sexta-feira, 20 de julho de 2012

As lições de Kardec ao crítico

15:11 Posted by Fabiano Vidal No comments
Por Maria das Graças Cabral

Quando Kardec escreveu e publicou o livro “O que é o Espiritismo” em 1859, tinha como proposta apresentar “num rápido esboço“, o esclarecimento de questões fundamentais, que constantemente vinham à baila. Diante do objetivo proposto para obra, J. Herculano Pires esclarece que Kardec aplica na sua execução o seu “agudo senso de professor formado na escola pestaloziana e orientado pela disciplina e o rigor lógico do pensamento francês”. Com essa formação e estilo, imprimiu a forma decisiva e disciplinada no campo do conhecimento espírita.

A organização do livro se fez da seguinte forma: o primeiro capítulo sob a forma de diálogos, onde Kardec responde às objeções mais comuns da parte dos que desconhecem os princípios fundamentais da doutrina espírita, bem como a refutação dos principais argumentos de seus contraditores; o segundo capítulo apresenta um resumo do Livro dos Médiuns, esclarecendo falsas idéias que se formam em razão do desconhecimento; e o terceiro e último capítulo que traz um resumo do Livro dos Espíritos. O presente texto se deterá apenas ao diálogo travado entre Allan Kardec e o Crítico.

Inicialmente, faz-se por oportuno ressaltar o comportamento prepotente do visitante (crítico), que procurava Kardec objetivando que este o convencesse da realidade dos fenômenos mediúnicos, posto que na sua convicção tudo não passava de pura imaginação, e/ou trapaça.

O crítico acreditava que sua opinião era de grande relevância para o espiritismo. Informava estar escrevendo um livro que segundo sua opinião, ao ser publicado poderia destruir de vez a doutrina espírita. Tal fato poderia ser evitado, caso o interlocutor fosse convencido por Kardec da veracidade dos fenômenos mediúnicos. No caso, sua opinião levaria respeito e credibilidade à doutrina.

Na realidade, queria ser convencido! Considerava-se uma pessoa importante, tendo sua opinião um grande peso para o público, e caberia a Kardec permitindo a sua participação em uma ou duas reuniões experimentais na Sociedade de Paris, fazer com que viesse a mudar de opinião.

Oportuno conferir as palavras iniciais do visitante, quando se reporta ao mestre da seguinte forma: - “Digo-lhe, senhor, que minha razão se recusa a admitir a realidade dos fenômenos extraordinários atribuídos aos Espíritos que, estou persuadido, existem apenas na imaginação. Entretanto, temos que nos inclinar ante a evidência; e isso eu faria se tivesse provas incontestáveis. Venho, pois, solicitar de sua bondade a permissão para assistir, não desejando tornar-se indiscreto, pelo menos a uma ou duas experiências que me convencessem, se isso for possível.”

Vale observar que o crítico alegava que sua razão não admitia a realidade dos fenômenos, levando-o a crer que não passavam de fatos imaginários. Não obstante, se houvessem provas incontestáveis, ele se curvaria às evidências. Insistia que para isso, seria suficiente assistir a uma ou duas sessões experimentais...

Allan Kardec se depara no caso em tela, com uma personalidade prepotente e totalmente ignorante dos princípios espíritas, que se arvorava de crítico do espiritismo! Diante do arrogante interlocutor, o Codificador dá uma lição de equilíbrio emocional, educação, rigor e clareza nas respostas.

Kardec começa argumentando que se a “razão” do crítico se recusa a admitir fatos considerados pelos espíritas como irrecusáveis, é porque tem a sua razão em alta conta, se sobrepondo às convicções de todas as outras pessoas que pensam de forma diferente. Diante de tal fato, não caberia, portanto mais nenhum tipo de diálogo.

Entretanto, o interlocutor propõe que o Mestre procure convencê-lo, posto que, na condição de conhecido antagonista de Kardec, o seu convencimento “constituiria um milagre favorabilíssimo” à causa espírita.

A argumentação do Codificador passa primeiramente pela “desconstrução” do que o oponente considera como um “milagre” favorável à causa espírita. Assevera ao interlocutor que, não seriam apenas uma ou duas sessões suficientes para que este tivesse o real conhecimento do fenômeno mediúnico. Além do que, as reuniões experimentais que organizava, não objetivavam satisfazer a curiosidade, nem muito menos forçar o convencimento de ninguém. Acrescenta que, em relação aos antagonistas com convicções arraigadas, não daria “um passo para desviá-los”, pois não tinha o menor interesse em fazer prosélitos.

Kardec, de forma clara e direta diz ao crítico que aprendeu com o Espiritismo a “dar pouco valor às mesquinhas suscetibilidades do amor próprio,”, pois “aprendeu a não se ofender com palavras“. Caso as palavras do interlocutor viessem a ultrapassar os limites da cortesia e decência, concluiria apenas que este não passava de um homem mal educado, preferindo não partilhar dos defeitos alheios. (O que é o Espiritismo - Cap. I, pag. 14)

Depois de deixar claro que não teria o menor interesse em convencer o visitante, o Mestre adverte-o que caso tivesse a pretensão de se colocar na condição de crítico do espiritismo, deveria antes de mais nada, tornar-se um profundo conhecedor deste. O Codificador preceitua que o crítico não pode limitar-se a dizer que determinada coisa é boa ou má. A condição sine qua non que justificaria e daria credibilidade à sua opinião, passaria pelo estudo profundo da matéria, que o levaria ao conhecimento dos princípios doutrinários objeto da critica.

Pretendendo firmar seu posicionamento, indaga ao interlocutor, como poderia este criticar os fenômenos espíritas, se desconhecia os postulados que os justificavam e serviam de esteio? Acrescenta que “cada qual é perfeitamente livre de aprovar ou desaprovar os princípios do Espiritismo, de deduzir deles as conseqüências boas ou más que lhe aprouverem. Mas a consciência impõe um dever a todo crítico honesto: o dever de não dizer o contrário daquilo que realmente é. Ora, para isso, a primeira condição é calar sobre o que ignora.” (O que é o Espiritismo - Cap. I, pag. 19)

Adiante surge outra questão relevante no diálogo, quando o crítico se diz persuadido de que os fenômenos das mesas girantes, as pancadas, psicografias, não passavam de embuste. Kardec indaga de pronto, quanto este pagou para apreciar o espetáculo. Responde-lhe o interlocutor que nada foi cobrado por parte dos charlatães.

O Mestre refuta mais uma vez o equívoco do visitante, chamando-lhe a atenção para o fato de que nunca tinha visto charlatães desinteressados, esclarecendo-o que mesmo que haja “uma manobra fraudulenta positivamente constatada, o fato nada prova contra a realidade do princípio. Basta levar-se em conta que tudo é passível de abuso.” (O que é o Espiritismo - Cap. I, pag. 18) Ou seja, não se pode generalizar que em todos os fenômenos haja fraude. Que todos os médiuns sejam charlatães, movidos pelo simples prazer de vivenciar o embuste e que, por conseguinte não existiriam fenômenos mediúnicos, sendo tudo mera armação!

Kardec mais uma vez de forma direta e educada, esclarece ao interlocutor que trata de forma diferenciada o incrédulo por ignorância do incrédulo sistemático, pois sempre que percebia as “disposições favoráveis” de alguém, tinha prazer em esclarecê-lo. Não obstante, não perderia seu tempo com aqueles que apresentassem apenas a falsa aparência do desejo de aprender.

Orienta o crítico a instruir-se primeiramente pela teoria, e preceitua: “Leia as obras que tratam da ciência e medite. Nelas encontrará os princípios fundamentais, a descrição de todos os fenômenos.”

Diante do exposto, podemos constatar que Kardec não se preocupava em firmar convencimento de quem não estava intimamente interessado em compreender os preceitos espíritas. O Codificador não tinha o menor interesse de alimentar a curiosidade de ninguém, nem de fazer prosélitos. Também não temia a crítica dos antagonistas, pois confiava na força da Doutrina dos Espíritos.

Em várias oportunidades o Mestre foi categórico na necessidade do estudo sério dos preceitos espíritas, começando pela análise teórica. Isto porque, no seu entendimento para a organização das sessões experimentais fazia-se imprescindível a compreensão de toda a dinâmica dos fenômenos mediúnicos. Para tanto o conhecimento doutrinário daria toda a segurança e confiabilidade para lidar com a complexidade que envolve o processo mediúnico.

Referência Bibliográfica


Kardec, Allan. O Que é o Espiritismo. Editora Lake. SP-SP. 26ª edição. 2001.

Fonte: Blog Um Olhar Espírita - http://umolharespirita1.blogspot.com.br/2012/06/as-licoes-de-kardec-ao-critico.html

[ESE] - O Suicídio e a Loucura

Por Allan Kardec

A calma e a resignação adquiridas na maneira de encarar a vida terrena, e a fé no futuro, dão ao Espírito uma serenidade que é o melhor preservativo da loucura e do suicídio. Com efeito, a maior parte dos casos de loucura são provocados pelas vicissitudes que o homem não tem forças de suportar. Se, portanto, graças à maneira por que o Espiritismo o faz encarar as coisas mundanas, ele recebe com indiferença, e até mesmo com alegria, os revezes e as decepções que em outras circunstâncias o levariam ao desespero, é evidente que essa força, que o eleva acima dos acontecimentos, preserva a sua razão dos abalos que o poderiam perturbar.

O mesmo se dá com o suicídio. Se excetuarmos os que se verificam por força da embriaguez e da loucura, e que podemos chamar de inconscientes, é certo que, sejam quais forem os motivos particulares, a causa geral é sempre o descontentamento. Ora, aquele que está certo de ser infeliz apenas um dia, e de se encontrar melhor nos dias seguintes, facilmente adquire paciência. Ele só se desespera se não ver um termo para os seus sofrimentos. E o que é a vida humana, em relação à eternidade, senão bem menos que um dia? Mas aquele que não crê na eternidade, que pensa tudo acabar com a vida, que se deixa abater pelo desgosto e o infortúnio, só vê na morte o fim dos seus pesares. Nada esperando, acha muito natural, muito lógico mesmo, abreviar as suas misérias pelo suicídio.

