sexta-feira, 20 de novembro de 2009

O Batismo para salvar-se

"SE VOCÊS, ESPÍRITAS, NÃO SÃO BATIZADOS, COMO É QUE PODERÃO SALVAR-SE?"

Por Celso Martins

Esta pergunta me foi feita por um amigo. Já houve quem me dissesse que o espírita deve batizar-se, sim, porque até Jesus o foi. A esta pessoa, baseando-me numa argumentação do médium e orador espírita José Raul Teixeira, respondi que João Batista batizou Jesus nas águas do rio Jordão; no entanto, Jesus a ninguém batizou. Demais, nós espíritas devemos procurar fazer tudo quanto Jesus fez, e não praticar tudo o que com Ele fizeram os homens porque, senão, neste descompassado, dentro em breve estaremos pregando em nosso semelhante uma cruz com uma coroa de espinhos!

Outros alegam que o batismo evita que se morra pagão. Ouvi muito esta afirmativa quando eu era criança. Aproveito a para explicar que a palavra vem do latim paganus e não designava, em absoluto, o morador do Pagus.

Quem informa é o ilustre catedrático paulista Silveira Bueno, católico convicto. Designava aquele que, para não servir na romana, fugia das cidades, ia residir nos campos longe de Roma. Quando o Cristianismo triunfou com a aliança dos líderes políticos com os líderes religiosos, ao tempo de Constantino, século III depois de Cristo, deu-se à palavra paganus uma nova semântica, um novo significado. Desde então pagão seria todo aquele que não desejasse servir nas milícias celestiais, todo aquele que não quisesse pertencer ao Catolicismo.

O batismo é um ritual muito mais antigo do que comum ente se pensa. Vem dos povos mais antigos, dos gregos, dos egípcios e dos hindus. As religiões tradicionalistas, ainda hoje, às panas do século XXI, insistem em conservá-lo, no que nada temos que ver. E um direito que elas têm e não seremos nós, os espíritas, que iremos cercear o lívre-arbítrio de quem quer que seja, desde que não haja prejuízo alheio. Só que a Doutrina Espírita pura e simplesmente dispensa este ritual. Ou qualquer outro ritual também como preces especiais, casamentos religiosos, oferendas ou coisas do gênero. Perdão se me torno repetitivo, porém penso como Napoleão, segundo o qual a mais importante figura da retórica é a repetição.

O meu missivista, como ia dizendo, indagava como é que o espírita iria salvar-se pois que não fora batizado. E porque talvez algum leitor amigo se defronte com esta mesma questão, atrevo-me sumariar a resposta enviada a ele. Devemos sempre fazer o devido esclarecimento espírita do assuntos que nos são apresentados.

Bem, pessoalmente, para usar de sinceridade, eu não aprecio esta palavra salvação, não. Prefiro a expressão redenção ou libertação espiritual, salvação, a meu ver, no que posso até estar errado, porque sou míope para longe e para perto, seria o oposto de perdição. Como não aceito a idéia de que Deus, definido por Jesus como Amor, deixe perder-se para sempre um de seus filhos, dou preferência à redenção ou libertação espiritual.

Mesmo porque Jesus declarou: "Conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará."(João, cap. 8 vers. 32) O que liberta a criatura do sofrimento, decorrente da violação às leis divinas, é a prática genuína e desinteressada do BEM. É a vivência espontânea da fraternidade. É a vontade ardente de ver no semelhante um seu irmão para progredir, daí ser merecedor de melhores demonstrações de estima e consideração.

Neste contexto, cabem duas palavras acerca do preconceito. Do preconceito racial, por exemplo. Determinado confrade fez um teste com um grupo de espíritas. Cada um dos componentes daquela brincadeira deveria fechar os olhos e imaginar-se sendo assaltado. O leitor amigo poderá dizer qual foi a cor do assaltante imaginado pelos confrades espíritas envolvidos naquela experiência brejeira, porém, muito significativa !

O que liberta a criatura é a prática da CARIDADE, que, segundo uma definição do Irmão X, escrevendo pelo médium Chico Xavier, é servir sem descanso, é cooperar espontaneamente nas boas obras da comunidade, sem aguardar o convite ou o agradecimento dos outros, é não incomodar aquele que trabalha, é suportar sem revolta as limitações alheias, auxiliando o próximo a superá-las.

O que liberta a criatura da ignorância é a leitura de livros que nos dizem porque vivemos, para onde iremos depois da morte do corpo físico (se é que ele morre) pois em verdade até ele simplesmente se transforma). Contudo, não basta a leitura. É necessária a sua reflexão. Impõe-se a vivência dos seus ensinos. Pois como já reconhecia Daudet, quanta gente há, em cuja poder-se-ia escrever "para uso externo", como nas garrafas das farmácias. Quer dizer, ler por ler simplesmente não vale a pena. Mister se faz modificar o comportamento, ampliar o horizonte cultural, aprofundar a análise do porquê da vida e sobretudo, repito, vivenciar o que os bons livros nos ensinam em termos de crescimento moral e espiritual.

O que liberta a criatura de suas imperfeicões é o seu desejo de despojar-se de seus vícíos morais como a inveja, a cobiça, o ciúme, a ira, forcejando por ser mais paciente, mais humilde, mais prudente, mais humano diante das dores alheias, mais tolerante diante das falhas da outra pessoas, sem cair na alienação dizendo amém a tudo e a todos, com esta atitude muito cômoda concordando com erros que não podem de jeito nenhum contar com a nossa anuência.

O que liberta a criatura não é o batismo que recebeu em criança ou já adulto ao aceitar esta ou aquela seita religiosa. Não. O que liberta a criatura de seus erros do passado e de suas limitações atuais é este esforço diuturno de observar, na vida diária, tudo quanto o Cristo nos ensinou através da força do exemplo!

Fonte: Jornal Espírita - janeiro/08

A má fé dos novos tradutores da Bíblia

"A NEURA PARA TUDO ISSO É A NÃO ACEITAÇÃO DA COMUNICAÇÃO COM OS ESPÍRITOS".

