepção dessa dor: essa percepção é o efeito. A lembrança que ela conserva pode ser muito penosa, mas não pode implicar ação física. Com efeito, o frio e o calor não podem desorganizar os tecidos da alma; a alma não pode regelar-se nem queimar. Não vemos, todos os dias, a lembrança ou a preocupação de um mal físico produzir os seus efeitos? E até mesmo ocasionar a morte? Todos sabem que as pessoas que sofreram amputações sentem dor no membro que não mais existe. Seguramente não é esse membro a sede, nem o ponto de partida da dor: o cérebro conservou a impressão, eis tudo. Podemos, portanto, supor que há qualquer coisa de semelhante nos sofrimentos dos Espíritos depois da morte (...)”

“O perispírito é o liame que une o Espírito à matéria do corpo; é tomado do meio ambiente, do fluido universal; contém ao mesmo tempo eletricidade, fluido magnético e, até certo ponto, a própria matéria inerte (...) É também o agente das sensações externas. No corpo, estas sensações estão localizadas nos órgãos que lhes servem de canais. Destruído o corpo, as sensações se tornam generalizadas. Eis porque o Espírito não diz que sofre mais da cabeça que dos pés (...) Liberto do corpo, o Espírito pode sofrer, mas esse sofrimento não é o mesmo do corpo; não obstante, não é também um sofrimento exclusivamente moral, como o remorso, pois ele se queixa de frio ou de calor (...) A dor que sente não é dor física propriamente dita: é um vago sentimento interior, de que o próprio espírito nem sempre tem perfeita consciência, porque a dor não está localizada e não é produzida por agentes exteriores; é, antes, uma lembrança também penosa (...)”.

Um espírito já desencarnado pode acreditar estar sentindo dor, pois sua mente ainda mantém a percepção desta dor. Ele não sente uma dor física, pois esta dor é inerente ao corpo, que já não existe mais, mas por estar muito apegado à matéria e acreditar que possui um corpo, sua mente “percebe” a dor.

Desde o século passado, a ciência já conhece quais os neurônios envolvidos na percepção da dor, mas o mais importante é o processo mental que irá interpretar esta dor. Ou seja, a forma como é expressa esta dor está fortemente ligada à cultura, à personalidade, às experiências anteriores, à memória e ao ambiente do indivíduo. Desta forma, podemos concluir que a dor é um processo mental interpretativo, não passa de uma opinião pessoal. Sem dúvida é uma sensação em uma ou mais partes do organismo, mas sempre é desagradável, e, portanto, representa uma experiência emocional. Estamos diante de um fenômeno dual, de um lado a percepção da sensação e de outro a resposta emocional do indivíduo a ela. Assim, nem sempre quem está sentindo dor está sofrendo. O sofrimento é uma questão subjetiva e está mais ligada à moral da pessoa. Nem toda dor leva ao sofrimento e nem todo sofrimento requer a presença de dor física. A dor sempre representa um estado psicológico, muito embora saibamos que a dor na maioria das vezes apresenta uma causa física imediata.

Já dizia Emmanuel: “Toda dor física é um fenômeno, enquanto que a dor moral é essência.” (O Consolador, Francisco Cândido Xavier).

Muitas vezes esta dor, que no plano biológico é como uma advertência de utilidade incontestável, repercute na vida psicológica do indivíduo, extrapolando esta utilidade biológica e dependendo da sua intensidade poderá assumir dimensões tais que gerariam um desejo de se eliminar a própria vida. Na verdade, não é uma verdadeira vontade de eliminar a vida, mas um desejo de pôr fim a uma dor interpretada como intolerável.

A Psicologia já vem afirmando algo nesta direção; diz esta ciência que dar significado à condição sofrida freqüentemente reduz ou mesmo elimina o sofrimento a ela associado. A transcendência seria provavelmente a forma mais poderosa na qual alguém pode ter sua integridade restaurada.

Desde que renascemos, até a desencarnação, estamos sempre diante da dor e do sofrimento. A Doutrina Espírita não faz apologia da dor, apenas nos esclarece o porquê da dor.

“É necessário sofrer para adquirir e conquistar. Aqueles que não sofreram, mal podem compreender estas coisas.” (Léon Denis, Cap. XXVI do livro “O Problema do Ser, do Destino e da Dor”).

Claudia Cardamone nasceu em 31 de outubro de 1969, na cidade de São Paulo/SP. Formada em Psicologia, no ano de 1996, pelas FMU em São Paulo. Reside atualmente em Santa Catarina, onde trabalha como artesã. É espírita e trabalhadora da Associação Espírita Seareiros do Bem, em Palhoça/SC.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O Roustainguismo

Por Ary Lex

Embora muitos não concordem, consideramos a doutrina de Roustaing, que admite o corpo fluídico de Jesus, também tem uma deturpação do Espiritismo. E por que não dedicamos a ela um capítulo especial, na primeira edição de "Pureza Doutrinária", que saiu em 1988? Porque não penetráramos ainda, com profundidade, no assunto e não assimiláramos o pensamento de Herculano Pires: "A posição científica Kardec opõe-se à posição vulgar de Roustaing - um horrível vaidoso que se deixa levar pelos Espíritos mistificados aceitando as explicações mais ridículas e absurdas para esclarecimento de problemas escriturísticos. O grande advogado não passava de um grande ingênuo". (O Verbo Carne, Edição Cairbar, página 56, 1973).

1 - Breve histórico

Jean-Baptiste Roustaing era advogado e nasceu em Bordeaux (França). Foi assessorado pela médium Emile Collignon, que lhe transmitiu comunicações mediúnicas atribuídas aos quatro evangelistas (Mateus, Marcos, Lucas, João), cada qual comentando seu Evangelho, tudo dirigido por Moisés. Roustaing publicou sua obra em 1866, intitulada "Quatro Evangelhos", com o subtítulo "Espiritismo Cristão Revelação da Revelação".

No segundo século da era cristã, surgiu dentro cristianismo a doutrina do docetismo. Ensinava ela que o corpo de Cristo não era material, e sim aparente e ele não teria nascido como os homens em geral. No século IV, Apolinário de Ludicéia, dizia que Jesus não nascera de Maria, não sofrera e só morrera na aparência.

Roustaing traz de novo essas idéias. Se, como pretende "Os Quatro Evangelhos" fossem comentados agora pelos próprios evangelistas, constituiriam uma obra de altíssimo valor, que viria reforçar a Codificação. Mas as contradições e erros são tão grandes que têm prestado um desserviço ao Espiritismo. Por isso, é profundamente lamentável que a Federação Espírita Brasileira dê tamanho valor a essa doutrina desagregadora.

No Brasil, os "Quatro Evangelhos" foram introduzidos por Antônio Luiz Sayão, do Grupo Ismael (RJ), fundado em 1880. Foi ele precursor da Federação Espírita Brasileira (F.E.B.), que veio a defender ardorosamente o roustainguismo, através das palavras e ações de todos os seus presidentes: Guillon Ribeiro, Wantuil de Freitas, Armando de Assis, Francisco Thiesen e Juvanir Borges de Souza. Fecharam eles os espíritas ingênuos numa gaiola de ouro: nenhuma pessoa poderia ter cargo diretivo se não fosse roustainguista.

Ismael Gomes Braga, dirigente da FEB, em seu livro "Elos Doutrinários" culpa os kardecistas pelo fracasso do movimento espírita francês: "Nos lugares onde os inimigos visíveis e invisíveis de Roustaing venceram a campanha que maquinaram, o Espiritismo e Kardec entraram em declínio e, ou desapareceram totalmente, ou estão adormecidos. Está demonstrado, pois, que atacar a obra de Roustaing é, de fato, atacar e minar o edifício todo da Terceira Revelação, lançar o descrédito sobre a fonte mesma do espiritismo." ( ... )"Não nos iludamos com esses pretensos defensores de Kardec. Eles são os únicos inimigos perigosos do espiritismo, por isso que se dizem espíritas, escrevem e falam em nome da Doutrina e ardilosamente lhe vão minando os alicerces eternos: os Evangelhos e a Mediunidade". Para ele, os livros de Roustaing são um curso superior de Espiritismo.

Luciano dos Anjos, em artigo publicado no "Reformador", órgão da FEB, em 1973, afirma que a FEB é uma instituição extraterrena, nada mais sendo do que uma projeção de sua verdadeira sede que está no alto. Francisco Thiesen, ex-presidente da FEB, no "Reformador"de abril de 1987, diz que "Kardequizar é sectarizar".

O "Reformador", como se vê, sempre foi o porta-voz dos roustainguistas da FEB. Há cerca de 8 anos, em manobra política, a FEB levou, para vice-presidentes, dois espíritas paulistas, de enorme valor e dignidade, ambos kardecistas. Esperávamos que eles conseguissem abrandar, se não as idéias, pelo menos as táticas roustainguistas, mas estamos vendo que não o conseguiram, ou não quiseram. A FEB passou a assediar, por meios os mais variáveis, as poucas Entidades, como a USE-SP que se mantinham fora de seus domínios. Esperemos seu novo vôo, rumo ao Conselho Espírita Internacional.