A incredulidade, a simples dúvida quanto ao futuro, as idéias materialistas, em uma palavra, são os maiores incentivadores do suicídio: elas produzem a frouxidão moral. Quando vemos, pois, homens de ciência, que se apóiam na autoridade do seu saber, esforçarem-se para provar aos seus ouvintes ou aos seus leitores, que eles nada têm a esperar depois da morte, não o vemos tentando convencê-los de que, se são infelizes, o melhor que podem fazer é matar-se? Que poderiam dizer para afastá-los dessa idéia? Que compensação poderão oferecer-lhes? Que esperanças poderão propor-lhes? Nada além do nada! De onde é forçoso concluir que, se o nada é o único remédio heróico, a única perspectiva possível, mais vale atirar-se logo a ele, do que deixar para mais tarde, aumentando assim o sofrimento.

A propagação das idéias materialistas é, portanto, o veneno que inocula em muitos a idéia do suicídio, e os que se fazem seus apóstolos assumem uma terrível responsabilidade. Com o Espiritismo, a dúvida não sendo mais permitida, modifica-se a visão da vida. O crente sabe que a vida se prolonga indefinidamente para além do túmulo, mas em condições inteiramente novas. Daí a paciência e a resignação, que muito naturalmente afastam a idéia do suicídio. Daí, numa palavra, a coragem moral.

O Espiritismo tem ainda, a esse respeito, outro resultado igualmente positivo, e talvez mais decisivo. Ele nos mostra os próprios suicidas revelando a sua situação infeliz, e prova que ninguém pode violar impunemente a lei de Deus, que proíbe ao homem abreviar a sua vida. Entre os suicidas, o sofrimento temporário, em lugar do eterno, nem por isso é menos terrível, e sua natureza dá o que pensar a quem quer que seja tentado a deixar este mundo antes da ordem de Deus. O espírita tem, portanto, para opor à idéia do suicídio, muitas razões: a certeza de uma vida futura, na qual ele sabe que será tanto mais feliz quanto mais infeliz e mais resignado tiver sido na Terra; a certeza de que, abreviando sua vida, chega a um resultado inteiramente contrário ao que esperava; que foge de um mal para cair noutro ainda pior, mais demorado e mais terrível; que se engana ao pensar que, ao se matar, irá mais depressa para o céu; que o suicídio é um obstáculo à reunião, no outro mundo, com as pessoas de sua afeição, que lá espera encontrar. De tudo isso resulta que o suicídio, só lhe oferecendo decepções, é contrário aos seus próprios interesses. Por isso, o número de suicídios que o Espiritismo impede é considerável, e podemos concluir que, quando todos forem espíritas, não haverá mais suicídios conscientes. Comparando, pois, os resultados das doutrinas materialistas e espírita, sob o ponto de vista do suicídio, vemos que a lógica de uma conduz a ele, enquanto a lógica de outra o evita, o que é confirmado pela experiência.

Fonte: O Evangelho Segundo o Espiritismo - tradução de José Herculano Pires.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Kardec Foi um Filósofo?

Allan Kardec
Por Jaci Regis
Três questões serão debatidas neste trabalho:

1.) Como conciliar o fato de o Espiritismo se declarar, simultaneamente, uma revelação e uma filosofia;
2.) É possível caracterizar a obra de Kardec como uma obra filosófica?
3.) Como resolver o paradoxo da fé raciocinada?

O objetivo final é provar que o Espiritismo é uma filosofia.

I

No livro “A Gênese”, Allan Kardec afirma que o Espiritismo é uma revelação e procura mostrar o seu caráter. Mas, também, ao longo de sua obra e de forma taxativa, caracteriza-o como uma filosofia.

Devemos, pois, em primeiro lugar, tentar compreender o que sejam filosofia e revelação. Comecemos por filosofia.

Não tem sido fácil definir o que seja filosofia. Entretanto, existe um conceito espontâneo de que a filosofia é uma parte essencial da atividade do homem. Ligada à sabedoria, ao exame e à discussão exaustiva, embora não conclusiva, das causas e dos seres, a filosofia tem sido caracterizada como uma atividade superior do homem, um exercício indispensável ao saber e à certeza.

Historicamente, distinguem-se duas formas de exercício da filosofia: de um lado a socrático-platônica, que exprime uma concepção do eu, isto é, uma autorreflexão do espírito sobre os seus supremos valores teóricos e práticos, sobre os valores do verdadeiro, o bom e o belo. De outro, a aristotélica, que apresenta, antes de tudo, uma concepção do universo. Embora tenha havido uma regularidade pendular entre essas duas concepções, tende-se a uma acumulação, a uma conjugação desses pontos, pois a filosofia é simultaneamente as duas coisas: uma concepção do eu e uma concepção do universo.

Em síntese, pode-se compreender que a filosofia é uma autorreflexão do espírito sobre seu comportamento e, ao mesmo tempo, uma aspiração ao conhecimento das últimas ligações entre as coisas.

Quanto à revelação, analisaremos, ainda que rapidamente, as colocações feitas por Allan Kardec no capítulo I de “A Gênese”, servindo-nos da tradução de Guillon Ribeiro (edição da FEB). Nele, o autor define revelação como “dar a conhecer uma coisa secreta ou desconhecida”. Logo, “deste ponto de vista, todas as ciências que nos fazem conhecer os mistérios da Natureza são revelações e pode dizer-se que há para a Humanidade uma revelação incessante” (item 2). E adiante: “O que de novo ensinam aos homens (os grandes gênios, messias, missionários) quer na ordem física, quer na ordem filosófica, são revelações (grifo de Kardec). “Se Deus suscita reveladores para as verdades científicas, pode, com mais forte razão, suscitá-las para as verdades morais, que constituem elementos essenciais do progresso. Tais são os filósofos, cujas ideias atravessam os séculos” (item 6). No tocante à revelação religiosa, diz Kardec: “implica a passividade absoluta e é aceita sem verificação, sem exame e discussão” (item 7).

Finalmente, quanto ao Espiritismo, afirma Kardec: “é uma verdadeira revelação, na acepção científica da palavra”, isto é, dá “a conhecer o mundo invisível que nos cerca e no meio do qual vivemos sem o suspeitarmos, assim como as leis que o regem, suas relações com o mundo visível, a natureza e o estado dos seres que o habitam e, por conseguinte, o destino do homem depois da morte” (item 12).

Kardec coloca o Espiritismo como uma “revelação científica” que é caracterizada por ser “divina a sua origem e da iniciativa dos Espíritos, sendo a sua elaboração fruto do trabalho do homem”. É uma revelação científica, enfatiza: “por não ser ensino (dos Espíritos) privilégio de indivíduo algum, mas ministrado a todos do mesmo modo; por não serem os que o transmitem e os que o recebem seres passivos, dispensados do trabalho da observação e da pesquisa, por não renunciarem ao raciocínio e ao livre-arbítrio; porque não lhes é interdito o exame, mas, ao contrário, recomendado; enfim, porque a doutrina não foi ditada completa, nem imposta à crença cega; porque é deduzida pelo trabalho do homem, da observação aos fatos que os Espíritos lhe põem sob os olhos e das instruções que lhe dão, instruções que ele estuda, comenta, compara, a fim de tirar ele próprio as ilações e aplicações” (item 13 - grifos de Kardec).

Isso fica mais claro ainda quando ele analisa a questão: “qual a autoridade da revelação espírita, uma vez que emana de seres de limitadas luzes e não infalíveis?” Nessa aparente fragilidade, o Codificador aponta sua característica básica, ao afirmar que o Espiritismo é fruto da elaboração entre pessoas de dois planos de vida. Os Espíritos propõem, mas os homens concorrem com o seu raciocínio e seu critério, tudo submetem ao cadinho da lógica e do bom senso. Isto é, o homem se beneficia dos conhecimentos especiais que os Espíritos dispõem pela posição em que se acham, sem abdicar do uso da própria razão (item 57).

Esse caráter específico da revelação espírita é, também, uma inovação no campo filosófico, antes dominado apenas pela cogitação a partir de um ponto de observação unilateral, isto é, da busca e da inquietação do homem perante o mistério e as contradições do ser, diante de si mesmo, da existência e do universo. Agora, esse mesmo cogitar é enriquecido pela contribuição de homens que passaram a existir numa dimensão diferente, — os Espíritos — mas dentro da humanidade.

Sendo, em lato senso, urna elaboração da razão humana — encarnada e desencarnada — o Espiritismo é uma reflexão sobre o ser e o universo, abrangendo a totalidade e não se detendo no particular. A palavra “revelação” é, num primeiro sentido, uma contradição nesse quadro e só é aceita por Kardec a partir de uma visão didática, para que a intervenção das inteligências desencarnadas seja compreendida no processo.

II

Poderá a obra de Allan Kardec ser categorizada como filosófica? Ou melhor seria considerá-la uma obra didática? Encontramos no seu transcorrer uma reflexão sobre o ser, o belo, o bom? Há, em seu bojo, cogitações sobre a natureza essencial das coisas, uma visão do universo e das relações últimas entre os objetos? Sim, a resposta é afirmativa.

Entretanto, o fato desses temas serem abordados não significa, necessariamente, que a obra seja filosófica. O que caracteriza esse aspecto é o fato de apresentar uma reflexão, propor soluções e inovar na abordagem de temas que, sendo universais e se constituírem razão da cogitação da inteligência, se enquadrem num quadro amplo da inquietação do homem.