Por Altamirando Carneiro

Há dias recebi um e-mail interessante sobre as falsas traduções da Bíblia, perpetradas por aqueles que se dizem seus modernos tradutores, pretensos estudiosos, que cometem o erro infantil de dar falsos conselhos contra o Espiritismo, verdadeira infâmia, pois o Espiritismo surgiu no século 19, muito tempo deepois das traduções iniciais da Bíblia.

Tal atitude desmente a afirmação desses religiosos que têm a Bíblia como sua regra de fé e prática, de que os referidos textos estão em conformidade com os textos originais.

O texto do e-mail enfatiza: "É certo que as alterações começaram pelos próprios gregos, mas se para a maioria, os textos são fiéis aos originais, por que as casas publicadoras vivem fazendo correções? Estarão consertando os erros de Deus ou ajeitando o texto propositadamente, segundo interesses pessoais?

A neura para tudo isso é o diálogo com os Espíritos, que na cabeça dessas pessoas é um erro. E a passagem do Velho Testamento a que se apegam é o Deuteronômio, 18:10-11 (a respeito da proibição de consultar os mortos), onde cada casa publicadora coloca o que quer, no intuito de atacar o Espiritismo.

Como sabemos, na lei mosaica, há duas parrtes distintas: a lei de Deus, promulgada no monte Sinai, e a lei civil ou disciplinar, decretada por Moiisés. A primeira é invariável e a outra, apropriada aos costumes e ao caráter do povo, se modifica com o tempo.

Uma dessas leis foi a proibição de conversar com os Espíritos, por haver muita banalidade nas comunicações e a tentativa do próprio Moisés tentar implantar o monoteísmo, pois o povo acreditava que os Espíritos que se manifestavam eram deuses.

Segue a análise das recomendações citadas nessa passagem:

10 - que em teu meio não se encontre alguém que queime seu filho ou sua filha, nem que faça presságio, oráculo, adivinhação ou magia (tradução da Bíblia de Jerusalém) - católica.

10 - Entre ti não se achará quem faça passar pelo fogo o seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoreiro, nem feiticeiro (tradução de João Ferreira de Almeida) - protestante.

Bíblias católicas - (11)

Bíblia de Jerusalém: ou que pratique encantamentos, que interrogue espíritos ou adivinhos, ou ainda que invoque os mortos.

Barsa: que consulte Píton, adivinhos, nem quem indague dos mortos a verdade.

Ave Maria: Espiritismo - à advinhação - à evocação dos mortos.

Paulinas: consulte aos nigromantes - adivinhos - indague dos mortos a verdade.

Santuário: Espiritismo - aos sortilégios - à evocação dos mortos.

do Peregrino: Espiritistas - adivinhos - nem necromantes.

Vozes: que consulte médiuns, que interrogue espíritos, evoque os mortos.

Pastoral: consulte espíritos - adivinhos - invoque os mortos.

Bíblias protestantes: (11)

SBB: nem encantador de encantamentos, nem quem consulte um espírito adivinhante, nem mágico, nem quem consulte os mortos.

Novo Mundo: alguém que vá consultar um médium espírita - um prognosticador profissional de eventos - consulte os mortos.

Mundo Cristão: Necromante - mágico - consulte os mortos.

Há um episódio que os pastores e padres não citam, mas que consta em todas as traduções da Bíblia. Está no livro Números, 11: 26 a 29, sobre a reunião dos setenta médiuns na tenda, para a manifestação de Jeová.

Eldad e Medad haviam ficado no campo. E lá foram tomados e profetizaram, isto é, deram comunicações de Espíritos. Um jovem denunciou o fato a Josué, que pediu a Moisés que proibisse as comunicações.

A resposta de Moisés é uma chicotada aos detratores do Espiritismo e da mediunidade (que não é um privilégio dos espíritas):

Estás ciumento por minha causa? Oxalá todo o povo de lahweh fosse profeta, dando-lhe lahweh o seu Espírito! (Bíblia de Jerusalém); Porém Moisés lhe disse: Tens tu ciúmes de mim? Tomara que todo o povo do SENHOR fosse profeta, que o SENHOR lhes desse o seu Espírito! (Tradução de João Ferreira de Almeida) - protestante.

No livro Visão espírita da Bíblia (Edições Correio Fraterno), Herculano Pires comenta a explicação do professor Romeu do Amaral Camargo, que foi diácono da I Igreja Presbiteriana de São Paulo e autor do livro espírita De cá e de lá:

"Médium de extraordinárias faculdades, Moisés sabia que Eldad e Medad não eram mercenários nem mistificadores, não procuravam comunicar-se com o mundo invisível, mas eram procurados pelos Espíritos".

Fonte: Jornal Espírita - setembro/09


quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Aqui é um Centro Espírita?

Por David Bianchini

Aqui é um Centro Espírita?

Paulo silenciou por alguns instantes. A pergunta, que sempre tivera uma resposta automática, agora o levava a profundas reflexões. Aquelas paredes, as reuniões e todas aquelas pessoas que vinham em busca de auxílio...

Lembrou-se de como tudo começara. Fora a vontade de ajudar uma senhora, carinhosamente chamada de Naná por todos que a conheciam, já idosa e de cabelos brancos, portadora de interessantes dons mediúnicos, que o levou a reunir um grupo de amigos, alugar uma casa e iniciar um trabalho mais organizado de ajuda aos que vinham buscar, naqueles dons, lenitivo para suas dores.

E eram muitos os que chegavam e que ajudados partiam, voltando outras vezes com outros pedidos ou com amigos também desesperados. Muitos, multidões. Esses mesmos é que chamaram o lugar de Centro Espírita. Talvez, porque acontecesse o aconselhamento aos desesperados, por Espíritos que falavam com os recursos de Dona Naná, ou por causa da água que depois da prece parecia curar as dores de alguns, ou mesmo da paz que todos levavam de volta a seus lares quando partiam...

Mas, cismava Paulo, seria ali um Centro Espírita?