2 - Afirmações de Roustaing

Baseei-me nas seguintes fontes:

Durval Ciamponi, em seu excelente livro "Alternativas da Humanidade (Na era do Espírito)", Edições FEESP, 1996, faz um estudo resumido das 'teses roustainguistas'. Gélio Lacerda da Silva aborda longamente o assunto, no seu livro "Conscientização Espírita", Editora Opinião E, 1995. Wilson Garcia já havia sido muito feliz na pesquisa para "O Corpo Fluídico", Editora Correio Fraterno, 1987. E não nos esqueçamos do livro que fez furor em 1973: "O Verbo e a Carne", de Herculano Pires e Júlio Abreu Filho. Em 1999, Nazareno Tourinho publicou uma excelente crítica: "As Tolices e Pieguices da Obra de Roustaing", Correio Fraterno.

Vamos então, às principais afirmações do livro "Os Quatro Evangelhos".

1 - Jesus, sendo um Espírito Crístico, não teve um corpo carnal, mas um corpo fluídico, com todas as aparências de matéria.

2- A gravidez de Maria foi aparente: "Foi obra do Espírito Santo (noção católica), porque foi obra dos Espíritos do Senhor e, como tal, aparente e fluídica, de maneira a produzir ilusão, a fazer crer numa gravidez real". Quer dizer: Maria participou de uma grande farsa. "Os espíritos prepostos à preparação do aparecimento do Messias na Terra reuniram em torno de Maria fluidos apropriados que lhe operaram a distensão do abdômem e o entumesceram." ( ... )"Seu parto foi igualmente obra do Espírito Santo, porque também foi obra dos Espíritos do Senhor e só se deu na aparência, tal como a gravidez." Vejam-se o misticismo e a arrogância, fazendo os "Espíritos do Senhor" virem fazer os partos aqui na Terra ...

3 - O leite mamado por Jesus era devolvido pelos espíritos ao sangue da mãe, sem que ela o soubesse.

4 - O corpo fluídico justifica atos da vida de Jesus, como andar sobre as águas e desaparecer do sepulcro.

S - Os Espíritos crísticos, puríssimos, não podem encarnar, por isso, Jesus não poderia ter corpo de matéria.

6 - Tudo, na vida de Jesus, foi apenas aparente, havendo ilusão para todos os que o seguiam.

7- Deveria vir o "Espírito Regenerador", representando o Consolador prometido por Jesus, com o papel do Espírito Santo da Igreja Romana. Esta afirmação reduz a zero a universalidade da missão do Espiritismo e as manifestações mediúnicas. "Os vossos médiuns só entrarão no gozo completo de suas faculdades medianímicas quando estiver entre os homens o Regenerador, Espírito que desempenhará a missão superior de conduzir a humanidade ao estado de inocência, isto é, ao grau de perfeição a que ela tem de chegar". ( ... )" Debaixo da influência e da direção do Regenerador, caminha o chefe da Igreja Católica, a qual será, então, católica na legítima acepção desse termo, pois estará em vias de tornar-se universal, como sendo a Igreja de Cristo."

8 - Afirmam os seguidores de Roustaing que Humberto de Campos enfatiza a participação dele na obra da Codificação.

"O Mundo Maior decidiu que Kardec contaria com a coordenação de uma plêiade de auxiliares de sua obra, designados particularmente para coadjuvá-lo, nas individualidades de Jean-Baptiste Roustaing, que organizaria o trabalho da fé; de Léon Denis, que efetuaria o desdobramento filosófico; de Gabriel Delanne, que apresentaria a estrada científica; e de Camille Flammarion, que abriria a cortina dos mundos."

9 - Vem agora o absurdo dos absurdos, defendido por Roustaing. Trata-se dos "criptógamos carnudos". Para ele, os espíritos "ateus" sofrem o castigo da primitiva encarnação humana, transformando-se em larvas, que Roustaing denomina "criptógamos carnudos". Seriam uma espécie em que se encarnam espíritos humanos que regrediram aos planos vegetal e animal. Em Botânica, criptógamos é o termo usado para designar os vegetais que possuem órgãos reprodutores ocultos. O acréscimo "carnudo" faz lembrar músculos, carne, e por isso, os remete ao reino animal. Nesses seres encarnariam espíritos humanos que regridem ao reino vegetal ou animais extremamente elementares.

Roustaing assim os descreve: "São corpos rudimentares. O homem aporta a essas terras no estado de esboço, como tudo que se forma nas terras primitivas. O macho e a fêmea não são nem desenvolvidos, nem fortes, nem inteligentes. Mal se arrastando nos seus grosseiros invólucros, vivem, como os animais, do que encontram no solo e lhes convenha. As árvores e o terreno produzem abundantemente para a nutrição de cada espécie. Os animais carnívoros não os caçam. A previdência do Senhor vela pela encarnação de todos. Seus únicos instintos são os da alimentação e os da reprodução".

No livro "O Verbo e a Carne", na página 43, Herculano Pires comenta: "Essa é a revelação da revelação. Roustaing copia e desfigura Kardec, acrescentando aos seus ensinos os maiores absurdos. Note-se que essas criaturas estranhas, em forma de larvas e lesmas, são encarnação de espíritos humanos que haviam atingido alta evolução sem passar pela encarnação humana. Depois de desenvolverem a razão em alto grau e de haverem colaborado com Deus nos processos da Criação, chegando mesmo a orientar criaturas humanas, voltam à condição de criptógamos carnudos.

Mas por que falam os reveladores em substâncias humanas? Por que não simplificam as coisas dizendo simplesmente que esses espíritos decaídos vão encarnar-se em lesmas? Por que é preciso enganar os espiritistas que aceitam Kardec e sabem que a evolução espiritual é irreversível, que o espírito humanizado não pode regredir ao plano animal?"

Encontramos em Léon Denis, "Depois da Morte", 9º edição, FEB, página 124: "A alma se elabora no seio dos organismos rudimentares. No animal, está apenas em estado embrionário: no homem adquire o conhecimento e não pode mais retrogradar".

Os antigos egípcios e outros admitiam quc a alma humana pode reencarnar em corpo de animais como punição a falhas cometidas. Nisto consiste a metempsicose, não aceita pelo Espiritismo, que só admite reencarnação em corpos humanos. A metempsicose é esclarecida por Kardec, em "O Livro dos Espíritos", perguntas 611, 612 e 613.

3 - Refutação de Roustaing

O combate às idéias de Roustaing já é antigo: Deolindo Amorin e Carlos Imbassahy, no Rio de Janeiro, nas décadas de 1950 e 1960; José Herculano Pires e Júlio Abreu Filho, de 1960 a 1975 (em São Paulo); mais recentemente, Durval Ciamponi e Gélio Lacerda da Silva, de Vitória, ES, que publica "Conscientização Espírita", EME editora, 1995, livro claro, didático e muito corajoso.

Vamos tentar refutar, item por item, os argumentos falaciosos dos roustainguistas, mas nada melhor do que iniciar citando os ensinos poderosos do Codificador, que constituem nosso esclarecimento, nossa luz, nosso farol. Representam não a opinião sem validade de um homem, fanatizado e presunçoso, que quer impingir suas idéias como se fossem os ensinos dos quatro evangelistas, mas sim, a opinião coletiva de Espíritos de alta evolução, que trouxeram a Doutrina Espírita.

1- Corpo Fluídico . Vejamos o que diz "A Gênese"· Capítulo XV . item 65: "A permanência de Jesus sobre a Terra apresenta dois períodos: aquele que precede e aquele que segue sua morte. No primeiro, desde o momento da concepção até o nascimento, tudo se passa com sua mãe como nas condições comuns da vida. A partir do nascimento até sua morte, tudo em seus atos, sua linguagem e nas diversas circunstâncias de sua vida, apresenta os caracteres inequívocos de sua corporeidade. Depois de sua morte, ao contrário, tudo revela nele o ser fluídico. A diferença entre os dois estados é tão fundamentalmente traçada que não é possível assemelhá·las ...

A coesão não existe nos corpos fluídicos; a vida, neles não repousa no funcionamento de órgãos especiais e neles não se podem produzir desordens análogas; um instrumento cortante em qualquer outro, ali penetra como num vapor, sem lhe ocasionar lesão alguma. Eis porque os seres fluídicos designados por agêneres não podem ser mortos.

Depois do suplício de Jesus, seu corpo lá ficou, inerte e sem vida; foi sepultado como os corpos comuns, e todos puderam vê-lo e tocá·lo. .. Se Jesus pôde morrer, é que tinha corpo carnal".