Analisada sob esse ângulo, a obra de Kardec é, em seu conjunto, uma reflexão filosófica. O próprio “O Livro dos Espíritos” é um filosofar dialético entre duas inteligências humanas, reunidas no ato de refletir sobre os fundamentos do ser, do destino e de Deus. Semelhante ao diálogo do Banquete, de Platão, Kardec e o Espírito da Verdade, maieuticamente confabulam num mesmo nível de inquietude. Esse debate dialético não espelha um superior ministrando lições a um inferior. Mas, duas potências do saber dialogam, exprimindo visões específicas que resultam na síntese doutrinária do Espiritismo. A partir desse diálogo, Kardec, seja nos comentários que aduz às questões ou em capítulos inteiros de “O Livro dos Espíritos”, evidencia o tratamento filosófico das ideias.

O que caracteriza, por outro lado, a filosofia kardecista, se assim podemos falar, é a sua praticidade. Marx afirmou que “os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diferentes maneiras; trata-se é de transformá-lo”, exigindo a crítica radical, que vai às raízes e à práxis, isto é, à ação revolucionária. Essa tese foi lançada por Marx por volta de 1845, doze anos antes de “O Livro dos Espíritos”. Pode-se dizer que Kardec também realizou, a seu modo, uma filosofia de ação, de pratos, transformadora e revolucionária, ao propor uma nova reflexão sobre os fundamentos da vida, do ser e do mundo, inaugurando a visão espírita. E, também, promoveu a elevação dos Espíritos à categoria de seres existentes e não potenciais, ao abrir, por assim dizer, a cortina que separava o homem vivente no plano corpóreo ao homem vivente no plano extrafísico.

A filosofia que Kardec desenvolveu foi discursiva-racional, não considerando a intuição como uma fonte autônoma de conhecimento. Embora reconhecendo a totalidade emocional, volitiva e cognitiva do Espírito, não poderia deixar de cingir-se à razão como juíza do saber. Não nega a intuição como uma das formas de apreensão da realidade. Todavia, “toda intuição tem que legitimar-se perante o tribunal da razão”.

Embora seguindo, sob certos aspectos, um esquema muito ligado às preocupações teológicas, Kardec manteve-se numa linha de equilíbrio racional, definindo, por fim, o Espiritismo como filosofia moral, com o que se libertou das amarras de uma teologia. A reflexão sobre a reencarnação, como instrumento de desenvolvimento das potências do Espírito, define a filosofia espírita, em oposição à teologia.

Na verdade, o esquema kardecista seguiu, em linhas gerais, a própria estrutura do pensamento filosófico da época. Foi a partir do século 19 que as ciências se libertaram definitivamente da filosofia, mudando esta seu campo de atividade e atuação formal.

O didatismo de Kardec não prejudica a sua obra, nem lhe descaracteriza a fundamentação filosófica. Exprime, apenas, uma face da capacidade de comunicação própria do autor, cujo estilo sem adjetivação excessiva, o torna objetivo, desprendido de palavras e formulações tortuosas. Deve-se ter em mente que o professor Rivail mostrou em sua obra — cerca de 21 volumes — um poder de objetividade, de concisão ainda não suficientemente estudado, antecipando-se aos progressos da linguagem atuais tanto da informática, quanto da linguística. O fato de escrever numa linguagem direta, limpa, inova mais uma vez, enriquecendo o conteúdo filosófico.

Se acompanharmos o pensamento kardecista, não apenas nos livros fundamentais, mas ao longo das edições da “Revista Espírita”, haveremos de reconhecer a posição de Kardec como homem prático, jornalista, administrador, pesquisador, orador, líder, polemista, escritor, o que naturalmente não lhe poupava tempo para elucubrações excessivamente teóricas. No espaço de apenas 14 anos escreveu mais de 20 livros, incluindo as edições da “Revista Espírita”, que redigiu sozinho e desenvolveu uma atividade realmente exaustiva. Realizou, todavia, uma teorização sobre os fatos, de modo que não se perdessem os resultados das pesquisas e das observações.

Flammarion chamou-lhe de “Bom Senso Encarnado”, mas negou-lhe o caráter de cientista. Todavia, com o desenvolvimento das ciências humanas, já não se pode negar a Kardec, também, esse título porque realizou, como Bozzano, embora em menor escala, é verdade, um árduo trabalho de pesquisa, observações pessoais e coleta de dados. Com todo esse material, deduziu um conjunto de ideias e fundamentos. Foi filósofo do real, da ação, da prática, apoiando-se em dados experimentais. Deduziu sobre os fundamentos morais do universo — refletindo sobre a natureza do homem, suas dimensões físico-espirituais, o processo evolutivo a que está submetido, sua imortalidade e seu destino. Especulou sobre o absoluto, Deus, como centro de interesse e equilíbrio do Universo.

Mesmo nos livros que numa falsa visão cultural são chamado de “religiosos”, manteve essa postura filosófica. Tanto no “Evangelho Segundo o Espiritismo”, como no “O Céu e o Inferno”, que abordam temas da teologia, comportou-se de maneira coerente com sua visão filosófica e é sob este ângulo que examina, tanto a contribuição de Jesus de Nazaré, que libera dos aspectos místicos, para concentrar-se no conteúdo moral de seu ensino, quanto os aspectos da Justiça Divina, em “O Céu e o Inferno”.

III

Se Allan Kardec estruturou a Doutrina Espírita como uma filosofia moral, porque, contraditoriamente, adotou o tema “Fé raciocinada”? Se, como ele repetidas vezes afirmou, o Espiritismo é uma doutrina positiva, repudiando todo o misticismo, qual o motivo que o teria levado a mencionar a fé como uma condição importante para o homem?

Mostramos que a estrutura filosófica do Espiritismo é discursiva-racional e que abrange tanto uma concepção do ser, como uma concepção do universo e, mais ainda, projeta-se como uma práxis, atuando no mundo para modificá-lo. Trata-se como se vê, de tentativa para sintetizar a angústia humana, convergindo, inevitavelmente, para o campo moral. Ora, as religiões sempre se colocaram como guardiãs da moralidade, embora, quase sempre, decaindo para um moralismo. Kardec não podia negligenciar o fato de que a moralidade é a meta principal do Espiritismo — embora enfocada sob uma visão libertadora. Daí o ter afirmado que o Espiritismo é forte por tocar os pontos principais das religiões: Deus, o espírito e as penas futuras. Chegou mesmo a tentar colocar o Espiritismo como o elo, a aliança entre a ciência e a religião.

E aí se situa a sabedoria da proposta espírita. Não é uma postura inflexível porque é progressiva e isso lhe garante a mobilidade, abrindo-se para compreender as múltiplas formas de expressão do Espírito em sua caminhada evolutiva. E, nessa caminhada, a religião tem sido um fator marcante, embora nem sempre positivo, ao contrário, o que levou Kardec a lamentar que “infelizmente as religiões hão sido sempre instrumentos de dominação” (“A Gênese”, cap. I, item 8).

No domínio da fé, temos uma atitude específica do Espírito. Ela é intuitiva, é a apreensão da totalidade, a germinação da certeza interna, surgida da vivência, dos valores. David Hume, filósofo inglês, definiu-a dessa forma: “a fé é muito mais um ato da parte afetiva de nossa natureza do que de sua parte pensante”.

Ao postular a “fé raciocinada”, Kardec inseria um paradoxo, considerando as bases da filosofia espírita, chamando-nos à reflexão. Definindo essa contradição, Kardec afirma: “fé inabalável só o é a que pode encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da humanidade” (“O Evangelho Segundo o Espiritismo”, tradução de Guillon Ribeiro - FEB). Quer dizer, ele afirma que a inabalavidade da fé depende da razão, ou seja, que a apreensão intuitiva da totalidade, como uma certeza interna, pode ser falsa, incorrer em erro de interpretação, se não passar pelo crivo da razão. Dessa atitude surge uma nova fé que seria motivadora, totalizadora, porque submetida ao juízo racional.

Dentro dessa perspectiva, o Espiritismo se propõe a aliar a ciência e a religião, mas, todavia, não se reduz nem a uma nem a outra, mas transcende-as. Dialeticamente, aceitando a ciência e a religião como posições reais no conhecimento e vivência humanas, o Espiritismo procura transformá-las. De um lado, sendo ciência do Espírito, completa a ciência convencional cujo objeto é o conhecimento do meio físico como o único concreto e possível. De outro, destruindo o sobrenatural em que a religião se assenta, liberta o homem de um conceito estreito e falacioso da vida, propondo-se como filosofia moral, onde os conceitos morais coexistem com a racionalidade e desataviados dos prejuízos do culto.

Kardec rejeitou o fato de que o homem crer em Deus e orar se caracterizasse como um ato místico. Ao contrário, afirmou ser uma atitude positiva, decorrente da abertura que o Espiritismo, filosoficamente, promove. Logo, a fé que Kardec aborda é, sobretudo, saber, crença baseada na razão. E se estrutura como uma nova postura do homem perante a vida, pois que não nega o impulso da experiência interna na apreensão da totalidade, mas indica o caminho da crítica e da atividade construtiva, para que a fé não continue sendo contemplação e alienação místicas.

IV
Sendo o Espiritismo uma nova visão do homem e do mundo, caracteriza-se como um pensar filosófico, como uma filosofia estruturada na pesquisa do conhecimento, do ser e do universo. Tendo base experimental, seu filosofar é existencial, atua no mundo para modificá-lo. O pensamento kardecista — isto é, espírita — apresenta-se como um sistema de ideias claramente definido e eficientemente deduzido. Essa afirmativa nos leva à conclusão de que o professor Hipollyte Léon Denizard Rivail — Allan Kardec — pode ser conceituado como um autêntico filósofo, na lídima acepção do termo.

Observação: No tocante às definições de filosofia, usamos expressões do livro “Teoria do Conhecimento”, do professor Johannes Hessen, 3a edição - Armênio Amado Editor, Coimbra - Portugal.