De início, ele sempre sorria e afirmava confiante que ali era o Centro Espírita da Dona Naná. Aceitara sem questionar a afirmação, até que lhe perguntaram o que significava a palavra "espírita"? Percebendo sua ignorância, e como era um dos responsáveis pelo lugar, saiu à procura do conhecimento. Então descobriu Kardec, a Codificação e se pôs a estudar e a refletir... Percebeu que os fenômenos mediúnicos aconteciam desde há muito tempo e em diversas escolas religiosas.

Exemplos claros de mediunismo se percebem nos cultos afro-brasileiros, na manifestação do "espírito santo" que cura nos cultos evangélicos, assim como estiveram presentes nas pitonisas e adivinhos nas religiões do passado.

O fato de ser uma casa onde se manifestam os Espíritos, portanto, não bastaria para que o local fosse denominado ou credenciado como "Centro Espírita". Outros locais também prestavam socorro aos necessitados. Sem conotações religiosas, muitos homens de boa vontade se organizam na prática da solidariedade, objetivando minimizar o sofrimento humano.

São tantas outras "casas e centros" não religiosos que reequilibram socialmente as pessoas que batem às suas portas, em busca de apoio e orientação, e que trabalham para uma vida social mais justa e harmoniosa. Tão só ministrar essa ajuda solidária não caracteriza uma casa como Centro Espírita, mesmo que um "bom Espírito" esteja na orientação dessas atividades caridosas.

Paulo compreendeu que nem mesmo a junção das duas características acima seriam suficientes para caracterizar corretamente o Centro Espírita. Recordou que as palavras Espiritismo e espírita (ou ainda espiritista) só passaram a figurar dos dicionários a partir do instante em que Allan Kardec criou esses termos para designar a Doutrina que codificara e os seus seguidores.

O senso comum, presente no povo, a tudo dava uma feição generalizada e simplória. Mas os dirigentes e semeadores da Terceira Revelação - percebeu Paulo - não podem equivocar-se quanto aos princípios e os postulados básicos dessa Doutrina, pois serão cegos a conduzir outros cegos!

O papel do Centro Espírita transcende o auxílio material e o serviço solidário. Em primeiro lugar, é escola da alma. No Centro Espírita compreendemos o significado da existência, o porquê das vicissitudes que enfrentamos em nossa jornada terrena. Nele, bebemos as lições que o Espírito de Verdade veio trazer à Terra, revelando-nos uma nova visão de Deus e ensejando-nos o entendimento ampliado das leis que regem a vida em todos os cantos do universo.

Antes do conforto material dispensado ao carente, antes da cura de uma enfermidade, o Centro Espírita é caminho para o entendimento do Evangelho de Jesus. É o ponto de luz, o farol a clarear a senda escura de quem procura a Verdade. Aí reside sua maior finalidade: educar o ser humano, no sentido mais profundo do termo, para ultrapassar os limites temporais da existência corpórea e enxergar-se como Espírito imortal, viajante no tempo, herdeiro de suas ações e construtor do seu amanhã.

Tem o Centro Espírita, por missão, libertar a criatura dos condicionamentos psicológicos a que foi acorrentada, durante séculos, pelas igrejas dogmáticas, que tanto medo infundiram nas massas com um Deus impiedoso ameaçando as consciências culpadas com as labaredas do fogo eterno...

O Centro Espírita, que educa o ser, constrói a consciência, fortalece a vontade para o bom combate. Falamos da luta travada contra as próprias imperfeições, a luta contra o orgulho e o egoísmo.

Para que um Centro possa ser verdadeiramente Espírita, será preciso, portanto, que assuma primeiramente esse papel de condutor de almas. Do contrário, poderá reduzir-se a um posto distribuidor de víveres ou fornecedor de passes, água energizada, aconselhamentos e paparicos, correndo assim mesmo o risco de ouvir as queixas da ingratidão.

Ensinemos, por isso, aos que mendigam a luz, o caminho do autoconhecimento e da transformação moral. Ao pão do corpo, acrescentemos o alimento para a alma, que está no Evangelho de Jesus, desdobrado no conhecimento espírita. E, em vez do passe compulsório, apontemos o serviço da caridade, em favor de si mesmo e do semelhante.

Agindo assim, poderá o dirigente responder com segurança à indagação, dizendo: Sim, aqui é um Centro Espírita.

Extraído do jornal Alavanca - jan/98

"Para que um Centro possa ser verdadeiramente Espírita, será preciso, portanto, que assuma primeiramente esse papel de condutor de almas..."

(Jornal Mundo Espírita de Março de 1998)

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Comunicações mediúnicas: um esclarecimento indispensável

Por Roni Couto

Está certo que alguns artigos, sites e boletins já haviam questionado o caos das comunicações mediúnicas. Inclusive nós, ao comparar o correio eletrônico com o mediúnico, concluímos sobre a dificuldade em se identificar com segurança o autor. Porque, conforme garantiu o mestre Kardec, se uma pedra for evocada em uma reunião mediúnica, podemos ter certeza de que ela irá responder.1

Tendo chegado a um momento delicado, em que espíritos mantêm até blogs (!!) para a divulgação de ideias bizarras, que espalham-se sob a assinatura de nomes respeitáveis do movimento espírita, é mais que oportuna a mensagem de Manoel Philomeno de Miranda, psicografada em abril deste ano por Divaldo Pereira Franco. Em “Advertência aos médiuns”, publicada na revista Reformador (julho de 2009), Philomeno explica o que está cada vez mais claro: diversos médiuns estão orientando sua atividade mediúnica pela vaidade, autopromovendo-se e divulgando intensamente pretensas novas revelações. A consequência dessa fascinação, para os médiuns, instrumentos voluntários da confusão, não é tão somente a ilusão do aplauso e a frustração de falhar na mais importante tarefa de suas atuais encarnações. Terão de responder por maiores estragos, que têm alcançado a divulgação e o movimento espíritas de forma nociva. Médiuns que detêm suas próprias editoras dão livre curso a ideias bizarras e personalistas, que nada têm a ver com o Espiritismo, mas que são estrategicamente organizadas para que o erro se misture com o acerto. Quanto ao fundo, são ideias que desfiguram o Espiritismo, forçam uma permissividade com relação à manifestação mediúnica e fazem das lições transformadoras do Evangelho uma coleção confusa de regras, à maneira da autoajuda, o que já faz com que certos agrupamentos tenham todo o aspecto de uma seita, que seguem um líder - o médium - e não a doutrina que, em última análise, não está presente.