Vamos agora ao livro "Obras Póstumas", de Kardec, capítulo V - Dupla natureza de Jesus, página 105: "O que devia ser humano em Jesus era o corpo, a parte material, e neste ponto de vista, compreende-se que ele tenha sofrido como homem". No capítulo VIII desse livro, Kardec lembra João I, 1 a 14: "E o verbo se fez carne e habitou entre nós; e vimos a sua glória, como filho unigênito do Pai, cheio de graça e verdade". "Jesus podia, pois, ser encarregado de transmitir a palavra de Deus sem ser Deus, como um embaixador transmite as palavras do seu soberano, sem ser o soberano."

Ainda em ''A Gênese" - Capítulo XV - item 2, diz Kardec:

"A superioridade de Jesus sobre os homens não era relativa às qualidades particulares do seu corpo, mas às de seu Espírito, que dominava a matéria de maneira absoluta, e ao seu perispírito alimentado pela parte mais quintessenciada dos fluidos terrestres".

Perante afirmações tão categóricas da Codificação, é de se admirar que os dirigentes da FEB teimem em negar que Jesus tenha tido um corpo material.

2 - O leite mamado por Jesus - A aceitação de que ele era devolvido pelos espíritos ao sangue da mãe é de um absurdo verdadeiramente irritante. Mais tarde, quando jovem e adulto, ele se alimentava como as outras pessoas. O que acontecia com esses alimentos? Seriam desmaterializados? Por que recorrer a hipóteses estapafúrdias? Será desonroso crer que ele tinha um corpo orgânico como o nosso?

3 - Andar sobre as águas - Não é preciso recorrer à fé para aceitar que Jesus pairasse acima das águas, mesmo tendo corpo material. Em "A Gênese" - capítulo XIV - item 42, encontramos: "Jesus, mesmo vivo, pôde aparecer sobre a água sob uma forma tangível, enquanto seu corpo carnal se encontrava alhures; é a hipótese mais provável".

Kardec escrevia e os Espíritos ensinavam, há 150 anos. Mas ele mesmo insistia em que "o Espiritismo caminhará com a ciência". E caminhou. A própria física moderna trouxe-nos explicações, impossíveis naquela época, e que hoje são banais, citando ocorrências em que a força de atração da gravidade é vencida. Assim é que, dentro dos "sputniks", os astronautas flutuam no ar.

4-Desaparecer do sepulcro - Hoje há numerosos trabalhos, livros e revistas que tratam do "fenômeno de transporte". Citemos o mais importante deles: "Fenômenos de Transporte", Ernesto Bozzano, 2ª edição, FEESP, 1982, prefácio de Deolindo Amorin. Nele Bozzano, grande sábio italiano e que escreveu numerosas obras espíritas, estuda com grande agudeza o assunto, citando fenômenos obtidos em plena luz. Se os Espíritos podem efetuar transporte de objetos e alguns médiuns podem levitar, por que Jesus, com seu enorme poder sobre a matéria não poderia fazê-lo?

5-Espíritos puríssimos não podem encarnar - Encontramos em A Gênese", capítulo XIV - item 9, o seguinte:

"Os Espíritos superiores podem vir aos mundos inferiores e mesmo aí se encarnar. Dos elementos constitutivos do mundo em que entram eles extraem os materiais do envoltório fluídico ou carnal apropriado ao ambiente onde se encontram. Fazem como grande senhor que deixou suas belas roupas para vestir-se momentaneamente com trajes plebeus, sem que, por isso, deixe de ser grande senhor. É assim que Espíritos das ordens mais elevadas podem se manifestar aos habitantes da Terra, ou encarnar-se entre eles, em missão". "Os Espíritos chamados a viver naquele meio dele extraem seu perispírito; mas conforme seja o próprio Espírito mais ou menos purificado, seu perispírito se forma de partes mais puras ou mais grosseiras do fluido próprio ao mundo no qual se encarna."

Durval Ciamponi, no livro "Alternativas da Humanidade", esclarece à página 98: "Quando um Espírito superior encarnar entre os homens na Terra, seu perispírito será mais sutilizado que dos aborígenes. A natureza do envoltório fluídico está sempre em relação com o grau de adiantamento moral do Espírito".

Aqui entram os roustainguistas com uma novidade: "Há mundos fluídicos, destinados à habitações de espíritos que, desde o estado de infância e instrução, nunca faliram, e que, conservando-se sempre puros na senda do progresso, progridem no estado fluídico. Mundos materiais - Diversos mundos destinados à encarnação dos espíritos falidos e, como tais, sujeitos à encarnação humana". (Citação de Herculano Pires).

Fantasia que divide os espíritos entre pobres e plebeus; os protegidinhos que nunca "pecaram" (isto só aconteceria se fossem liberados das provas) e aqueles que, jogados em ambientes desfavoráveis, teriam tido seus fracassos. Esquecem a grande Lei da Evolução, que nos mostra que os mundos fluídicos representam a fase superior do desenvolvimento dos mundos materiais.

6-Tudo na vida de Jesus, foi apenas aparente - Durval Ciamponi responde por mim: "Se tudo nele era só aparência, todos os atos de sua vida, o anúncio reiterado de sua morte, a cena dolorosa do Jardim das Oliveiras, sua oração a Deus para que alistasse o cálice de seus lábios, sua paixão, sua agonia, tudo, até seu último grito no momento de entregar o Espírito, não teria sido senão um vão simulacro para enganar com relação à sua natureza e fazer crer no sacrifício ilusório de sua vida, uma comédia indigna de um homem honesto e simples, quanto mais, e por mais forte razão, de um ser também superior, numa palavra teria abusado da boa fé dos seus contemporâneos e da posteridade". (página 99)

7-Jesus não sofreu dor física, somente dor moral

Roustaing não deixa dúvidas quando afirma que Jesus não sofreu dores físicas ou orgânicas e que seu sofrimento foi apenas moral. Reconhecemos que a dor moral tenha sido bem maior que a dor corporal, dado o comando que tinha sobre a matéria. Não precisaria sofrer a dor material, que é, para os homens, a oportunidade de resgate e útil para a evolução.

O sofrimento de Jesus foi perante a ignorância e incompreensão do povo e até de seus seguidores mais próximos. Não perceberam a grandiosidade de sua missão. Esperavam um salvador guerreiro e não um ser dizendo que "meu reino não é deste mundo". "Se, quando vos falo das coisas terrenas, ainda assim não credes, como creríeis se eu vos falasse das celestiais?"

Em Mateus, 17: 17, encontramos: "ó geração incrédula e perversa! Até quando estarei convosco? Até quandos vos sofrerei?"

"Havendo, pois, Cristo padecido na carne, armai-vos também vós outros desta mesma consideração: que aquele que padecer na carne cessou seus pecados." (l ª Epístola de São Pedro - Capo 4-1)

8- Espírito Regenerador - Roustaing se coloca na posição daqueles crentes de outras religiões que ainda esperam a vinda do Messias prometido, restringindo o valor da missão de Jesus, que precisa ser completada por outros Messias. Para os espíritas, o Consolador prometido já veio e é o Espiritismo.

9-Brasil, Coração do Mundo- "A colocação de Humberto de Campos sobre "Brasil, Coração do Mundo" era, também um pouco emocional-libertária, porque os Espíritos não têm pátria; sua pátria é o Universo (Bahia Espírita, FEEB, Ano XVI, nº 68, Set. - Out. ,1985). Divaldo: "A expressão 'Pátria do Evangelho' não é da Doutrina Espírita. Está inserta numa obra de Humberto de Campos e trata-se de uma colocação emocional do literato que ama sua pátria". (Conscientização Espírita)

Avaliação da "Revelação da Revelação"

Herculano Pires, em "O Verbo e a Carne", à página 56, pergunta: "Quais os motivos da penetração de Roustaing no Brasil? Como e por que ele conseguiu enraizar-se na chamada 'casa mater'? Por que nos defrontamos agora com uma recrudescência dessa pseudo-doutrina? Parece-nos que tudo se resume numa questão de formação religiosa, tendo por fundo a formação nacional brasileira e o período medieval do nosso desenvolvimento nacional. O roustainguismo chegou ao Brasil num momento crítico, quando a nossa cultura estava sendo abalada por várias infiltrações européias. Entre essas, o Espiritismo, que chegara da Franca e empolgara alguns espíritos cultos na segunda metade do século XIX. O roustainguismo se apresentou como integrado ao Espiritismo e tocava de perto a sensibilidade mística de alguns ex-católicos. A obra trazia um grande alívio aos espíritas místicos, pois quebrava a frieza racional da obra de Kardec e restituia ao Cristo a sua condição sobrenatural.

Para homens profundamente religiosos, como Bezerra de Menezes, Antônio Luiz Sayão, Bittencourt Sampaio e outros, cujos escritos atestam o predomínio do sentimento religioso sobre a razão crítica, a obra de Roustaing surgia como uma tábua de salvação, livrando-os do racionalismo kardeciano. Era a volta ao maravilhoso, ao Cristo místico, divino no espírito e no corpo. Dessa maneira, Roustaing devolvia a essas criaturas as ilusões perdidas da religião lírica que as embalara desde a infância.