Fonte: revista “A Reencarnação”, n º 401 - Ano L - outubro de 1984, órgão de divulgação da Federação Espírita do Rio Grande do Sul.
Jaci Regis (1932-2010), psicólogo, jornalista, economista e escritor espírita, foi o fundador e presidente do Instituto Cultural Kardecista de Santos (ICKS), idealizador do Simpósio Brasileiro do Pensamento Espírita (SBPE), fundador e editor do jornal de cultura espírita “Abertura” e autor dos livros “Amor, Casamento & Família”, “Comportamento Espírita”, “Uma Nova Visão do Homem e do Mundo”, “A Delicada Questão do Sexo e do Amor”, “Novo Pensar - Deus, Homem e Mundo”, dentre outros.

Retirado do site PENSE - http://viasantos.com/pense/arquivo/1359.html

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Evocar ou Não Evocar Determinados Espíritos?

Por Maria das Graças Cabral

O presente texto tem por objetivo tratar do seguinte questionamento: - Se deve ou não evocar determinados Espíritos nas reuniões mediúnicas? A esse respeito, hodiernamente o procedimento usual e padronizado nos centros espíritas ou grupos de estudo, é o de “não evocação” ou “comunicação espontânea”, em consonância com o entendimento do Espírito Emmanuel, mentor do médium Chico Xavier.

A esse respeito o referido Espírito, no livro O Consolador, psicografado pelo médium acima mencionado, quando indagado se é aconselhável a evocação direta de determinados Espíritos, assim se posiciona: - “Não somos dos que aconselham a evocação direta e pessoal, em caso algum. Se essa evocação é passível de êxito, sua exeqüibilidade somente pode ser examinada no plano espiritual.” (O Consolador - pergunta 369, p. 207) (grifo e negrito meus) Como se não ocorresse o mesmo com a comunicação espontânea!

Acrescenta Emmanuel: “Daí a necessidade de sermos espontâneos, porquanto, no complexo dos fenômenos espiríticos, a solução de muitas incógnitas espera o avanço moral dos aprendizes sinceros da Doutrina. O estudioso bem intencionado, portanto, deve pedir sem exigir, orar sem reclamar, observar sem pressa, considerando que a esfera espiritual lhe conhece os méritos e retribuirá os seus esforços de acordo com a necessidade de sua posição evolutiva e segundo o merecimento do seu coração. Podeis objetar que Allan Kardec se interessou pela evocação direta, procedendo a realizações dessa natureza, mas precisamos ponderar, no seu esforço, a tarefa excepcional do Codificador, aliada a necessidades e méritos ainda distantes da esfera de atividade dos aprendizes comuns.” (O Consolador - pergunta 369, p. 207) (grifo e negrito meus)

Diante das elucidações feitas por Emmanuel, observa-se que sua argumentação se opõe sumariamente à evocação direta, sustentando-se primeiramente no entendimento de que o êxito de tais evocações só poderia ser averiguado no plano espiritual. Indaga-se: - Por acaso o êxito da comunicação espontânea tem como ser apurada com toda a segurança no plano material?! Quais seriam os critérios de segurança? Isso objetivamente ele não aponta.

Em seguida alega que devemos pedir sem exigir, orar sem reclamar, etc.. Será que para Emmanuel evocar, chamar, significa exigir, ou impor aos Espíritos seu comparecimento? Rebate que em razão de nossa precária condição moral não devemos evocar Espírito nenhum. Pondera que com Kardec foi diferente, pois o mesmo executava a extraordinária tarefa da codificação associada às suas virtudes pessoais que estamos longe de auferir.

A argumentação de Emmanuel torna-se inaceitável pois a Doutrina dos Espíritos veio para todos independentemente de grau evolutivo, visando alavancar o progresso do espírito humano. Allan Kardec não teria tido todo o cuidado de explanar de forma clara e pedagógica, desenvolvendo um verdadeiro tratado sobre mediunidade em O Livro dos Médiuns, se não objetivasse que a mediunidade fosse bem compreendida e o trabalho mediúnico seguro e acessível a todos.

No que tange às evocações, nas Considerações Gerais do Capítulo XXV de O Livro dos Médiuns quando trata do tema em tela, o Mestre começa pontuando que “algumas pessoas acham que não devemos evocar nenhum Espírito, sendo preferível esperar o que quiser comunicar-se. Entendem que chamando determinado Espírito não temos a certeza de que é ele que se apresenta, enquanto o que vem espontaneamente, por sua própria iniciativa, prova melhor a sua identidade, pois revela assim o desejo de conversar conosco.” (O Livro dos Médiuns - item 269)

Não obstante, estabelece o Codificador que optar pela comunicação espontânea “é um erro”! Observe-se que taxativamente considera um ERRO a não evocação, justificando seu entendimento com as seguintes palavras: “Primeiramente porque estamos sempre rodeados de Espíritos, na maioria das vezes inferiores, que anseiam por se comunicar. Em segundo lugar, e ainda por essa mesma razão, não chamar nenhum em particular é abrir a porta a todos os que querem entrar. Não dar a palavra a ninguém numa assembléia é deixá-la livre a todos, e bem sabemos o que disso resulta. O apelo direto a determinado Espírito estabelece um laço entre ele e nós; o chamamos por nossa vontade e assim opomos uma espécie de barreira aos intrusos. Sem o apelo direto um Espírito muitas vezes não teria nenhum motivo para vir até nós, se não for um nosso Espírito familiar.” (O Livro dos Médiuns - item 269) (grifei)

Acrescenta ainda que (...) “as comunicações espontâneas não têm nenhum inconveniente quando controlamos os Espíritos e temos a certeza de não deixar que os maus venham a dominar.” (O Livro dos Médiuns - item 269) (grifei) Constata-se que Kardec demonstra a temeridade de lidar com tais comunicações espontâneas, em face da dificuldade de se controlar os Espíritos comunicantes, e obstar de forma efetiva o domínio dos maus. Ou seja, o Codificador não apenas “se interessou” pelas evocações como “sutilmente” afirma Emmanuel. Ele as utilizou de forma sistemática e rechaçou as comunicações espontâneas considerando tal prática um “erro”. Até porque Kardec nunca usou de subterfúgios nem meias palavras. Sempre primou pela correição de vocabulário e clareza de idéias!

Entende-se, portanto que o interesse de certos Espíritos nas comunicações espontâneas está justamente na liberdade que os permite facilmente mistificar. Não obstante, Kardec com muita propriedade argüiu que numa reunião onde a palavra não é dada a ninguém, fala quem quer o que quer, tendo como corolário reuniões desorganizadas, improdutivas e mistificadas.

A esse respeito, faz-se por oportuno também mencionar as sessões mediúnicas onde vários Espíritos se comunicam espontânea e concomitantemente, ocorrendo paralelas doutrinações. Indaga-se: - Uma reunião nesses moldes obedece aos preceitos de organização e respeito que Kardec impinge às sessões experimentais? É óbvio que uma reunião onde várias pessoas falam ao mesmo tempo, denota total falta de urbanidade e descaso pela exposição de cada um. Imagine-se tal ocorrência num ambiente com Espíritos nos mais variados estágios de desequilíbrio!

Diante do exposto, reporto-me a uma publicação de Kardec na Revista Espírita de janeiro de 1865, intitulada “Nova Cura de uma Jovem Obsedada de Marmande”. Tratava-se de uma jovem de treze anos que experimentava crises convulsivas de tal violência, que cinco homens tinham dificuldade de mantê-la em seu leito. Depois das mais diversas tentativas de tratamento médicos e do padre que rezou missa na intenção da jovem, constatou-se o insucesso dos recursos utilizados.

Daí, um grupo espírita de Marmande consultou os guias espirituais sobre a natureza da moléstia da jovem. A resposta dada pelos guias foi à seguinte: “É uma obsessão das mais graves, cujo caráter mudará muitas vezes de fisionomia. Agi friamente, com calma; observai, estudai e chamai Germaine”, acrescentando que na primeira evocação, o Espírito de Germaine não poupou injúrias e “mostrou grande repugnância em responder às nossas interpelações.” (Revista Espírita - Janeiro de 1865, p. 20/21) (grifei)

Adiante, assevera o narrador que os guias deram a seguinte instrução: “Procedei com muito cuidado, muita observação e muito zelo. Tratareis com um Espírito mistificador, que alia a astúcia e a habilidade hipócrita a um caráter muito mal. Não cesseis de estudar, de trabalhar pela moralização desse Espírito e de orar com essa finalidade.” (...) (Revista Espírita - Janeiro de 1865, p. 21)

No caso em tela observa-se a prática da evocação numa sessão mediúnica de desobsessão, onde em um primeiro momento são evocados os guias espirituais objetivando esclarecimento e orientação de como agir face à complexidade do caso. Num segundo momento obedecendo às disposições dadas pelos guias, é feita a evocação do obsessor.

Na leitura do longo processo relatado na Revista, observa-se a alternância das evocações. Em certos momentos são os guias evocados, e sob a orientação destes evocava-se o Espírito obsessor, até o deslinde total da problemática. Ou seja, de acordo com o presente exemplo publicado na Revista Espírita, Kardec demonstra a prática das evocações nas sessões de desobsessão.

Diante do exposto, constata-se que pela falta de estudo, valorização e respeito aos ensinos ministrados pela Espiritualidade Superior e positivados por Allan Kardec, somos levados a acatar orientações alienígenas, anti-doutrinárias, que não trazem em absoluto a tão almejada segurança das comunicações mediúnicas.

Não obstante vale ressaltar, que todos os ensinamentos ministrados pelo Codificador não provinham de uma teoria própria nem de um único Espírito. Mas de uma plêiade de Espíritos evoluídos e preparados para tão grande empreitada!