Esse é o contexto para o qual Manoel Philomeno intenta alertar, com a autoridade que lhe cabe no assunto.

As críticas, é claro, não têm sido muito bem recebidas por médiuns e simpatizantes das novas “revelações”. E isso é muito estranho, porque deveríamos nos importar com a Verdade – com letra maiúscula –, ou seja, com o conhecimento da realidade, e não com a adequação das teorias segundo nossas preferências. Afinal, deve ser triste acreditar na mentira. Porém, algo faz com que a crença em uma ideia ou teoria torne-se parte da emoção do seguidor. Por isso, ir contra suas ideias tem o mesmo efeito de questionar suas emoções.

O esclarecimento é necessário e urgente. O espírita tem a obrigação de refletir sobre o que lê e ouve, buscando também conhecer as análises que são feitas sobre as novidades mediúnicas, porque, caso contrário, poderá estar sob forte engano, o que será uma grande perda de tempo.

Médiuns sob perigo

O médium sincero, escreve Philomeno, está sempre em perigo, mais do que qualquer outro trabalhador da seara. Torna-se inimigo gratuito de espíritos inferiores, dedicados ao mal, contrários a todos que “lhes pareçam ameaçar a situação em que se encontram”.

Desde os primeiros estudos na mocidade espírita ouvíramos que o médium não é um imã, um atrator de espíritos errantes. Não é mesmo. O que atrai espíritos é a semelhança de pensamentos e sentimentos, seja qual for a qualidade. Portanto, todos atraímos espíritos. Entretanto, Philomeno refere-se à situação oposta, em que o médium é atraído para as armadilhas que poderão atrapalhar sua atividade mediúnica. Nesse caso, o médium é o alvo e o instrumento da perturbação.

Sobre as atuais “revelações”, que não resistem a uma simples análise, Philomeno afirma:

“Examinar com cuidado as comunicações de que se faz portador, evitando a divulgação insensata de temas geradores de polêmica, a pretexto de revelações retumbantes, e defendê-los, constitui inadvertência e presunção, por considerar-se como o vaso escolhido para as informações de alto coturno, que o mundo espiritual libera somente quando isso se faz necessário”.

Embora a euforia e a “paixão” que o assunto tem gerado, é preciso refletir e analisar, o que os “novos reveladores” também não deixam de aconselhar.

Estamos todos vivendo sob o risco do erro, do engano ou da perda de tempo. Inclusive quem escreve essas linhas pode também tropeçar, assim como acredita que há erro nas ideias de determinados espíritos. Deve haver liberdade para a aceitação ou a rejeição.

Para uns e outros, porém, não haverá desculpas, a advertência está no ar.

1 O Livro dos Médiuns, capítulo XXV (Das Evocações), item 283.

Escolha das Provas: é possível escolher fazer o mal?

Por Carlos Augusto Parchen

Recebemos, recentemente, a seguinte pergunta: "pode um espírito escolher, como prova para sua próxima encarnação, ser um criminoso ou praticar o mal?"

Vamos abordar tal questão.

Em O Livro dos Espíritos, Kardec faz uma abordagem geral da escolha das provas, sem no entanto explicitar todas as situações onde isso ocorre e onde isso não ocorre.

A escolha das provas, de maneira livre e consciente pelos espíritos desencarnados, só é possível quando o espírito tem um certo grau de conhecimento, discernimento e qualidades morais para tal.

Na verdade, do modo que os espíritos respondem da questão 258 em diante, bem genericamente, pode-se interpretar, com uma leitura inicial e não aprofundada e complementada pelas outras obras, que todos os espíritos escolhem livre e conscientemente suas provas na erraticidade.

Mas não é isso que está dito, o que é confirmado pela Leitura de O Evangelho Segundo o Espiritismo e das outras obras básicas. O que se pretende dizer é que o Espírito, ao exercitar o livre arbítrio, quer como encarnado, quer como desencarnado, em suas atitudes e trânsito perante as Leis Divinas, estabelece automaticamente para si as suas provações e, portanto as "escolheu" livremente, por sua própria vontade.

Na realidade, não haveria necessidade nenhuma de que os espíritos pudessem, na erraticidade, "escolher" provas e expiações, pois a Lei de Causa e Efeito, a Lei de Ação e Reação, a Lei de Justiça já registraram no perispírito e na mente do espírito as energias e tendências que o farão enfrentar as provas e expiações que necessite passar. Isso é automático e faz parte da justiça Divina e da Lei Natural.

É por isso que só a espíritos um pouco mais esclarecidos é dado a oportunidade de "escolher" suas provas e expiações, mas mesmo assim, é preciso lembrar que o livre arbítrio é inviolável, e que o espírito não lembrará, depois de encarnado, que "escolheu" isto ou aquilo, e poderá tomar atitudes e decisões que levem ao caminho completamente oposto do "escolhido".

Isto é uma verdade peremptória, pois se assim não fosse, nós seríamos "robôs", autômatos", "marionetes", ou seja, teríamos instalado o determinismo, que a Doutrina Espírita tão bem nos explica que não existe.

Infelizmente, muitos espíritas "estudam" espiritismo apenas pela "metade", não estudam o conjunto da obra de Kardec, e tomam romances como livros ou obras básicas, o que não é verdade. O livro "Nosso lar", por exemplo é fantástico, que trouxe novos conhecimentos, mas é um romance, descreve apenas uma situação, uma pequena parte da realidade, que não pode ser extrapolada para todo o plano espiritual. Muitos conhecimentos estão "romanceados", e são, guardadas as devidas proporções, como as parábolas do Mestre Jesus, onde se deve buscar o sentido oculto na alegoria (no "romanceado").