Não é fácil compreendermos hoje o clima religioso em que o Espiritismo se desenvolveu entre nós. Houve, naturalmente, a dissidência racionalista, constituída por elementos que tendiam para o aspecto racional da doutrina. Daí a divisão acentuada por Canuto de Abreu (na FEB) entre espíritas místicos e científicos".

Essas são as explicações racionais e imorredouras de Herculano Pires, esse grande pensador espírita, que eu não poderia deixar de citar, fazendo-as minhas.

No Esboço Histórico da Federação Espírita Brasileira, publicado em 1911, são citados os confrades que, no dia 1 º de janeiro de 1884, fundaram uma "sociedade para estudo científico do espiritismo", incorporando o jornal "O Reformador", que vinha sendo editado por Elias da Silva. Veja-se o objetivo desta Federação (mudado depois).

Anjo Ismael - Nos centros Espíritas do Rio de Janeiro, antes da Fundação da FEB, havia referências ao "Anjo Ismael", que se transferiu definitivamente para a FEB, tendo como uma das mais importantes finalidades incentivar o estudo dos Quatro Evangelhos. Propuseram que a designação dos dirigentes fosse feita pelos Espíritos, em cada sociedade espírita. Esqueciam-se eles de que a tarefa dos Espíritos é instruir-nos e aconselhar-nos, não se trasnformar em cabos eleitorais. Entretanto, não se tomou conhecimento do que consta nas "Obras Póstumas" de Kardec.

Antes de vir para a FEB, o "luminoso espírito de Ismael", para substituir o primitivo Grupo Confúcio, fundado em 1873, criou a "Sociedade Deus, Cristo e Caridade", criada a 23-3-1876 e dirigida por Bittencourt Sampaio. O Grupo Ismael também se incorporou à FEB. Foi então que a FEB tomou os Quatro Evangelhos como guia máximo no Espiritismo, de valor superior à Codificação, pois os ensinos recebidos proviriam diretamente dos próprios evangelistas, assistidos por Moisés.

A 3 de agosto de 1885, é guindado à presidência da FEB o grande espírita, médico e político dr. Adolpho Bezerra de Menezes; respeitado por todos, veio a acabar com a luta entre místicos e científicos, pacificando a Federação. Desencarnou a 11 de agosto de 1900.

Após Bezerra, pacificador e tolerante, o roustainguismo passou a imperar na FEB; para ser dirigente ou conselheiro, era preciso ser roustainguista. A FEB proibia a realização de qualquer Congresso, no Brasil, sem seu consentimento. Mas em alguns Estados (São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, principalmente) começou-se a esboçar a libertação da ditadura febiana. Assim realizou-se, de 31 de outubro a 5 de novembro de 1948, o Congresso Brasileiro de Unificação, patrocinado pela então corajosa USE e combatido pela FEB.

Em abril de 1962, na cidade de Curitiba, realizou-se o 1 º Simpósio Espírita Centro-Sulino, com a presença das delegações de São Paulo, Paraná, Guanabara, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Tomaram-se resoluções importantes para a condução do movimento espírita no Brasil. Enfatizou-se o aspecto tríplice da Doutrina: aspectos de ciência, filosofia e religião. Alertou-se o meio espírita brasileiro "acerca da diluição progressista da conceituação doutrinária, a que os trabalhos dos movimentos paralelos podem, conscientemente ou não chegar". (...) "O espírita deve evitar a adesão irrefletida ou menos avisada a movimentos ou produções literárias que direta ou indiretamente colidam com o momento espírita .

O Pacto Áureo - A 5 de outubro de 1949, realizou-se, no Rio de Janeiro, o acordo geral visando a unificação do Espiritismo no país e a criação de um Conselho Federativo Nacional apoiado por espíritas de todo o Brasil. Não foi apoiado por pensadores isolados como Herculano Pires, que escreveu: ''A USE submeteu-se ao Conselho Federativo Nacional, órgão da FEB. A reforma estrutural da USE suicida-se num pacto de ouro, entregando-se aos rabinos do Templo". (Jornal Mensagem, dezembro de 1976)

Todos nós nos entusiasmamos com o Pacto. Esperávamos um Conselho Federativo realmente representativo de todo o Brasil, autônomo, funcionando com toda liberdade e sem compromissos com Roustaing. Não percebemos que ele era um Departamento da FEB e, como tal, a ela subordinado. Não víamos que um Conselho, representando democraticamente todas as Federações estaduais, não poderia ser subordinado a uma Federação criada e dirigida por moradores do Rio de Janeiro, intitulada "brasileira", mas sucessora de um só centro espírita.

Uma Federação dos Sindicatos dos Metalúrgicos do Brasil precisa ser formada pela união dos sindicatos de todos os Estados em Assembléia para tal convocada. Tal Federação não pode ser departamento de um Sindicato.

Uma Associação Médica Brasileira é formada por Associações dos vários estados, as quais são a ela subordinadas. Não se concebe a AMB como departamento de uma Associação Estadual.

A Confederação Brasileira de Futebol resulta da união das federações estaduais de futebol. Não teria cabimento a CBF ser um departamento do São Paulo Futebol Clube, ou do Vasco da Gama.

Pois bem. O Conselho Federativo Nacional, que congrega as entidades espíritas de todos os Estados do Brasil, é subordinado à FEB. Seus membros não têm a menor autonomia. Seria triste, se não fosse ridículo.

Terminamos este capítulo com as corajosas palavras de Herculano: "É dever dos espíritas sinceros combater a mistificação roustainguista neste alvorecer da Era Espírita no Brasil. Ou arrancamos o joio da seara ou seremos coniventes na deturpação doutrinária, que continua maliciosamente a ser feita. O Cristo agênere é a ridicularização do Espiritismo, que se transforma num processo de deturpação mitológica do Cristianismo. A doutrina do futuro nega-se a si mesma e mergulha nas trevas mentais do passado. O homem espírita verdadeiro e esclarecido converte-se no homem da era ante-cristã, no crente simplório das velhas mitologias". (O Verbo e a Carne, página 60)

Esta é a nossa posição, apoiado nas Obras Básicas de Allan Kardec e nos estudos de seus mais fiéis seguidores, contra o roustainguismo, uma das piores deturpações do Espiritismo.

Ary Lex foi professor titular de Biologia Educacional e Biologia I da Universidade Mackenzie por 15 anos. Nessas áreas escreveu "Biologia Educacional" (com 20 edições) e "Hérnias", adotado em faculdades de medicina de todo o país. Como orador e escritor espírita foi sempre intransigente defensor dos princípios doutrinários, não se recusando às polêmicas quando se tratava de defender suas idéias de pureza da doutrina. Escreveu muitos artigos na imprensa espírita e publicou as seguintes obras: "Pureza Doutrinária", "Do sistema nervoso à mediunidade", "60 anos de Espiritismo no Estado de São Paulo" (nossa vivência), tendo ainda participado em vários boletins da AMESP.

Os Quatro Evangelhos

Por Paulo da Silva Neto Sobrinho

Recentemente acabamos de ler um livro sobre a Bíblia, especificamente, sobre o livro Êxodo, onde encontramos a afirmação de que Moisés foi posteriormente as personalidades Elias e João Batista. Até então, não tínhamos disso nenhuma informação e nem nos estudos que fizemos lembramo-nos de ter lido algo parecido. Assim, no interesse de saber a verdade, pedimos explicações ao editor, que muito gentilmente nos respondeu.

Literalmente nos disse:

“Com relação ao fato de Moisés e Elias terem aparecido no episódio da transfiguração, apesar de serem o mesmo Espírito, transcreveremos trecho da obra Os Quatro Evangelhos, editada pela Federação Espírita Brasileira, Casa-Máter do Espiritismo em nosso País, merecedora, portanto, de todo crédito”:

“Moisés, Elias e João sempre foram o mesmo Espírito reencarnado, mas não a mesma personalidade humana, a mesma individualidade terrena. Assim é que, no Tabor, quando da transfiguração de Jesus, um Espírito superior, da mesma elevação que Elias e João, tomou a figura, a aparência de Moisés. Tais substituições se dão quando necessárias — por Espíritos da mesma ordem”. (Volume 2, pág. 498).

A esse respeito, esclarece Kardec:

“À medida que os Espíritos se purificam e elevam na hierarquia, os caracteres distintivos de suas personalidades se apagam, de certo modo, na uniformidade da perfeição; nem por isso, entretanto, conservam eles menos suas individualidades. É o que se dá com os Espíritos superiores e os Espíritos puros. Nessa culminância, o nome que tiveram na Terra, em uma das mil existências corporais efêmeras por que passaram, é coisa absolutamente insignificante. (...)