Finalizando, fica claro que o médium que se diz espírita deveria obrigatoriamente ter como literatura objeto de estudo e orientação nas práticas mediúnicas O Livro dos Médiuns conjuntamente com a Revista Espírita, repositório de experiências e lições que o Codificador disponibilizou para o esclarecimento dos Espiritistas. Obviamente não desconsiderando as demais Obras Fundamentais que estabelecem o alicerce doutrinário.

No que concerne às evocações, se fizermos uma análise racional e profunda da proposta de Kardec, e o tivermos na conta do maior estudioso e conhecedor da Doutrina Espírita na condição de Codificador, assessorado por toda uma equipe espiritual de elevada evolução, não temos como duvidar do melhor procedimento a ser adotado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Ed. LAKE. SP/SP, 22ª edição. 2002.
KARDEC, Allan. Revista Espírita. Ano VIII. Janeiro de 1865. Ed. FEB. Brasília/DF. 3ª edição. 2004.
XAVIER, Cândido Francisco. O Consolador. Ditado pelo Espírito Emmanuel. Ed. FEB. RJ/RJ. 17ª edição. 1995.

Fonte: Blog "Um Olhar Espírita" - http://umolharespirita1.blogspot.com.br/2012/07/evocar-ou-nao-evocar-determinados.html

La Moral En La Doctrina Espirita

 Por Manuel S. Porteiro

La moral es muy importante en la vida de los hombres, Jesús, como Krishna y como otros espíritus luminosos que supieron ordenar al hombre sin imponerle claudicaciones, no fundaron ninguna religión positiva; enseñaron, sí, una moral sublime, idéntica para todos los hombres, sin sujeción a tiempos, lugares ni circunstancias, sin casuística ni acomodos, moral que lo mismo sirve para realizar el ideal de felicidad humana en este mundo, que para guiar al espíritu en la senda de su progreso indefinido. Esta moral es esencialmente idéntica a la que se desprende de la filosofía espiritista, pero esta última tiene el valor de su fundamento científico, de sustituir el parabolismo de aquélla con una forma racional de explicación y dar también al hombre su razón de ser moral.

El Espiritismo viene hoy a levantar la moral caída, a darle una base científica, a demostrar que lo que ayer fue intuición filosófica, es hoy verdad positiva; viene a  probar con hechos que los principios morales entran grados de desarrollo, que son propios del espíritu, no del organismo ni de la materia, que la moralidad se manifiesta en cada uno según el grado de evolución alcanzado; viene a demostrar que el hombre es un espíritu encarnado, sujeto a continua evolución, que ha vivido en anteriores existencias en estados biológicos interiores y que una vez abandonado su cuerpo material, continúa evolucionando progresivamente, subiendo de tramo en tramo la escala infinita de su progreso, en este o en otros mundos más en armonía con su desarrollo espiritual, que la mayor capacidad moral e intelectual depende del esfuerzo propio de cada ser, de la actividad que despliegue para alcanzarla, que la adquisición de esta capacidad, siempre creciente en su infinito desarrollo, consiste en el ejercicio de todas sus facultades y aptitudes, inspiradas en el bien y puestas al servicio de sus semejantes y, en lo posible, de los demás seres que le rodean; viene a establecer la fraternidad universal sobre las mismas leyes de la evolución, demostrando que la solidaridad no es una palabra vacía, por cuanto no puede existir progreso moral individual, sin progreso colectivo, ni éste sin aquél y que, por consiguiente, cuanto más bien hacemos a los demás, más bien nos hacemos a nosotros mismos; viene a dar al ser una sanción justa y ecuánime, natural y divina, que está en las leyes de su propia evolución, en el principio de causalidad, que nos enseña que toda causa produce un efecto proporcional, que toda acción tiene en sí misma las consecuencias de su bondad o de su maldad, sanción, a la cual no escapan las intenciones ni las circunstancias; viene, en fin, a reafirmar la creencia en un Ser supremo, principio inteligente, creador eterno, manantial de sabiduría, de amor, de justicia, de bondad y de belleza, de donde emanamos y adonde vivimos, sin percatarnos de nuestra pequeñez y al mismo tiempo de nuestra grandeza.

De este conocimiento que se desprende del Espiritismo científico, de las manifestaciones mismas de los seres que han vivido en la tierra y superviven a la muerte con la visión de sus existencias pasadas, de sus mensajes mismos, se desprende la moral espírita, moral sublime que, como hemos dicho, abraza todo lo que hay de bueno y de justo en las demás filosofías y religiones, verdadera ciencia deductiva que descansa en principios inalterables y universales.

La moral espírita enseña a practicar el bien sin interés de recompensas, premios ni castigos, a no ser bueno por temor ni por cálculo, sino porque el bien es la ley suprema de nuestra vida, aumenta nuestra riqueza espiritual, nos eleva y nos engrandece; a proceder con justicia en todos los actos de nuestra vida. Ante el dilema si hemos de ser buenos, justos y veraces, cuando la bondad, la justicia y la verdad nos perjudican, o si hemos de ser todo lo contrario cuando la maldad, la injusticia y la mentira nos benefician, la moral espírita se inclina decididamente por lo primero.

Nos enseña también a practicar la caridad con altruismo, con amor y con delicadeza, demostrándonos que lo que hacemos en bien de los demás es en nuestro bien propio, y que, al obrar así, no hacemos más que cumplir con un deber de solidaridad; a proteger al débil y amparar al desgraciado, cualquiera que sea su debilidad y su desgracia; a levantar al caído, a instruir al ignorante, a ver en cada delincuente un hermano, que hay que redimir con amor, y en cada delito, un enemigo que hay que combatir sin piedad; a no juzgar ni castigar, ni a dar derecho ni atribuciones a nadie para que juzgue ni castigue, considerando que todos somos pecadores y delincuentes en más o menos grado, que los pecados y delitos son propios de nuestra imperfección y de muestro atraso y que, para atenuarlos, hay que instruir, educar y suprimir en lo posible las causas que los producen; a obrar bien con entereza y con rectitud, sin temor a la crítica mundana; a gozar de todos los placeres de la vida, con honestidad y moderación, prefiriendo siempre los placeres  espirituales y, en fin, a trabajar y vivir del producto de nuestro propio trabajo, considerando éste no como un fin sino como un medio para el ejercicio y desarrollo de todas nuestras facultades espirituales y para domar nuestro espíritu de sus rudezas y sus bajas pasiones.

La moral espírita es evolucionista, en el sentido de que se irá imponiendo paulatinamente  a medida de la comprensión y del progreso moral de los individuos y los pueblos, pero en su esencia y en sus principios es absoluta, no admite términos medios, y en sus mandatos es radical e imperativa; no dice al hombre: haz el bien con arreglo a tal o cual circunstancia; sé justo con relación a tal o cual época o lugar; di la verdad, pero que ella no lastime a tales o cuales mentiras, a tales o cuales injusticias, a tales o cuales convencionalismos o intereses. Por el contrario, afirma categóricamente: sé bueno, sé justo, sé veraz, aunque el mundo y sus prejuicios se resientan por tu bondad, por tu justicia, por tu verdad.

La moral espírita es, pues, una moral de principios; no es una moral de circunstancias que, como la establecida por la ley civil y por las costumbres sociales, se adapta al medio y a la estructura económica y política de la sociedad; no es una moral que beneficia los intereses de unos en detrimento de los intereses de los demás; por el contrario, tiende a mancomunar los intereses particulares en un solo interés general, haciendo que todos los hombres sean solidarios en la producción y en el goce de la riqueza social, de acuerdo con sus fuerzas, sus aptitudes y con sus necesidades; no tiene clases, no admite prerrogativas ni categorías sociales su sanción, a todos los alcanza por igual según sean sus acciones, el grado de comprensión, el mérito o demérito de cada uno; y ante el Juez Supremo, que falla en la conciencia y en las leyes de la misma evolución, no caben títulos ni riquezas, ni castas, ni absurdos privilegios sociales.

Enseña la humildad (en el límite de la suavidad y de la modestia), sin humillación ni rebajamiento, aconseja la tolerancia, pero sin descender al consentimiento del mal, ni convivir con él. El juicio crítico que tiende a su mayor grado de perfeccionamiento del individuo y de la sociedad, es una facultad que debe emplearse contra el crimen y la injusticia; consentir éstos, convivir con ellos, no es una virtud, sino más bien una cobardía, que puede ocasionar mayores males que los que tolera.

La nueva moral que desprende del Espiritismo científico viene, pues, a transformar por completo la sociedad, y a su influencia se deberá la desaparición de muchos crímenes, de muchas injusticias, de muchas mentiras e inmoralidades que se tienen hoy por muy morales y muy sagradas; y, en cambio, se afianzarán muchas verdades, muchas virtudes, muchas aspiraciones justas que la moral hipócrita de nuestra sociedad desecha como cosas moralmente malas.

Esta doctrina redentora, lejos de ser rígida disciplina, impuesta arbitrariamente a la conciencia, es un código de amor, de paz, de esperanzas, de consuelos, de promesas y de infinitas satisfacciones espirituales. El que esto escribe, ha sentido en su alma el bálsamo consolador de esta doctrina en sus momentos de desvaríos, cuando las recrudescencias de la vida laceraban sin piedad su corazón. Al borde de más de un abismo ha encontrado en esta moral sublime el apoyo para no caer; y reconfortado su espíritu por la visión de un superior destino, volvió los ojos a la luz con la alegría de vivir, huyendo de las negruras abismales donde la amargura, el despecho o la pasión lo hacían zozobrar. Y este milagro, que se habrá producido en la conciencia de muchos espiritistas sólo puede hacerlo la convicción profunda que nos da el Espiritismo.