Respondendo objetivamente a pergunta, ninguém pode escolher como prova fazer o mal, pois a pessoa que quer, conscientemente, praticar o mal, tem o mal dentro de si, e enquanto estiver neste estado, não escolherá suas provas e expiações na erraticidade. Elas serão determinadas automaticamente pelo registro energético no perispírito e pelo registro moral na inteligência, ou seja, pelo "karma" daquele espírito.

Pelas conseqüências de sua(s) vida(s) passada(s), ou seja, por sua livre escolha e vontade, pois exerceu o livre arbítrio, o espírito "determina" automaticamente em que condições sociais, econômicas, culturais e com qual patrimônio genético vai reencarnar. Pode nascer num lugar onde exista o mal, e para progredir, terá que vencer as influências, as tendências, as deficiências físicas, etc.

Tudo nos é permitido, pois temos livre arbítrio, mas isso não será determinado pelo espírito na escolha de suas provas lá no plano espiritual, mas sim pelo seu comportamento perante o que vai enfrentar na reencarnação, o que é decorrente do registro das suas infrações ou acertos no trânsito da Lei Divina ou Natural, ou seja, pelas conseqüências de seus débitos ou créditos na caminhada evolutiva.

Assim como Deus não pune ninguém, não aplica castigos, por ser absolutamente desnecessário, pois cada um planta em si mesmo a conseqüência de seus atos, tendo por obrigação a colheita de seus próprios frutos, a "escolha" de um "rol de provas e expiações" também seria completamente desnecessário, até mesmo inútil, pois já estabelecemos em nossa caminhada como será pavimentado e aberto o próximo caminho.

Mas continuaremos com o livre arbítrio de a cada dia traçar novos rumos, abrir trilhas, seguir desvios, sejam elas para crescimento ou para estagnação no erro e no mal.

A Justiça Divina é perfeita, sua lógica irrefutável. Cabe a nós mudarmos paradigmas e abrirmos mentes e corações para analisar essa bela Doutrina que foi codificada por Kardec.

Sem dogmas, sem fanatismo, com muito amor, seguindo a grande máxima: "Espíritas: Amai-vos e Instruí-vos"!

Reuniões e Sociedades

Observando o interesse crescente pelo Espiritismo a expressar-se no aumento incessante do número de grupos, não raro familiares, que se formavam por toda a parte para o intercâmbio com o mundo espiritual e o estudo das comunicações mediúnicas, preocupou-se Allan Kardec em oferecer sugestões e diretrizes para essas atividades, objetivo esse a que dedicou os capítulos finais de "O Livro dos Médiuns", além de comentários que incluiu na "Revista Espírita".

O modelo proposto pelo Codificador, não hierarquizado, não profissional (sem sacerdócio) e com plena autonomia para os grupos e sociedades é o adotado até hoje no movimento espírita, com resultados plenamente satisfatórios. É interessante lembrar que ele chama de reuniões os grupos, em geral pequenos, que mantinham atividades regulares sem estarem formalmente organizados, e sociedades os agrupamentos maiores que se constituíam legalmente, com registro perante as autoridades competentes. Tanto num como noutro caso, no entanto, eram as mesmas as recomendações relativas à seriedade de propósitos e compreensão, por parte dos integrantes, quanto à natureza e objetivos do Espiritismo - a nossa melhoria individual e coletiva - como fatores decisivos para o bom resultado das atividades.

Destacou igualmente o Codificador as vantagens do trabalho em grupo para o exercício da mediunidade, cuja produção seria examinada por várias pessoas, estabelecendo-se, assim, maior proteção aos médiuns contra o eventual assédio de entidades ainda ignorantes ou orgulhosas, interessadas em fazerem prevalecer suas teorias e pontos de vista pessoais ou, até mesmo, em desorganizar e paralisar as atividades. O preparo dos medianeiros, mediante o estudo e a conscientização quanto ao seu papel e compromissos, bem como a postura responsável dos demais componentes das reuniões, constituiriam antídoto eficaz contra tais percalços. É compreensível que nos primeiros tempos do Espiritismo muitos não lhe compreendessem a essência e os objetivos, vendo nas reuniões que então se realizavam uma espécie de passatempo mais ou menos interessante, e na mediunidade um meio de comunicação com os desencarnados para o trato de questões triviais, ligadas à vida material. Essa atitude, contudo, não mais se justifica modernamente onde quer que esteja acessível a informação espírita (literatura, periódicos, internet), particularmente a Codificação, onde a natureza e finalidades da Doutrina Espírita são apresentadas com toda a clareza.

O movimento espírita continua crescendo e novos grupos surgem em todo o mundo achando-se já estabelecida em vários países a organização em moldes federativos. Prosseguem, no entanto, plenamente atuais as recomendações de Kardec quanto à necessidade do conhecimento - a ser obtido por meio do estudo - dos princípios e diretrizes do Espiritismo, bem como de sua aplicação na conduta pessoal de seus adeptos como fatores decisivos para a continuidade e êxito de suas atividades.

"O Livro dos Médiuns" (capítulo 29, item 334).

Fonte: SEI - Serviço Espírita de Informações - 16-30/11/2009 - nº 2169

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Kardec - Defensor do Espiritismo

Ao longo de sua vida, Kardec teve de enfrentar inúmeros desafios, insultos e injúrias dirigidas tanto ao Espiritismo quanto à sua conduta pessoal como codificador da Doutrina. Os ataques, geralmente gratuitos ou movidos por interesses escusos, foram devidamente rebatidos por Kardec, principalmente nas páginas da Revista Espírita.

Por Eurípedes Kühl

Nosso objetivo aqui não é remoer o passado infeliz, mas sim pôr a descoberto para os espíritas de hoje como Kardec é para nós um modelo-defensor, a toda vez que o Espiritismo seja alvo de aleivosias que, infelizmente, ainda ocorrem com freqüência.

Será sempre útil conhecermos o amor puro que ele dedicou à Doutrina dos Espíritos e as lutas que teve que enfrentar em sua defesa.