O mesmo ocorre todas as vezes que um Espírito superior se comunica espontaneamente, sob o nome de uma personagem conhecida. Nada prova que seja exatamente o Espírito dessa personagem; porém, se ele nada diz que desminta o caráter desta última, há presunção de ser o próprio e, em todos os casos, se pode dizer que, se não é ele, é um Espírito do mesmo grau de elevação, ou talvez até um enviado seu.(...).

A questão da identidade é, pois, como dissemos, quase indiferente, quando se trata de instruções gerais, uma vez que os melhores Espíritos podem substituir-se mutuamente, sem maiores conseqüências.” (O Livro dos Médiuns, item 256).

Tudo leva a crer que o Editor está coberto de razão na questão, e, por sinal, fez colocações muito pertinentes baseadas no Livro dos Médiuns, sobre a hipótese do espírito Elias, na ocasião da transfiguração, ter sido substituído por outro espírito que assumiu, vamos dizer assim, a aparência dele. Mas, ao final voltaremos esse ponto para analisá-lo.

Tudo estava resolvido, mas alguma coisa nos dizia que deveríamos ver a opinião de Kardec sobre a obra de Roustaing. Pelo que deduzimos Kardec teve muito mais bom senso do que aparentemente a nossa FEB – Federação Espírita Brasileira, já que não aprovou e nem desaprovou “Os Quatros Evangelhos”, sugerindo que tudo fosse passado pelo controle universal dos Espírito, coisa que somente no futuro poderia ocorrer.

Em janeiro de 1868, observar que essa data é posterior ao lançamento da obra em questão, quando Kardec lança o livro “A Gênese”, onde podemos ver que, num certo ponto, ele defende, sem nenhuma sombra de dúvida, que Jesus teve um corpo físico comum a todos nós. No capítulo XV – Os milagres do Evangelho, encontramos o seguinte parágrafo (item 2):

“Como homem, tinha a organização dos seres carnais; mas como Espírito puro, desligado da matéria, deveria viver a vida espiritual mais do que a vida corpórea, da qual não tinha as fraquezas. A superioridade de Jesus sobre os homens não se prendia às particularidades de seu corpo, mas às de seu Espírito, que dominava a matéria de maneira absoluta, e à de seu perispírito, haurida na parte mais quintessenciada dos fluidos terrestres. (Cap. XIV, nº 9). Sua alma não devia prender-se ao corpo senão pelos laços estritamente indispensáveis; constantemente desligado, devia dar-lhe uma dupla vista não somente permanente, mas de uma penetração excepcional e bem de outro modo superior àquela que se vê entre os homens comuns. (...)” (Grifo do original)

Veja bem que, já de início, Kardec não usa de meias palavras para expor seu pensamento de que Jesus, “como homem, tinha a organização dos seres carnais”. Ora, a tese levantada por Roustaing é que Jesus possuía não um corpo carnal, mas um corpo fluídico, o que fica inevitavelmente contra o que diz o codificador do Espiritismo.

Mais à frente é que veremos Kardec detalhar melhor o seu pensamento, conforme podemos constatar quando ele diz sobre o desaparecimento do corpo de Jesus.

Coloca Kardec (item 65 em diante), e tudo nos leva a crer que, pelo teor, essa colocação tem um destinatário certo, qual seja, a obra de Roustaing:

“Segundo uma outra opinião, Jesus não teria revestido um corpo carnal, mas somente um corpo fluídico; não fora, durante a sua vida, senão uma aparição tangível, em uma palavra, uma espécie de agênere. Seu nascimento, sua morte e todos os atos materiais de sua vida, não seria senão uma aparência. Foi assim, diz-se, que seu corpo, retornado ao estado fluídico, pôde desaparecer do sepulcro, e foi com esse mesmo corpo que ele se mostrou depois de sua morte”.

“Sem dúvida, semelhante fato não é radicalmente impossível, segundo o que se sabe hoje sobre as propriedades dos fluidos; mas seria ao menos inteiramente excepcional e em oposição formal ao caráter dos agêneres. (Cap. XIV, nº 36). A questão é, pois, saber se uma tal hipótese é admissível, se é confirmada ou contradita pelos fatos.

“A permanência de Jesus sobre a Terra apresenta dois períodos: a que a precede e aquela que se segue à sua morte. Na primeira, desde o momento da concepção até o nascimento, tudo se passa, na mãe, como nas condições comuns da vida[1]. Desde o seu nascimento até a morte, tudo, em seus atos, em sua linguagem e nas diversas circunstâncias de sua vida, apresenta os caracteres inequívocos da corporeidade. Os fenômenos de ordem física que se produzem nele são acidentais, e nada têm de anormal, uma vez que se explicam pelas propriedades do perispírito, e se encontram em diferentes graus entre alguns indivíduos. Depois de sua morte, ao contrário, tudo nele revela o ser fluídico. A diferença entre os dois estados é de tal modo marcante que não é possível assimilá-los”.

“O corpo carnal tem as propriedades inerente à matéria propriamente dita, e que diferem essencialmente daquelas dos fluidos etéreos; a desorganização nela se opera pela ruptura da coesão molecular. Um instrumento cortante, penetrando no corpo material, divide-lhe os tecidos; se os órgãos essenciais à vida são atacados, seu funcionamento se detém, e a morte se segue, quer dizer, a morte do corpo. Essa coesão não existe nos corpos fluídicos, a vida não repousa mais sobre o funcionamento de órgãos especais, e neles não podem se produzir desordens análogas; um instrumento cortante, ou qualquer outro, aí penetra como num vapor, sem lhe ocasionar nenhuma lesão. Eis porque essas espécies de corpos não podem morrer, e porque os seres fluídicos designados sob o nome de agêneres não podem ser mortos”.

“Depois do suplício de Jesus, seu corpo ali, inerte e sem vida, foi enterrado como os corpos comuns, e cada um podia vê-lo e tocá-lo. Depois de sua ressurreição, quando quer deixar a Terra, não morre mais; seu corpo se eleva, se desvanece e desaparece, sem deixar nenhum traço, prova evidente de que o seu corpo era de outra natureza daquele que pereceu sobre a cruz; de onde é preciso concluir que se Jesus pôde morrer, foi porque tinha um corpo carnal”.

“Em conseqüência de suas propriedades materiais, o corpo carnal é a sede das sensações e das dores físicas que repercutem no centro sensitivo ou Espírito. Não é o corpo que sofre, é o Espírito que recebe o contragolpe das lesões ou alterações dos tecidos orgânicos. Num corpo privado do Espírito, a sensação é absolutamente nula; pela mesma razão, o Espírito, que não tem corpo material, não pode sentir os sofrimentos que são o resultado da alteração da matéria, de onde é igualmente necessário concluir que se Jesus sofreu materialmente, como disso não se poderia duvidar, foi porque tinha um corpo material, de uma natureza semelhante àqueles de todo o mundo”.

Continua, Kardec:

“Aos fatos materiais vêm se acrescentar considerações morais poderosíssimas”.

“Se Jesus estivesse, durante a sua vida, nas condições de seres fluídicos, não teria sentido nem a dor, nem nenhuma das necessidades do corpo; supor que assim não haja sido, é tirar-lhe todo o mérito da vida de privações e de sofrimentos que escolheu como exemplo de resignação. Se tudo nele não era senão aparência, todos os atos de sua vida, o anúncio reiterado de sua morte, a cena dolorosa do jardim das Oliveiras, sua prece a Deus para afastar o cálice de seus lábios, sua paixão, sua agonia, tudo, até a sua última exclamação no momento de entregar o seu Espírito, não teria sido senão um vão simulacro, para enganar sobre a sua natureza e fazer crer num sacrifício ilusório de sua vida, uma comédia indigna de um simples homem honesto, com mais forte razão de um ser tão superior; em uma palavra, ele teria abusado da boa-fé dos seus contemporâneos e posteridade. Tais são as conseqüências lógicas desse sistema, conseqüências que não são admissíveis, porque o abaixam moralmente, em lugar de elevá-lo”.

E arremata categórico:

“Jesus teve, pois, como todos, um corpo carnal e um corpo fluídico, o que atestam os fenômenos materiais e os fenômenos psíquicos que assinalaram a sua vida”.

Não dá, pois para conciliar a obra “Os Quatro Evangelhos” de Roustaing, com o que Kardec desenvolve na codificação da Doutrina Espírita. E chamamos a atenção para o fato que o Livro “A Gênese”, ter sido lançado depois da obra de Roustaing.

Entretanto, talvez a maioria dos espíritas nem saibam, mas Kardec fez uma análise dessa obra. Vamos encontrá-la na Revista Espírita, Jornal de Estudos Psicológicos, relativa ao mês de junho de 1866, que vale a pena colocarmos neste estudo, para que tenhamos um esclarecimento mais aprofundado do assunto.