Extraído del libro Origen de las Ideas Morales – Manuel S. Porteiro
Livro originalmente publicado en 1998 pelo Movimiento de Cultura Espírita – CIMA, en Caracas, Venezuela.

terça-feira, 3 de julho de 2012

O vínculo de Roustaing com a Igreja

Por Nazareno Tourinho

Mais do que surpresos, os espíritas sinceros, e suficientemente esclarecidos, ainda alheios às consequências filosóficas da tese do corpo fluídico de Jesus, terão ficado perplexos durante a leitura do penúltimo escrito desta série, no qual mostramos o vínculo ideológico da obra de Jean-Baptiste Roustaing com a Igreja Romana, que desvirtuou a autêntica mensagem do Cristianismo e tantos males causou ao progresso da Humanidade.

Para que ninguém julgue ter havido de nossa parte a exploração de um mero e descuidoso tropeço do antigo bastonário da Corte Imperial de Bordeaux, isolado e perdido no Volume 2 de Os Quatro Evangelhos de sua autoria (6ª edição da FEB), vamos aqui transcrever mais alguns dislates do gênero, contidos no Volume 3 que dá sequência a “Revelação da Revelação”, por ele arquitetada com o objetivo de suplantar a obra de Allan Kardec, Ei-los:
“A mediunidade dos que, entre vós, servem de instrumentos aos Espíritos está apenas no começo. Mas, contrariamente ao que sucedeu na época dos discípulos, os vossos médiuns só entrarão no gozo completo de suas faculdades mediúnicas quando estiver entre os homens o Regenerador, Espírito que desempenhará a missão superior de conduzir a humanidade ao estado de inocência, isto é: ao grau de perfeição a que ela tem de chegar. Até lá, obterão somente fatos isolados, estranhos à ordem comum dos fatos.

“Não nos cabe fixar de antemão a época em que tal se verificará. O Senhor disse: vigiai e orai, porquanto desconheceis a hora em que soará retumbante a trombeta, fazendo que de seus túmulos saiam os mortos. Quer dizer: desconheceis a hora em que Deus fará que renasçam materialmente na terra os Espíritos elevados, incumbidos de dar impulso às virtudes que eles descerão a pregar, praticando-as em toda a sua extensão.

“O chefe da Igreja católica, nesta época em que este qualificativo terá a sua verdadeira significação, pois que ela estará em via de tornar-se universal, como sendo a Igreja do Cristo, o chefe da Igreja católica, dizemos, será um dos principais pilares do edifício.” (Página 65; os grifos são dos autores.)

“Debaixo da influência e da direção do Regenerador, caminhará o chefe da Igreja católica, a qual, repetimos, será então católica na legítima acepção deste termo, pois que estará em via de tornar-se universal, como sendo a Igreja do Cristo.” (Página 66)

“Homens, que praticais os ritos cristãos, não vos envergonheis de aproximar-vos da “mesa santa”, pois que sejam quais forem as profanações a que ela tenha sido exposta, sempre a podeis santificar pelo sentimento com que dela vos avizinhardes. Não coreis de vir, curvada a fronte, prostrar-vos aos pés do sacerdote que vos apresenta a hóstica “consagrada”.” (Página 403)

Aí está, não precisamos ir além. Os rustenistas da escola de Luciano dos Anjos poderão nos refutar através de longos e especiosos textos, garantindo que mutilamos as ideias centrais da obra de Roustaing, trazendo ao público apenas trechos esparsos de seus escritos, desconexos de outros imprescindíveis para completar o pensamento do autor. Quanto a isso, cumpre-nos denunciar a técnica mistificatória empregada nos volumes de Roustaing: os Espíritos que a ditaram, com refinada esperteza, própria dos padres jesuítas, acabam de dizer uma coisa e logo afirmam outra em contrário, a fim de obterem aceitação em nosso meio doutrinal. É por isso que os seus raros defensores sempre possuem argumentos para sustentar intermináveis polêmicas, reivindicando a condição de espíritas quando, no fundo, são católicos envergonhados, arrependidos mas ainda não inteiramente convertidos. Vejamos um exemplo da tática mistificatória exercida na obra de Roustaing, com base na última citação feita no presente artigo, a da página 403 do terceiro volume de Os Quatro Evangelhos. Ali somos concitados a não ter um constrangimento em nos prostrar aos pés de um sacerdote, de fronte curvada (a nossa, não a dele), e reverenciar a hóstia “consagrada”. Ora, qualquer pessoa sabe que isto é uma proposição católica, não espírita. Assim sendo, para dourar a pílula os ladinos autores do conselho no mesmo parágrafo o precedem com o reconhecimento da superioridade do ato espiritual sobre o ato material, e o complementam ressaltando a prevalência do fundo sobre a forma. Destarte, quando alguém, reproduzindo o mencionado trecho qual o fizemos, disser que a obra de Roustaing agasalha a apologia do ritual católico, do dogma da “Sagrada Eucaristia” etc., logo um de seus admiradores contestará, valendo-se da parte inicial ou final do parágrafo onde o referido trecho se encontra. E assim nunca falta munição verbalística para os renitentes defensores de Roustaing, que já sem coragem de atacar a obra de Kardec de frente (no pretérito atacaram, e a prova é a edição de 1920 de Os Quatro Evangelhos, que a FEB patrocinou e hoje esconde o fato, divulgando uma edição sem os ataques), já sem coragem de menosprezar frontalmente a obra de Kardec, repetimos, procuram minar as suas bases teóricas, contradizendo-lhes princípios filosóficos fundamentais como o que situa a encarnação e a reencarnação na categoria de lei da vida inteligente (na doutrina de Roustaing a experiência encarnatória não é uma necessidade para todos os Espíritos, é apenas castigo para alguns).

Na verdade, a única defesa possível da mistificação de Roustaing é a tese de que ela foi necessária quando surgiu, no século passado, a fim de atrair os católicos para o movimento espírita iniciante.

Este argumento, entretanto, é inaceitável, de um lado por ser aético e inconsistente (a nossa doutrina não endossa a teoria de que os fins justificam os meios, responsável, na Idade Média, pelas fogueiras da Santa Inquisição, e é contra o proselitismo, mesmo corretamente praticado do ponto de vista moral, pois seus postulados libertadores nunca serão absorvidos por quem ainda não estiver evolutivamente preparado para compreendê-los), e de outro lado porque a adulteração essencial de uma filosofia, através da mesclagem com quaisquer filosofias divergentes, é um modo solerte de arruiná-la perante o futuro, no campo das ideias (objetivo das entidades umbralinas fascinadoras do antigo bastonário da Corte Imperial de Bordeuax).

Na hipótese de querermos, por motivo de pura benevolência, aceitar a tese de que a mistificação de Roustaing, embora nociva, foi desculpável pela sua origem, atitude da qual já partilhamos no intuito de contribuir para a fraternidade dos espíritas brasileiros, sobre esta pergunta:

— Por que a FEB, atualmente, insiste em prestigiá-la, quando não mais ignora o seu caráter conflitante com a Codificação de Allan Kardec?

Fonte:

TOURINHO, Nazareno.  As Tolices e Pieguices da Obra de Roustaing – Nazareno Tourinho; ensaio crítico-doutrinário; 1ª edição, Edições Correio Fraterno, São Bernardo do Campo, SP, 1999.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Para onde vamos, realmente?



Por Octávio Caúmo Serrano

Morremos; e agora?

Conversávamos com um espírita amigo que se diz encantado com a lógica da nossa doutrina e ele nos disse: - A única coisa que tenho dúvida se realmente existe é a reencarnação.

Levamos um susto! A reencarnação não só é a pedra angular da doutrina espírita, como o é, também, para entendermos a justiça divina: A LEI DE DEUS!

Ninguém conseguirá dar explicações sobre a desigualdade das pessoas no mundo a não ser pelos resgates e provas necessários que vivemos numa nova encarnação.

Ao consultar o capítulo IV, itens 24 e 25, de O Evangelho Segundo o Espiritismo, temos duas mensagens de São Luiz, 1859, que são esclarecedoras: limites da encarnação e necessidade da encarnação.

Mostra-nos o lúcido espírito que à medida que vamos nos desmaterializando, ainda mesmo na Terra, caminhamos mais rápido para a espiritualização, diminuindo a densidade de nossos corpos, quando chegamos, inclusive, a precisar de menos alimento para nos sustentar. Por que isso se dá? Porque somos diferentes uns dos outros. Não há duas almas iguais como não há a mesma digital em dois seres humanos.

Basta observar a vida para sentir a justiça divina. Enquanto neste momento alguns praticam a caridade, outros roubam, matam ou estupram; enquanto uns estudam e esforçam-se outros vivem nos antros em vícios e jogatinas; enquanto pessoas adotam crianças, outras abortam ou matam por diferentes meios; enquanto há doutores que salvam há outros traficantes de órgãos. Como esperar que ao final da vida todos sigam para o mesmo lugar; como desejar que sejam premiados igualmente!

Em mundos de densidade menor que a Terra nossos corpos são mais leves porque estaremos mais espiritualizados. Deslocaremo-nos sem tanto sacrifício, chegando mesmo a deslizar ou volitar.  Chegará o momento em que nós, espíritos, nos confundiremos com nossos corpos que serão fluídicos. Se hoje temos 68 quilos, vivendo em Marte teríamos 26, na Lua 11 e em Plutão 4,5 kgs. Bem mais fácil de nos movimentar, claro!

Isso todos nós podemos conseguir. Basta viver mais moralmente que materialmente enquanto na Terra, para reencarnar em mundos menos densos. Qualquer outra solução que não o esforço próprio será privilégio. E o único privilégio que Deus concede a seus filhos e dar-lhes oportunidades iguais para que possam lutar pelo próprio progresso. Fora isso, nem pagando, nem rezando, nem vivendo nas clausuras poderemos conseguir. “A cada um segundo suas obras” já nos foi ensinado há milênios. Continua valendo!