Seu exemplo não pode, de maneira alguma, deixar de ser seguido sempre que idênticas ocasiões se apresentem para nós. Esse é um dever e mesmo um compromisso a que não deveremos jamais nos recusar ou omitir.

A data de nascimento do Espiritismo é a mesma da de Allan Kardec: 18 de abril de 1857. Certidão de ambos inexistem, em termos cartorários. Com efeito, ninguém jamais encontrará nos registros cíveis da França o nome de Allan Kardec, e entretanto esse personagem francês é bem conhecido pela história mundial.

Explica-se: em 3 de outubro de 1804, na cidade de Lyon (França), nasceu Hippolyte-Léon-Denizard Rivail, descendente de antiga família lionesa, católica, de nobres e dignas tradições. Ele se tornaria famoso por seus invulgares dotes morais e intelectuais, inteiramente voltados para a educação, como professor e tradutor, além de autor de inúmeras obras pedagógicas destinadas à instrução primária, secundária e até mesmo superior, algumas com aplicação até hoje na França.

Aos 50 anos de idade, o professor Hippolyte era membro efetivo de doze associações culturais francesas. Foi por essa época que teve a atenção voltada para os espetáculos públicos das chamadas “mesas girantes e dançantes” (mesas que se erguiam nos ares, desenhavam movimentos e respondiam, por pancadas, às perguntas dos circunstantes). Tais espetáculos eram então verdadeira epidemia no mundo.

Investigando o insólito fenômeno, seu cérebro privilegiado detectou que só por forças desconhecidas aquilo poderia acontecer: forças pensantes. Daí a atinar serem espíritos que, através de intermediação com encarnados, “davam vida e inteligência” à matéria, foi uma brilhante dedução, tão desapercebida à maioria das pessoas quanto simples, qual o “ovo de Colombo”.

DECIDIDO A “PÔR EM PRATOS LIMPOS” TAIS FENÔMENOS, valendo-se do invulgar tirocínio que abrilhantava sua mente e trilhando metodologia científica, não tardou a comprovar que os chamados “mortos” viviam além-túmulo. E mais, que esses tais, em circunstâncias naturais, com intermediação de encarnados (médiuns), podiam dialogar com aqueles que ainda não tinham ido para o reino “das sombras”.

A esse intercâmbio entre o plano material e o espiritual, denominou mediunidade. Descobriu logo que “do lado de lá” não existiam apenas “sombras”, bem ao contrário: de lá se originavam muitas luzes, permanentemente disponíveis àqueles que concedessem à razão uma chance de comprová-lo. Ele concedeu!

Num trabalho altamente didático, valendo-se de vários médiuns desconhecidos entre si, formulou centenas de perguntas “aos mortos” e deles obteve resposta para todas, paralelas no conteúdo, consentâneas com a lógica.

Com impecável pedagogia, garimpou esse farto material e catalogou-o em código, daí resultando as chamadas cinco “obras básicas”.

Não querendo comprometer a Doutrina dos Espíritos à sua já enaltecida carreira de homem público, houve por bem adotar o pseudônimo de Allan Kardec. Porém, ali se inaugurava um ciclo de grandes dificuldades para ele e esposa.

Em todos os campos da atividade humana, em todos os tempos, sempre ocorre de idéias novas não serem aceitas “a priori”, mas apenas após duros embates daqueles que as formulam, ou após a vida diplomá-las com o selo da verdade. O Espiritismo não ficou indene a tais investidas.

Mas, como não existe força no universo superior à “força da razão”, que será sempre vitoriosa nos embates contra aqueles que querem ter “razão à força”, também as multiplicadas críticas ao Espiritismo, eivadas de injúrias e controvérsias, não resistiram. Como jamais resistirão!

Allan Kardec codificou o Espiritismo e nele palmilhou por 12 anos. Foram anos difíceis, de permanentes ataques à nova ordem filosófica, bem como a ele próprio, “que não foi poupado, sequer, nos assuntos de sua vida pessoal, privada. Um escândalo que envolvesse dinheiro, riquezas, bem que serviria para ferir fundo os propósitos que o animavam, da implantação por tantos indesejada de uma Doutrina como a do Consolador prometido por Jesus. As acusações partiram de toda parte, de sacerdotes e de vários indivíduos e organizações (...) Houve até verdadeiros traidores, criaturas perturbadas e de intenções as mais sórdidas e torpes no movimento nascente, na própria Sociedade de Paris” (as notas foram extraídas da coleção Revista Espírita, 1858-69, e da obra Allan Kardec — Pesquisa Biobibliográfica e Ensaios de Interpretação, 11 Volume, de Zêus Wantuil e Francisco Thiesen. Ed. FEB, 1973).

SENTINDO QUE O ALTO O CREDENCIARA para tão glorioso cometimento, Kardec manteve-se destemido, atento, “o capitão e o alferes”, como ele próprio o diria, uma vez, num desabafo.

Kardec rebateu às inúmeras ofensas ao Espiritismo (e a ele próprio), a todas, apelando sempre para o bom senso e para a lógica, clareando as mentes agressoras com o ensino dos Espíritos. Aqui, vamos apresentar de forma sintética apenas alguns desagravos, mostrando como a inteligência e a evolução espiritual do Codificador o tornaram inigualável defensor do Espiritismo.

Na Revista Espírita de dezembro de 1859, responde a um articulista que lançara o ridículo sobre a ação dos espíritos que giravam mesas, sobre a “nova doutrina” (o Espiritismo), bem como aos seus partidários dizendo-lhe:

“(..) parece que não amais as doutrinas; cada um com seu gosto; todo o mundo não gosta da mesma coisa: somente direi que não sei muito a qual papel intelectual o homem seria reduzido se, desde que está sobre a Terra, não tivesse doutrinas que, fazendo-o refletir, o tirasse do estado passivo da brutalidade”.