Passaremos, então, a palavra a Kardec, no texto intitulado “Os Evangelhos Explicados” – Pelo Sr. Roustaing[2], onde ele comenta, ao que tudo indica, os recém lançados livros:

“Esta obra compreende a explicação e a interpretação dos Evangelhos, artigo por artigo, com ajuda de comunicações ditadas pelos Espíritos. É um trabalho considerado, e que tem, para os Espíritas, o mérito de não estar, sobre nenhum ponto, em contradição com a doutrina ensinada por O Livro dos Espíritos e o dos Médiuns. As partes correspondentes àquelas que tratamos em O Evangelho Segundo o Espiritismo o são num sentido análogo. De resto, como nos limitamos às máximas morais que, quase sem exceção, são geralmente claras, elas não poderiam ser interpretadas de diversas maneiras; também foram o assunto de controvérsias religiosas. Foi por esta razão que começamos por ali a fim de ser aceito sem contestação, esperando para o resto que a opinião geral estivesse mais familiarizada com a idéia espírita”.

“O autor desta nova obra acreditou dever seguir um outro caminho; em lugar de proceder por graduação, quis alcançar o objetivo de um golpe. Tratou, por certas questões que não julgamos oportuno abordar ainda, e das quais, conseqüentemente, lhe deixamos a responsabilidade, assim como aos Espíritos que os comentaram. Conseqüente com o nosso princípio, que consiste em regular a nossa caminhada sobre o desenvolvimento da opinião, não daremos, até nova ordem, às suas teorias, nem aprovação, nem desaprovação, deixando ao tempo o cuidado de sancioná-las ou de contradizê-las. Convém, pois, considerar essas explicações como opiniões pessoais aos Espíritos que as formularam, opiniões que podem ser justas ou falsas, e que, em todos os casos, têm necessidade da sanção do controle universal, e até mais ampla confirmação não poderiam ser consideradas como partes integrantes da Doutrina Espírita”.

“Quando tratarmos essas questões, o faremos sem cerimônia; mas é que, então, teremos recolhido os documentos bastante numerosos, nos ensinos dados de todos os lados pelos Espíritos, para poder falar afirmativamente e ter a certeza de estar de acordo com a maioria; é assim que fazemos todas as vezes que se trata de formular um princípio capital. Nós os dissemos cem vezes, para nós a opinião de um Espírito, qualquer que seja o nome que traga, não tem senão o valor de uma opinião individual; nosso critério está na concordância universal, corroborada por uma rigorosa lógica, para as coisas que não podemos controlar por nossos próprios olhos. De que nos serviria dar prematuramente uma doutrina como uma verdade absoluta, se, mais tarde, ela devesse ser combatida pela generalidade dos Espíritos?”.

“Dissemos que o livro do Sr. Roustaing não se afasta dos princípios de O Livro dos Espíritos e o dos Médiuns; nossas observações levam, pois, sobre aplicação desses mesmos princípios à interpretação de certos fatos. É assim, por exemplo, que dá ao Cristo, em lugar de um corpo carnal, um corpo fluídico concretizado, tendo todas as aparências da materialidade, e dele faz uma agênere. Aos olhos dos homens que não teriam podido compreender, então, sua natureza espiritual, teve que passar EM APARÊNCIA, essa palavra é incessantemente repetida em todo o curso da obra, para todas as vicissitudes da Humanidade. Assim se explicaria o mistério de seu nascimento: Maria não teria tido senão as aparências da gravidez. Este ponto, colocado por premissa e pedra angular, é a base sobre a qual se apóia para explicação de todos os fatos extraordinários ou miraculosos da vida de Jesus”.

“Sem dúvida, não há aí nada de materialmente impossível para quem conhece as propriedades do envoltório perispiritual; sem nos pronunciar pró ou contra essa teoria diremos que ela é ao menos hipotética, e que, se um dia ela fosse reconhecida errada, a base sendo falsa, o edifício desmoronaria. Esperamos, pois os numerosos comentários que ela não deixará de provocar da parte dos Espíritos, e que contribuirão para elucidar a questão. Sem prejulgá-la, diremos que já foram feitas objeções sérias a essa teoria, e que, na nossa opinião, os fatos podem perfeitamente se explicar sem sair das condições da Humanidade corpórea”.

“Estas observações, subordinadas à sanção do futuro, não diminui nada a importância dessa obra que, ao lado das coisas duvidosas do nosso ponto de vista, delas encerra, incontestavelmente, boas e verdadeiras, e será consultada proveitosamente pelos Espíritas sérios”.

“Se o fundo de um livro é o principal, a forma não é de se desdenhar, e entra também por alguma coisa no sucesso. Achamos que certas partes são desenvolvidas muito longamente, sem proveito para a clareza. Na nossa opinião, se, limitando-se ao estrito necessário, ter-se-ia podido reduzir a obra em dois, ou mesmo em um único volume, teria ganhado em popularidade”. (os grifos em negrito são nossos).

Podemos muito bem perceber que Kardec, embora não condene de todo a obra, deixa aberto para o futuro o julgamento. Mas, quanto à questão do corpo fluídico, não deixa de dar sua opinião de que não sanciona essa hipótese. Não deixa também de falar que falta clareza e objetividade a essa obra.

Diz, de forma bastante clara, que a obra de Roustaing, por falta de uma confirmação mais ampla, não poderia ser considerada como parte integrante da Doutrina Espírita.

Pensamos que somente pelo fato da FEB ter editado “Os Quatro Evangelhos” não quer necessariamente dizer que ela concorde com tudo que contém nesta obra, até mesmo porque estaria contradizendo Kardec, e, bem sabemos, que os órgãos do movimento Espírita devem estar, acima de tudo, sintonizados com o pensamento do codificador. Nós particularmente entendemos que a FEB não está fazendo nada mais que seguindo a recomendação bíblica: “Examinai tudo, retende o que é bom”.

Entretanto, se não houver um esclarecimento mais objetivo a respeito disso, é bem provável que muitos irão pensar que a FEB está assinando embaixo do que consta nessa obra. Assim, passamos a palavra a FEB, para que se pronuncie a respeito e esclareça qual é realmente a sua posição ante “Os Quatros Evangelhos”, para que não levem as pessoas a pensarem erroneamente a respeito do que ela advoga.

Mas, voltando ao nosso assunto inicial sobre Moisés ter sido Elias e posteriormente João Batista, como ainda não houve o “controle universal”, proposto por Kardec, e por não poder ser considerado parte integrante da Doutrina Espírita, preferimos ficar somente com o fato de João Batista ter sido Elias em nova encarnação, já que além de ser uma afirmativa de Jesus também foi dita por vários outros Espíritos.

Agora, vamos analisar a questão da aparição de Moisés e Elias a Jesus, no monte Tabor. Na narrativa de Mateus (17, 1-9) está dito que eles conversavam com Jesus, e Lucas (9, 28-36), detalha dizendo que o assunto era sobre a partida de Jesus que ia se realizar em Jerusalém. Colocando tudo isso sob um raciocínio lógico e, no pressuposto de que um desses espíritos esteja substituindo um outro, realmente não compreendemos, pois segundo está sendo dito Moisés e Elias são a mesma individualidade, então qual a razão de um espírito aparecer junto com outro que lhe toma a aparência, já que, no fundo, ambas aparições estão a representar uma mesma pessoa? Se eles fossem realmente um, deveria haver somente uma aparição, uma vez que o próprio interessando já estava pessoalmente lá.

E mais, não há como afastarmos, nem um milímetro, do pensamento de Kardec, quando ele diz: “para nós a opinião de um Espírito, qualquer que seja o nome que traga, não tem senão o valor de uma opinião individual; nosso critério está na concordância universal, corroborada por uma rigorosa lógica”, isso nos aplicamos para qualquer Espiritista ou entidade representativa do Movimento Espírita.

Agosto/2002.

Bibliografia
A Gênese, Allan Kardec, IDE, Araras, SP, 4ª edição, 1993.
Revista Espírita, tomo IX, Allan Kardec, IDE, Araras, SP, 1ª edição, 1993.

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[1] Não falamos do mistério da encarnação, do qual não temos que nos ocupar aqui, e que será examinado ulteriormente.

[2] Os quatro Evangelhos, seguidos dos mandamentos explicados em espírito e verdade pelos evangelistas assistidos pelos apóstolos. Recolhidos e colocados em ordem por J.B.Roustaing, advogado da corte imperial de Bordeaux, antigo chefe da ordem dos advogados – 3 vol. In-12 – Preço 10 fr. 50. Paris, Livraria Central, 24, bulevarde dos Italianos – Bordeaux, todas as livrarias.