Se você é como o meu amigo espírita do começo do texto, cheio de dúvidas, passe a pensar servindo-se do bom senso. Só assim entenderá Deus e concluirá pela importância, justiça e misericórdia da reencarnação. O resto é conversa fiada!

Jornal O Clarim - julho de 2012

Kardec aos cientistas e o livre-pensamento

Por Sérgio Aleixo

Renomado físico teórico brasileiro, radicado nos E.U.A., certa feita disse que “a alma não existe; o cérebro é que é um organismo complexo”. Isso causou o maior alvoroço entre os espíritas que adoram bajular as academias, assim como entre os que entendem que o Espiritismo é uma filosofia, uma ciência apenas. Não causou, porém, nenhuma espécie aos espíritas que compreendem a posição epistêmica do Espiritismo em face da ciência oficializada, bem demonstrada por Kardec já na Introdução de O Livro dos Espíritos, § VII:
As ciências ordinárias assentam nas propriedades da matéria, que se pode experimentar e manipular livremente; os fenômenos espíritas repousam na ação de inteligências dotadas de vontade própria e que nos provam a cada instante não se acharem subordinadas aos nossos caprichos. As observações não podem, portanto, ser feitas da mesma forma; requerem condições especiais e outro ponto de partida. Querer submetê-las aos processos comuns de investigação é estabelecer analogias que não existem. A Ciência, propriamente dita, é, pois, como ciência, incompetente para se pronunciar na questão do Espiritismo: não tem que se ocupar com isso e qualquer que seja o seu julgamento, favorável ou não, nenhum peso poderá ter. O Espiritismo é o resultado de uma convicção pessoal, que os sábios, como indivíduos, podem adquirir, abstração feita da qualidade de sábios. Pretender deferir a questão à Ciência equivaleria a querer que a existência ou não da alma fosse decidida por uma assembléia de físicos ou de astrônomos. Com efeito, o Espiritismo está todo na existência da alma e no seu estado depois da morte. Ora, é soberanamente ilógico imaginar-se que um homem deva ser grande psicologista, porque é eminente matemático ou notável anatomista. Dissecando o corpo humano, o anatomista procura a alma e, porque não a encontra, debaixo do seu escalpelo, como encontra um nervo, ou porque não a vê evolar-se como um gás, conclui que ela não existe, colocado num ponto de vista exclusivamente material. Segue-se que tenha razão contra a opinião universal? Não. Vedes, portanto, que o Espiritismo não é da alçada da Ciência.[1]
De importância modelar para esse dimensionamento também são os pareceres de Kardec já ao final de sua carreira, discorrendo sobre um problema concreto relativo a sua obra A Gênese, de 1868:
Em nossa obra A Gênese, desenvolvemos a teoria da geração espontânea, apresentando-a como uma hipótese provável. Alguns partidários absolutos desta teoria admiraram-se de que não a tivéssemos afirmado como princípio. A isto responderemos que, se a questão está resolvida para uns, não o está para todos, e a prova é que a Ciência ainda está dividida a respeito. Aliás, ela é do domínio científico, onde o Espiritismo não pode colher e onde nada lhe cabe resolver de maneira definitiva, naquilo que não é essencialmente de sua alçada.

Pelo fato de o Espiritismo assimilar todas as ideias progressistas, não se segue que se faça campeão cego de todas as concepções novas, por mais sedutoras que sejam à primeira vista, com o risco de receber, mais tarde, um desmentido da experiência e de se expor ao ridículo de haver patrocinado uma obra inviável.

Se não se pronuncia claramente sobre certas questões controvertidas, não é, como poderiam crer, para condescender com os dois partidos, mas por prudência, e para não se adiantar levianamente num terreno ainda não suficientemente explorado. Eis por que não aceita imediatamente as ideias novas, mesmo as que lhe pareçam justas, senão sob muita reserva, e de maneira definitiva apenas quando chegaram ao estado de verdades reconhecidas.

A questão da geração espontânea está neste número. Para nós, pessoalmente, é uma convicção, e se a tivéssemos tratado numa obra comum, tê-la-íamos resolvido pela afirmativa; mas numa obra constitutiva da Doutrina Espírita, as opiniões individuais não podem fazer lei; não se baseando a Doutrina em probabilidades, não podíamos decidir uma questão de tal gravidade, apenas despontada, e que ainda está em litígio entre os especialistas. Afirmando a coisa sem restrição, teria sido comprometer a Doutrina prematuramente, o que jamais fazemos, mesmo para fazer prevalecerem as nossas simpatias.[2]
Infelizmente, o que se viu depois da morte de Kardec, e até nossos dias, foi os espíritas exorbitarem de ansiedade por converter meio mundo ao Espiritismo e, para tanto, não hesitarem em conferir a hipóteses extraespíritas, pertencentes a pesquisadores de searas alheias, a suposta condição de verdades espíritas. Resultado: todo um cortejo de pseudociências ao desserviço de um movimento espírita desatento às lições do mestre Kardec, que alguns preferem criticar, em vez de assimilar em sua especialidade ímpar: Espiritismo. E quantos são ainda os que ressaltam a mal presumida adoção da geração espontânea como um “erro” de Kardec e, portanto, uma fraqueza de sua obra? Está respondido por ele mesmo que a questão pertence aos especialistas, aos cientistas, não ao Espiritismo, por não ser essencialmente da sua alçada. Assim acontece com todos “erros” de Kardec; só se apresentam como tal àqueles que não compreendem essa perfeita postura epistemológica do método kardeciano, ou aos quais não interessa compreendê-la, por trazer à tona um Kardec atual, válido de fio a pavio e, por isso mesmo, muito inconveniente à implantação de subsistemas inspirados só por vaidade e orgulho pessoais, por elitismos mal contidos, que em nada ajudam a causa espírita.

Outro argumento muito evocado é o livre-pensamento. Num contexto em que o catolicismo era repressor absoluto, com poder de polícia, podia o livre-pensamento ser aliado do Espiritismo, pois facultava, nas suas múltiplas possibilidades, questionar dogmas ancestrais, levando, por vezes, à escolha analítica de uma fé raciocinada, tal a espírita, por exemplo. O que parece que se quer esquecer voluntariamente é que o livre-pensamento faculta também a escolha do ateísmo, do agnosticismo, do niilismo. Hoje, que a influência da Igreja Católica perdeu muito de sua antiga força, o livre-pensamento tem podido conduzir mais persuasivamente ao ateísmo do que a qualquer outra coisa, porquanto a ideia de Deus implica a de submissão a um poder que, de uma forma ou de outra, goza da faculdade de nos regular, e isso, em geral, causa repulsa aos radicais do livre-pensamento que, então, preferem optar pela descrença, ou pelo agnosticismo, para manterem o conforto de sua não vinculação a qualquer linha de pensamento predefinida.

Kardec não deixou de identificar tal situação ao dizer que os livres-pensadores constituem “[...] nova denominação pela qual se designam os que não se sujeitam à opinião de ninguém em matéria de religião e de espiritualidade [...]”. E ao observar: “Esta qualificação não especifica nenhuma crença determinada; pode aplicar-se a todas as nuanças do espiritualismo racional, tanto quanto à mais absoluta incredulidade [...] todo homem que não se guia pela fé cega é, por isto mesmo, livre-pensador. A este título os espíritas também são livres-pensadores”. Foi, contudo, bem sintomática sua verificação final, justo ao encontro de meu alerta:
Mas para os que podem ser chamados os radicais do livre-pensamento, esta designação tem uma acepção mais restrita e, a bem dizer, exclusiva; para estes, ser livre-pensador não é apenas crer no que vê: é não crer em nada; é libertar-se de todo freio, mesmo do temor de Deus e do futuro; a espiritualidade é um estorvo e não a querem. Sob este símbolo da emancipação intelectual, procuram dissimular o que a qualidade de materialista e de ateu tem de repulsivo para a opinião das massas e, coisa singular, é em nome desse símbolo, que parece ser o da tolerância por todas as opiniões, que atiram pedra a quem quer que não pense como eles. Há, pois, uma distinção essencial a fazer entre os que se dizem livres-pensadores, como entre os que se dizem filósofos.[3]
Situando os espíritas entre os livres-pensadores, Kardec o fez estritamente no sentido de que pertencem aos que não se guiam por uma fé cega, portanto, num contexto bem específico; visando atingir, sobretudo, o ilogismo dos dogmas da Igreja Católica. E foi perfeito! Mas como poderia o espírita ser hoje propriamente um livre-pensador? Não está sujeito o espírita aos seus princípios, aos princípios de sua crença, aos quais, voluntária e analiticamente, aderiu mediante a obra de Kardec? Ou será que pode o espírita se divorciar desses princípios numa aventura de livre-pensamento radical, sem todo freio? Sim! Pode. Mas não será mais espírita! Ou será? Pode haver espíritas ateus, agnósticos, niilistas? Vou além... Pode haver espíritas não kardecistas? Todavia é o que se quer, especialmente imputando a Kardec a pecha de dogma, como se a sua capacidade de argumentação racional e a instrução iluminista de seus guias espirituais não lhe tivessem conferido, muito naturalmente, uma liderança mais do que merecida: necessária e missionária. O espírita, pois, não é hoje um livre-pensador, embora tenha, sim, liberdade de pensamento. Aliás, coisas que não se confundem.