Ainda na mesma revista, Kardec assim respondeu a um sacerdote que, discorrendo sobre o Espiritismo por volta de 1859, dissera que há os que em nada crêem: “(..) é prudente não nos pronunciarmos com muita leviandade a respeito de coisas que não conhecemos”. Na Revista Espírita de 1860, Kardec se expressou: “(...) deixando aos nossos contraditores o triste privilégio das injúrias e das alusões ofensivas, não os seguiremos no terreno de uma controvérsia sem objetivo (...) Estudai primeiro e veremos em seguida. Temos outras coisas a fazer do que falar àqueles que não querem ouvir”.

Na Revista Espírita de dezembro de 1861, há a narração do tenebroso “Auto-de-fé de Barcelona” (Espanha), pelo qual, em 9 de outubro de 1861, justamente no local onde eram executados os criminosos condenados à pena de morte, a Inquisição espanhola, representada por um padre revestido dos trajes sacerdotais próprios para o ato, tendo numa das mãos uma cruz, e na outra uma tocha, queimou em praça pública centenas de livros espíritas, dentre os quais O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O que é o Espiritismo, todos de Allan Kardec; coleções da Revue Spiritualiste, redigida por Piérat; Fragmento de Sonata, ditado pelo espírito de Mozart ao médium Sr. Bryon-Dorgeval; Carta de um Católico Sobre o Espiritismo, pelo Dr. Grand, antigo vice-cônsul de França; História de Joana D’Arc, ditada por ela mesma a Srta. Ermance Dufaux, de 14 anos de idade; e por fim A Realidade dos Espíritos Demonstrada pela Escrita Direta, do barão de Guldenstubbé.

O século não mais comportava aquela cena tão bizarra quanto ridícula, mas a praça estava atravancada por uma multidão que a tudo assistia, espantada.

Para não nos alongarmos, apenas uma frase de Kardec sobre o assunto: “Se examinarmos este processo sob o ponto de vista de suas conseqüências, desde logo vemos que todos são unânimes em dizer que nada podia ter sido mais útil para o Espiritismo”.

E como foi! No mundo todo, mentes se agitaram e buscaram avidamente conhecer o conteúdo de tão “pernicioso material” destruído naquelas “chamas salvadoras”.

Na Revista Espírita de 1862, nas páginas 179/183, num artigo intitulado Eis Como Escrevem a História!, e sub intitulado Os Milhões de Allan Kardec, o mestre responde a um eclesiástico de grande cidade comercial (Lyon, provavelmente), o qual propalava existir uma fabulosa fortuna amealhada por Allan Kardec, mediante o Espiritismo. Chegava o padre V...ao disparate de dizer que Kardec pisava, em sua casa, os mais belos tapetes de Aubusson, tinha carruagem puxada por quatro cavalos e gastava principescamente em Paris. O padre dizia que toda a fortuna de Kardec vinha da Inglaterra (?), e que ele vendia caro os manuscritos de suas obras, cobrando ainda, sobre elas, uma percentagem. E outras coisas mais, absurdas, verdadeiras sandices.

Respondendo à história ultra-leviana dos “milhões” registrou Kardec: “(...) carruagem de quatro cavalos: minhas viagens, faço-as por trem; vida principesca: (...) minhas refeições são bem mais magras que a magra de certos dignitários da Igreja; venda de seus manuscritos: isto entra no domínio privado, onde não reconheço a quem quer que seja o direito de se imiscuir (...) se tivesse vendido meus manuscritos nada mais faria que usar do direito que todo trabalhador tem de vender o produto do seu trabalho: mas, não vendi nenhum: há mesmo os que dei pura e simplesmente no interesse da causa, e que vendem como querem sem que me caiba um soldo”.

Revela, ainda: “A primeira edição de O Livro dos Espíritos foi feita por minha conta e risco total, pois não encontrei editor que dela quisesse encarregar-se”. Na Revista Espírita de junho de 1863 encontramos dois ataques. O primeiro de um padre considerando que “nada mais é abjeto, mais degradante, mais vazias de fundo e de atrativo na forma do que essas publicações (espíritas)”, logo bradando o padre: “destruí-os, pois, com isso não perdereis nada. Com o dinheiro que se dispensa em Lyon por essas inépcias, ter-se-iam facilmente fundado alguns lugares a mais nos hospícios de alienados, atravancados depois da invasão do Espiritismo”. Em magistral resposta, eis Kardec, enérgico, mas pacificador: “Lede, e se isto vos convém, retomais a nós; fazemos mais, dizemos: lede o pró e o contra e comparai. Respondemos aos vossos ataques sem fel, sem animosidade, sem amargor, porque não temos cóleras”.

O SEGUNDO FOI UM TEXTO DE ANTIGO OFICIAL REFORMADO, ex-representante do povo na Assembléia Constituinte de 1848, que publicou em Argel uma brochura de calúnias, injúrias, invenções e ofensas pessoais, dirigidas ao Espiritismo e ao mestre lionês. Sobre a Revista Espírita, assacou: “Existe uma revista mensal espírita, publicada pelo Sr. Allan Kardec, coletânea indigesta que ultrapassa de longe as lendas maravilhosas da antiguidade e da Idade Média”.

Procurava o difamador provar que a finalidade do Espiritismo era uma gigantesca especulação. Para tanto, alinhavou uma série de cálculos absurdos de que resultaram, para Kardec, rendimentos fabulosos que “deixavam bem para trás os “milhões” com que certo padre de Lyon (item acima) generosamente o gratificara”.

Arrematou o indigitado oficial, expondo quantias absurdas coletadas por Kardec: “Se a Europa se deixar infestar, não será mais por milhões que a renda (do proprietário da Reme e soberano pontífice) se avaliará, mas sim por bilhões”.

Sem se abalar, Kardec demonstra que do balanço anual da Sociedade de Paris, apenas restaram 429 francos e 40 centavos, sendo que de tudo ali jamais fora cobrado algo a quem quer que fosse. E que, ao invés dos 3.000 membros, o número não chegava a 100, dos quais apenas alguns eram pagantes (voluntários); que o que ali se arrecadava era gerido por uma comissão de despesas, sem jamais qualquer valor passar pelas mãos do presidente (ele, Kardec).