Paulo da Silva Neto Sobrinho, é natural de Guanhães, MG; formado em Ciências Contábeis e Administração de Empresas pela Universidade Católica (PUC-MG); aposentou-se como Fiscal de Tributos pela Secretaria de Estado da Fazenda de Minas Gerais; freqüenta o movimento Espírita desde Julho/87; em Casas Espíritas exerceu as funções de Presidente, Coordenador de Reunião de Desobsessão e Coordenador de Reunião de Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita; tem artigos publicados no Jornal Espírita e O Semeador da FEESP. Sites Espíritas na Internet também publicaram alguns textos; autor do livro A Bíblia à Moda da Casa, atualmente freqüenta a Fraternidade Espírita Fabiano de Cristo, em Guanhães.

As Equipes Mediúnicas

Por José Ferraz

As atividades das equipes mediúnicas nos Centros espíritas são de fundamental importância para o tratamento de problemas psíquicos, desenvolvimento da mediunidade e desobsessão dos seus integrantes com uma perspectiva para o atendimento aos Espíritos sofredores e perturbadores que renteiam na esfera de ação dos encarnados.

Todas as Casas espíritas precisam destas atividades para manterem, inclusive, a coesão de pensamento nos ideais de enobrecimento das criaturas humanas, que se propõem a trabalhar pela causa do amor ao próximo e sofrem investidas de entidades malévolas, empenhadas em criar desentendimentos e dissensões entre as hostes espíritas.

Por esta razão, o bom senso demonstra que a prioridade na escolha dos componentes das equipes mediúnicas, de qualquer instituição espírita, deve recair sobre aqueles que fazem parte da Casa, em todos os setores, presumindo-se que possuam conhecimento doutrinário razoável, vida moral regular, e estejam incorporados às tarefas de promoção humana que a Casa realiza.

Sem convites precipitados, os dirigentes dos Centros espíritas aguardam as solicitações dos freqüentadores das reuniões doutrinárias, para se incorporarem às equipes das sessões mediúnicas, analisando cada caso cuidadosamente, com base nas diretrizes traçadas por Allan Kardec em O Livro dos Médiuns, antes de conceder a necessária permissão para trabalhar.

O dirigente encarnado de cada equipe deve ser um elemento que esteja ligado à diretoria ou faça parte da mesma, devendo preencher os mínimos requisitos para o desempenho da tarefa, notadamente o conhecimento teórico sobre a mediunidade, traços de liderança, e ascendência moral na convivência com encarnados e desencarnados.

No seu impedimento, não havendo substituto devidamente credenciado pelo titular, não é recomendável que se processe a parte prática das sessões.

Nesses casos as leituras preparatórias serão realizadas normalmente, com posterior conversação edificante sobre as questões lidas, finalizando-se as sessões com vibrações salutares e prece de encerramento.

No transcorrer destas atividades, os Instrutores Espirituais farão o atendimento aos Espíritos sofredores, programados, no campo de sua atuação, com os recursos energéticos simultâneos, do mundo físico e extra-físico.

Na hipótese de ser um grupo iniciante, sem médiuns atuantes, as reuniões devem tomar um caráter de estudo sistemático da doutrina, com leituras diversificadas das obras básicas e clássicas do Espiritismo, desdobradas através de comentários objetivos e resumidos, devendo-se evitar a dinâmica das palestras discursivas próprias das reuniões doutrinárias ou as polêmicas apaixonadas.

No final destas sessões de estudos reservam-se alguns minutos para a aclimatação daqueles possuidores da faculdade em afloramento, através de uma convivência mais estreita com os Espíritos sofredores trazidos pelos Instrutores Espirituais, para o atendimento de enfermagem espiritual.

Sobre o número máximo de pessoas que devem compor a equipe mediúnica há variadas opiniões.Na literatura mediúnica consta quinze elementos, todavia caberá ao dirigente encarnado dimensionar a quantidade ideal para a formação de um grupo bem afinado.

Seria conveniente adotarem-se algumas normas disciplinares para o bom andamento dos trabalhos de intercâmbio espiritual, dando-se conhecimento antecipado aos integrantes das equipes.

Aliás, os Instrutores Espirituais recomendam a todos os freqüentadores das reuniões mediúnicas manterem as seguintes normativas: freqüência regular, tanto as reuniões mediúnicas quanto doutrinárias, faltando somente por razões graves; três faltas consecutivas sem justa causa são motivo para o afastar o freqüentador temporariamente, ficando submetido a um novo pedido de permissão para voltar a se integrar na equipe;não deve ser permitido o ingresso na sala mediúnica de nenhum dos participantes, depois de iniciada a parte prática; a duração dos trabalhos não deve ultrapassar noventa minutos, incluída a parte preparatória;evitar a todo custo conversações vulgares ou rotineiras no ambiente mediúnico, antes ou depois das atividades.

Importante frisar que o êxito das atividades com o mundo espiritual vai depender exclusivamente da postura pessoal dos seus integrantes.Devem, portanto, fazer uma preparação individual antecipada, principalmente no campo mental, não excluindo a necessidade de um repouso físico para relaxar as tensões físicas e psicológicas, oriundas das atividades cotidianas.

Fonte: Revista "Presença Espírita", março/abril de 1990.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

O Mercado Abriu-se ao Espiritismo. E Agora?


Por José Rodrigues

Está em curso uma autêntica revolução midiática com base na temática espírita no Brasil. Tudo se passa como se o espiritismo, acuado desde, entre outros, uma pastoral do cardeal-arcebispo de Reims, na França, na Quaresma de 1865, saísse da sombra para a luz e ganhasse os direitos de cidadania. Por esses grotões do interior, onde a Igreja dominava com suas paróquias, mediuns foram discriminados, quando não presos, a fenomenologia espírita, que continha uma filosofia transformadora, custou a vencer, desde preconceitos a interesses, de pessoas e instituições estabelecidas.

Há uma dinâmica social e antropológica em torno do tema, cuja decifração, se esta for possível, é exigente de descompromissos com velhas estruturas, uma delas, a unificação, posta como ideal a ser atingido pelo que chamo de movimento organizado do espiritismo. A tese espírita se esparrama pela sociedade, com a abertura de inúmeros núcleos de estudos, pela aceitação geral de novelas, peças teatrais, programas radiofônicos, de TV e sítios da Internet, paulatina e progressivamente em direção a um estágio de cultura. O ímpeto é incontrolável, graças a pioneiros que sustentaram a idéia em tempos de cerceamento e às conquistas da própria sociedade, em termos de liberdades democráticas, de livre expressão, de reunião, de respeito a minorias e à diversidade.

Como ex-livreiro espírita, das décadas de 1960 a 1980, bem sei do que estou tratando. A venda de livros do ramo praticamente era feita apenas em ambientes próprios, em bancas nas praças públicas, das quais Santos foi das pioneiras, em 1957, nos centros espíritas e em reduzidas lojas, localizadas em grandes centros urbanos. Para se colocar um livro espírita em livraria comercial e eclética era um custo. Quando muito, ia em consignação. “Passa daqui a um mês para ver o que se vendeu”, dizia o comerciante.

Os tempos mudaram. Mas nem tudo são rosas. Ao atingir o grau de aceitação pública, a literatura espírita adentra o terreno do mercado, com todas as suas benesses e perigos. Vamos dizer que o mercado é uma eleição. Para se chegar a ele, enquanto nível aberto de trocas, há necessidade de perseverança, muito trabalho e uma certa dose de aceitação. Estima-se que sejam vendidos atualmente no Brasil, pelo menos, oito milhões de livros espíritas por ano, para um mercado que estaria em torno de 30 milhões de pessoas, os chamados simpatizantes da idéia. A mídia entorta um pouco esse conceito, chamando-o de ‘seguidores’, apegada ao entendimento do espiritismo como religião. Seja como for, esse é o tamanho do mercado a que se lançam cerca de 180 editoras, chamadas de espíritas, no país. Nesse meio há de tudo, de idealistas e de bem intencionados a espertos, de crentes a ambiciosos, que não se importam com qualidade doutrinária e mesmo com um pouco de honestidade. No mesmo sentido aparecem supostos médiuns que trabalham temas os mais comuns, sem qualquer valorização à altura do aspecto da imortalidade, para simplesmente vender. Prestam um desserviço ao que há de mais importante no espiritismo, a comprovação da vida futura.

O desafio dos idealistas, em torno do pensamento de Allan Kardec, está em desenvolvê-lo na sua expressão mais legítima, progressista e humana, livre dos interesses pessoais e de poder. Não haverá espiritismo onde inexista a transformação para melhor de todas as manifestações humanas. O mercado não tem princípios filosóficos, pois se torna um fim em si mesmo, o do crescimento a qualquer custo. E os apelos à acomodação são maiores que os da transformação. Nessa diretriz, antepõe-se a dúvida sobre até que ponto esse mesmo mercado que inunda o país da temática espírita também colabora para sua dissolução. O chamado espiritismo à brasileira tem obtido um espaço crescente, típico de um estado liberalizante da idéia original, cuja avaliação positiva ou negativa dependerá de resultados humanos e sociais. Afinal, o que resultará para a sociedade desse amálgama? Não arrisco a resposta, pela vivência a que assisto da dinâmica social, não raro surpreso com os princípios hoje defendidos pelos ‘verdes’, pelos adesos às teses da cidadania, por organismos reunidos em torno da ética, inclusive nos negócios. Estariam aí frutificações de sementes espalhadas pelo espiritismo? Estou convicto de que sim.