Fato é que, para questionar o que lhe parecem dogmas, o livre-pensador de ofício tem de se manter equidistante, o que implica ao menos certo descompromisso com esta ou aquela escola, muito especialmente se afinada com ideias religiosas, como é o caso confesso do Espiritismo. É desse modo que a coisa funciona em nossos dias. Só que a turma dana a escrever por aí de forma deslumbrada e acrítica, sem noção mais ponderada daquilo que está falando na condição de espírita. Sim, porque o problema todo é esse. Ou não é? Se me defino como espírita, posso falar como ateu, agnóstico, niilista? Absolutamente! Passarei essas posturas em revista e as rebaterei com o Espiritismo, se assim minha escolha me possibilitar fazê-lo, porquanto há espíritas tíbios, bem como os há falsos. Todo cuidado é pouco. E vou além novamente... Se me defino como espírita, posso falar como não kardecista, ou antikardecista, valendo-me de “erros” de Kardec a fim de minar seu poder de definir a identidade do Espiritismo? Eu não encontrei ainda esses “erros”, nem me foram apontados por ninguém, que não se devessem à limitação da ciência de época e, por isso mesmo, não tivessem no próprio aconselhamento doutrinário o seu devido corretivo. Onde, pois, qualquer demérito?
O Espiritismo não estabelece como princípio absoluto senão o que se acha evidentemente demonstrado, ou o que ressalta logicamente da observação. Entendendo com todos os ramos da economia social, aos quais dá o apoio das suas próprias descobertas, assimilará sempre todas as doutrinas progressivas, de qualquer ordem que sejam, desde que hajam assumido o estado de verdades práticas e abandonado o domínio da utopia, sem o que ele se suicidaria. Deixando de ser o que é, mentiria à sua origem e ao seu fim providencial. Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará.[4]
O problema é que coisas não demonstradas, ainda mal saídas dos domínios da utopia, sempre aparecem impostas ao Espiritismo como sua superação, atualização, mesmo oriundas das pesquisas parapsíquicas. Os adeptos ponderados precisam estar atentos a isso e evitar a voragem mística, de um lado, e a pseudocientífica, de outro. Se algo não é sequer consenso acadêmico, científico, oficial, por que deveria ser adotado pelo Espiritismo? Nesse caso, o Espiritismo basta a si mesmo. A frequência numa universidade, ou a ostentação de títulos acadêmicos, não confere, a priori, maior credibilidade ao discurso de um espírita feito a outros espíritas, até porque não existe nas universidades, nas academias, nenhum curso de Espiritismo; o máximo que há é o estudo de assuntos relativos ao espírito, mas que nem mesmo assim lá podem ser considerados de antemão, sob pena de não serem dignos de atenção científica.

Alguns têm colado grau com teses que recebem o adjetivo de espíritas. Mas onde já se viu que as academias, tradicionalmente livre-pensantes e, por isso, predominantemente ateias e agnósticas, possam agora avaliar e aprovar mestres ou doutores numa matéria que lhes é, senão indiferente, ao menos alheia: o Espiritismo? Não digo que não possamos ingressar nelas e mesmo nos impor às academias, como segmento legítimo da sociedade que somos: os espíritas. Questiono apenas e tão só a legitimidade dessa tentativa de imposição, a um movimento espírita em geral desatento e deslumbrado, dos subsistemas desses mestres e doutores espíritas. Suas teses, apesar de aprovadas por universidades, não conseguem necessariamente consenso acadêmico, ou científico. Aliás, não sei de nenhuma que já o tenha obtido, mesmo porque não houve sequer tempo para isso. Seria justo que o quisessem obter agora e forçadamente nas lides espíritas? São conhecimentos que podem dinamizar o Espiritismo, ou tentativas precipitadas de reformá-lo após certa frustração no meio científico, onde não vingaram ainda e onde enfrentam a resistência de um meio já cristalizadamente refratário ao espiritual e aos espirituais? São questões que se impõem aos espíritas conscienciosos e mais atentos ao portentoso legado de Kardec.

Vez por outra, aparecem espíritas fazendo ciência no quintal de casa e depois querendo impor isso às academias ou, pior: ao próprio movimento espírita, como superação científica de Kardec... Se querem fazer ciência aos cientistas, que a façam nos termos destes e para estes. Os espíritas a aceitarão de bom grado quando for consenso na academia. Antes disso, o Espiritismo não tem a obrigação de acolhê-la, menos ainda como superação científica de Kardec. Convém lembrar aqui estas reflexões do severo Erasto ao mestre espírita por excelência:
[...] acreditai-me, o Espiritismo, tão rico de fenômenos sublimes e grandiosos, nada tem a ganhar com essas insignificantes manifestações que hábeis prestidigitadores podem imitar. Bem sei o que ireis me dizer: que esses fenômenos são úteis para convencer os incrédulos. Mas sabei que, se não tivésseis outros meios de convicção, não teríeis hoje a centésima parte de espíritas com que podeis contar. Falai aos corações: é esse o caminho da maioria das conversões sérias. Se achais conveniente, para certas pessoas, utilizar-vos dos fenômenos materiais, pelo menos apresentai-os de tal maneira que não possam dar motivo a falsas interpretações. E, sobretudo, observai as condições normais desses fenômenos, porque, apresentados de maneira imprópria, eles servem de argumentos para os incrédulos, em vez de convencê-los.[5]
Para ilustrar minhas reflexões, tomo o caso do ectoplasma por exemplo. Kardec usou esse termo? Nem poderia. É posterior a ele. Uma hipótese de C. Richet para a Metapsíquica. Se esta não conseguiu fazer do ectoplasma um consenso científico para as academias, o que o Espiritismo tem com isso? O problema é que os espíritas, após a morte de Kardec, não seguraram, como eu já disse, a sua ansiedade em querer convencer meio mundo de que o Espiritismo era científico mesmo. E começaram a adotar as hipóteses dos metapsiquistas como comprovações definitivas da Doutrina Espírita; o que foi um absurdo, pois a Doutrina Espírita não se detém nessa que Kardec chamou de a “parte material” da Ciência Espírita. Eram apenas e tão só hipóteses de trabalho daqueles experimentadores. Algumas vezes bem favoráveis ao Espiritismo, doutras nem tanto.

Se é verdade que o Espiritismo de Kardec não se tornou consenso científico, também o é que os que o acusaram de credulidade e tentaram reescrevê-lo também não alcançaram esse consenso. Por que eu, espírita, devo hoje então trocar um por outros? Prefiro Kardec e sua nomenclatura supostamente obsoleta às simples hipóteses de pesquisadores de searas alheias, até porque essas hipóteses parapsíquicas atingem seu melhor quando se aproximam das boas e velhas verdades espíritas. Se um consenso científico houver algum dia sobre quaisquer delas, e ficar provado, por exemplo, que o tal ectoplasma são os fluidos para efeitos físicos, para mim, tudo bem, tudo ótimo. Por ora, trata-se de hipótese extraespírita, nomenclatura do que hoje é considerada uma pseudociência, como, aliás, por sua vez, os metapsiquistas consideraram o Espiritismo. Não é irônico? Quiseram corrigir a suposta credulidade de Kardec e só conseguiram, de seus cultuados pares acadêmicos, um rótulo de pseudociência. Para eles, sentimento de fracasso, porque ambicionavam esse aval subido, sobre o que Kardec nunca fez pesar nem metade da ansiedade que eles nisso tanto concentraram. O curioso é que só foram redimidos (quem diria?) pelos espíritas, que se dignam ainda hoje, e não sem razão, estudar seus trabalhos. O erro está em os espíritas misturarem uma coisa com outra e quererem tornar o Espiritismo uma nova Metapsíquica, com a mesma limitação paradigmática do materialismo acadêmico, que o “pobre” e “crédulo” Kardec logo se encarregou de superar com sua genialidade ímpar, oportunizando à humanidade a pavimentação do caminho destinado aos primeiros mas resolutos passos da construção dessa “Ciência do Infinito”.[6]

Liberdade e responsabilidade têm de andar de mãos dadas. O que desgasta certos livres-pensadores perante espíritas como eu, por exemplo, é a pretensão que têm de querer provar que são mais clarividentes, flexíveis, abertos, ou mais o que possam supor. Mas não o suficiente para atinarem que há espíritas oriundos das escolas que lançam aqueles mesmos questionamentos “blasfemos” de que tanto se ufanam os livres-pensadores. Esses espíritas ex-agnósticos, ex-ateus, ex-niilistas escolheram caminho mais produtivo, que dá sentido à vida e não que o retira; preferiram não permanecer iludindo-se com a falsa sensação de que poderiam ser eternos observadores avançados de uma assim pretendida submissão irracional de todos os demais; preferiram a humildade à arrogância. As pirraças materialistas e agnósticas, emitidas por mestres da suspeita moderna, como Darwin, que considerava a vida um “matadouro a céu aberto”, já deram o que tinham que dar. Descrer é fácil demais. Basta desanimar, entregar-se ao fluxo das paixões e ao egoísmo dissolvente. O instigante é a aventura de crer com base racional e até empírica, essa ousadia tipicamente kardecista! Radicais do livre-pensamento acusam-nos de dogmáticos, e subestimam (mais autoritários que alteritários) algo intransponível no outro: sua escolha. Se esses livres-pensadores não são espíritas por definição, se não podem aceitar as argumentações e explicações que lhes ofertamos, calcados na doutrina que professamos, que se há de fazer? Cada um siga seu caminho, pensando diferentemente, mas nem por isso perdendo a estima recíproca.

[1] F.E.B., 2002, 83.ª ed., p. 28/9.
[2] Revista Espírita. Jul/1868. A Geração Espontânea e A Gênese. F.E.B., 2007, 2.ª ed., p. 285/86.
[3] Revista Espírita. Jan/1867. Olhar Retrospectivo Sobre o Movimento Espírita. F.E.B., 2007, 2.ª ed., p. 22.
[4] KARDEC. A Gênese, I, 55. F.E.B, 2003, 23.ª ed., p. 44/5.
[5] KARDEC. O Livro dos Médiuns, 98. L.A.K.E., 1994, 18.ª ed., p. 102. Pelo espírito Erasto. Grifos meus.
[6] O Livro dos Espíritos. Introdução, § XIII.

Fonte: Ensaios da Hora Extrema - http://ensaiosdahoraextrema.blogspot.com.br/2012/06/kardec-aos-cientistas-e-o-livre.html