Em razão disso, acredito que aos idealistas não cabe o “olhar para trás”, mas seguir em frente, para que o mercado, se preciso, seja contrariado, confrontado e até desmascarado, sempre que uma tese original sofra ameaças de distorção. O empenho de Allan Kardec para legar uma filosofia transformadora do homem está a merecer.

José Rodrigues, jornalista e economista, integra o Centro Espírita Allan Kardec, de Santos

Publicado no jornal “Abertura”, de Santos (SP), edição de outubro de 2007.

BIOGRAFIA - Manuel S. Porteiro, um Espírita Completo

Por Jon Aizpúrua

A história do movimento espírita está ainda por ser escrita de um modo integral e objetivo, e em correspondência com os critérios que modernamente definem a sistematização historiográfica.

As carências e deficiências se apresentam, em vários aspectos fundamentais: vazios na informação, extravio de documentos e pouco interesse em sua conservação e catalogação; escassa presença de profissionais de história no meio espírita. E, adicionalmente, algo que consideramos pernicioso, a contaminação da informação histórica por parte de adeptos exaltados, que adotam uma atitude maniqueísta quando escrevem sobre certos personagens do Espiritismo, seja cantando-lhes panegíricos e loas exageradas a seus preferidos, colocando-os em pedestais quase sobre-humanos ou, ao contrário, negando todo o mérito a quem poderiam representar opiniões diferentes das que eles adotam. Havendo perdido toda a objetividade, escrevem a história não como ela é, mas como gostariam de fosse. O próprio Kardec e outras figuras fundamentais do pensamento espírita têm sofrido numerosas distorções, que é necessário ir corrigindo.

Dizemos isso a propósito do personagem do qual nos ocupamos agora e que, com toda justiça, o jornal Abertura selecionou entre os 20 pensadores espíritas de maior relevância no seculo 20, nosso querido e admirado Manuel Porteiro. Que, não apenas batalhou a favor de uma visão livre pensadora, progressista e humanista da doutrina kardecista, como também enfrentou as desqualificações que lançaram a seu tempo os setores místicos e conservadores do Espiritismo na Argentina, seu país natal. Acusaram-no de “comunista”, “ateu”, "anti-religioso” e outros adjetivos. E, após sua desencarnação, a estratégia desses setores mudou de rumo e decidiram estender um manto de silêncio sobre seu nome, sobre sua vida e seu pensamento. Chegou-se a proibir “fraternalmente”, a leitura de seus livros.

Quando nos dispusemos a escrever um livro para recuperar sua memória histórica, conferir os dados básicos de sua trajetória vital, e dar a conhecer seu pensamento às novas gerações espíritas, tropeçamos com essa muralha de silêncio que se ergueu sobre sua vida e sua obra. Felizmente, pudemos fazê-lo e nossa obra O Pensamento Vivo de Porteiro se encontra em suas edições em espanhol e em português, à disposição dos leitores que não se atemorizam ante os anátemas e as proibições inquisitoriais de algumas federações.

Porteiro foi um espírita completo.

Humilde trabalhador manual, amoroso pai de família, autodidata que adquiriu com esforço e imensos sacrifícios uma extraordinária formação intelectual, até chegar a dominar amplos espaços no mundo da cultura, da sociologia, da filosofia e, naturalmente, da Doutrina Espírita.

Nasceu em Avellaneda , província de Buenos Aires, em 25 de março de 1881 e desencarnou, ali mesmo, em 18 de fevereiro de 1936. Em 1910 começou sua participações ativa no movimento espírita, vinculando-se desde esse momento à Confederação Espírita Argentina (CEA) na qual foi desempenhando diversos cargos, até chegar a ser seu presidente, no período de abril de 1934 a março de 1935. Dirigiu durante vários anos seu órgão oficial, a revista La Idea, na qual escreveu numerosos editoriais e artigos sobre os mais variados temas, sempre sob a ótica espírita.

Nesse época, sob a segura direção de Porteiro, a CEA e La Idea, constituiram a vanguarda progressista do Espiritismo na América e no mundo. A partir daí, Porteiro e seu grupo de abnegados trabalhadores espíritas, como Hugo Lino Nale, Bernabé Morera, Ageo Culzoni, Luis Postiglioni e os jovens Santiago Bossero e Humberto Mariotti escreviam com paixão, viajavam incessantemente por todo o país, dirigindo cursos de formação espírita e fomentavam as relações com o movimento espírita internacional.

O meridiano principal do mundo espírita progressista passava obrigatoriamente, naquela época, pela Argentina e Porteiro era seu referencial fundamental.

Eram essas as linhas básicas de seu pensamento e sobre elas girava todo o seu esforço: sustentar a visão integral do Espiritismo como filosofia científica com profundas conseqüências morais e sociais; rechaçar a definição do Espiritismo como religião ou como uma nova variante do cristianismo; colocar a necessidade do estudo da doutrina como base para criar a convicção espírita, começando com as obras de Kardec, como base pedagógica; subordinar a mediunidade ao enfoque espírita para fazê-la racional, útil e orientadora; estimular a investigação experimental no campo dos fenômenos mediúnicos e paranormais; enfrentar as superstições e sincretismos que se mimetizam ou disfarçam com os rótulos espíritas; relacionar o movimento espírita nacional e internacional com as lutas pela paz mundial, contra a discriminação de qualquer classe, com as campanhas alfabetizadoras e com todo o esforço que tenda à construção de uma sociedade mais justa, livre, igualitária e fraterna.

Esplêndidas diretrizes que, em si mesmas, representam autênticos programas para desenvolver um Espiritismo dinâmico, culto, livre, aberto, adogmático, racionalista, laico, universalista, fraterno, solidário e amoroso.

Para expô-las e defendê-las, viajou Porteiro, em companhia de Mariotti, para participar do V Congresso Espirita Internacional, realizado em Barcelona, Espanha, em outubro de 1934. Nesse cenário, onde conviviam e divergiam as correntes latina e saxônica do Espiritismo, brilhou o talento de Porteiro e a profundidade de sua formação doutrinária se fez sentir em diversas exposições e conferencias públicas, que inspiraram respeito e fizeram-no credor do um amplo reconhecimento, como um dos líderes espíritas de maior prestígio da época.

Um elemento principal de seu pensamento e que constitui uma de suas contribuições mais originais, é a aplicação do método dialético na interpretação espírita do homem, da vida e do Universo. Ninguém antes dele e ninguém melhor do que ele até agora, soube empregar o sistema dialético para sustentar a concepção espiritualista e ao mesmo tempo demonstrar que, apesar do que se aceita tradicionalmente, as doutrinas materialistas que se apresentam a si mesmas como as donas da dialética, são em sua essência, profundamente anti-dialéticas.

Nessa mesma direção e ratificação da originalidade de suas idéias, Porteiro mostrou-se um firme partidário de uma sociologia espírita, que se traduzisse numa proposta concreta, na qual o Espiritismo e o Socialismo se conjugavam para impulsionar a construção de uma sociedade de maior evolução material e espiritual. Por ora, pela brevidade que impõe este artigo, basta dizer que Porteiro, já em seu tempo, criticou fortemente as tendências autoritárias, burocráticas, estatizantes, materialistas do socialismo marxista e se manifestou por um socialismo democrático, humanista, respeitoso das liberdades públicas e individuais, baseado sobre valores ideológicos espiritualistas e concretamente, espírita, como haviam assumido ilustres personalidades do kardecismo como Léon Denis e Cosme Mariño.

Em seus três livros publicados Espiritismo Dialético, Conceito Espírita da Sociologia e Origem das Idéias Morais, assim como em centenas de artigos que estão espalhados pela imprensa espírita de seu tempo, se encontram magistralmente desenvolvidas todas suas idéias que foram, são e continuarão sendo, potentes focos de luz que orientam a todo aquele que, havendo conhecido os princípios cardeais do Espiritismo, deseje aprofundar-se em sua conseqüências morais e sociais e queira transitar, sem desvios, por seus autênticos caminhos.

Sem dúvida alguma Porteiro está na galeria dos grandes do Espiritismo e muitos nos honra haver contribuído em algo, a resgatar sua memória e a exaltar o imenso valor de sua contribuição à doutrina que tanto amou e ao movimento a que tanto serviu.

Jon Aizpurua é psicólogo, economista, professor da Universidade Central da Venezuela, foi presidente da Confederacão Espírita Panamericana e autor do livro “O Pensamento Vivo de Porteiro”.

Este artigo foi originalmente publicado no jornal de cultura espírita Abertura em maio de 2000.