Na Revista Espírita de junho de 1864, há a notícia de que a Sagrada Congregação do Index, da corte de Roma, voltara suas vistas às obras de Kardec sobre Espiritismo. Assinalou Kardec: “Se uma coisa surpreendeu os espíritas, é que tal decisão não tenha sido tomada mais cedo, sendo que essa medida da Igreja, uma das que já esperava, só traria bons efeitos, e, segundo notícias por ele recebidas, a maioria das livrarias se apressou em dar maior evidência às obras proibidas”.

Na Revista Espírita de 1869, lendo num jornal a frase “Na França o ridículo sempre mata”, faz várias considerações a respeito e arremata: “Na França, ridículo sempre mata o que é ridículo. Isto explica porque o ridículo, derramado em profusão sobre o Espiritismo, não matou”.

Há muito mais, porém o espaço e a própria valia não o aconselham. E também, apresentar outras diatribes... para quê?

Contudo, se algum pesquisador quiser se inteirar das incontáveis atribulações por que passou Allan Kardec, sendo ferozmente atacado por todo tipo de calúnia, há mais notas na obra já citada Allan Kardec - Pesquisa Biobibliográfica e Ensaios de Interpretação, ainda que a obra também não se alongue em tais disparates.

QUEM TIVER O CUIDADO DE PERCORRER A COLEÇÃO DA REVISTA ESPÍRITA se espantará diante de outros tantos absurdos e cruéis ataques desferidos contra Kardec, que a todos ripostou valente e doutrinariamente, esgrimindo sabedoria e amor, sobretudo.

A certa altura da sua vida, ele disse, na Revista Espírita de 1865, na página 163: “(...) jamais pedi nada a ninguém, ninguém jamais me deu algo para mim pessoalmente; nenhuma coleta de um ‘ceitil sequer’ veio prover minhas necessidades; numa palavra, não vivo a expensas de ninguém, pois, quanto às quantias que voluntariamente me foram confiadas no interesse do Espiritismo, nenhuma parcela foi desviada em meu proveito. (...) O Espiritismo foi a obra de minha vida. Dei-lhe todo o meu tempo, sacrifiquei-lhe meu repouso, minha saúde, porque diante de mim o futuro estava escrito em caracteres irrecusáveis. Eu o fiz de motu próprio, e minha mulher, que não é nem mais ambiciosa nem mais interessada do que eu, aderiu plenamente aos meus intentos e me secundou na minha laboriosa tarefa”.

Amélie Gabrielle Boudet (1795-1883), esposa de Kardec, nos 40 anos em que esteve com Kardec e mesmo após a morte do marido, nos 14 anos em que esteve encarnada prosseguiu corajosamente sustentando “a obra Espiritismo”, em todas as frentes de trabalho, particularmente na publicação da Revue Spirite.

Nós, os espíritas do mundo todo, muito devemos a ela! E apenas como breve registro, vejam a barbaridade perpetrada contra a viúva de Allan Kardec, já bem idosa: teve de enfrentar a tempestade de um processo contra a Revista Espírita, devido Pierre-Gaëtan Leymarie (editor das obras de Kardec) ter acolhido o trabalho de um fotógrafo, que dizia produzir fotografias transcendentais, ou seja, ao fotografar uma pessoa, parentes e amigos desencarnados do fotografado apareciam na foto.

O fotógrafo fez um acordo com o juiz, assinou uma confissão de fraude, escapando assim da prisão. Contudo, Leymarie foi condenado e cumpriu um ano de prisão na Penitenciária de Paris.

Intimada como testemunha, a velha senhora foi desrespeitada pelo juiz, aviltando a memória de Allan Kardec, o que provocou viva reação da viúva do Codificador, exigindo respeito à memória de seu esposo.

Sendo o Espiritismo verdadeira bússola para nossas rotas e farol a dissipar as brumas dos nossos limites, relembrando das lutas íntimas e das defesas intransigentes daquele que o codificou, certamente nosso coração, de par com a mente, estará murmurando: Kardec, Kardec, Deus lhe pague!

Notas: (Extraído da revista Espiritismo e Ciência número 20, páginas 14-20)

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Jesus na visão Espírita

17:51 Posted by Fabiano Vidal , , , No comments
Por Sergio Fernandes Aleixo

Em meio à crescente proliferação de doutrinas exóticas no seio mesmo do nosso movimento, sobremodo nos preocupam aquelas cujo resultado é a deturpação da legitima visão espírita de Jesus de Nazaré.

Ao contrário do que a negligência de muitos confrades pode supor, Allan Kardec deixou-nos bem definida a concepção espírita sobre a natureza do Cristo, quer física, quer, sobretudo, espiritualmente.

No comentário ao nº 226 de O Livro dos Espíritos, o codificador estabelece que, quanto ao estado no qual se encontram, os espíritos podem ser encarnados, errantes ou puros. Acerca dos puros, dizem os espíritos superiores: "Não são errantes... Esses se encontram no seu estado definitivo."

Tal é a condição espiritual de Jesus: a dos espíritos puros, ou seja, a dos espíritos que "percorreram todos os graus da escala e se despojaram de todas as impurezas da matéria" (Ob.cit.,nº 113). Apesar de integrar o número dos que "não estão mais sujeitos à reencarnação em corpos perecíveis", dos que "realizam a vida eterna no seio de Deus" (id. Ibid.), entre nós, por missão, o mestre encarnou-se. Conforme o nº 233 de O livro dos espíritos esclarece, "os espíritos já purificados descem aos mundos inferiores", a fim de que não estejam tais mundos "entregues a si mesmos, sem guias para dirigi-los".

É bem verdade que no comentário ao nº 625 da mencionada obra, Allan Kardec apresenta Jesus como "o tipo da perfeição moral a que a humanidade pode aspirar na Terra", em quase exata conformidade com o que diz sobre os espíritos superiores, os quais, segundo ele: "Quando, por exceção, encarnam na Terra, é para cumprir missão de progresso e então nos oferecem o tipo da perfeição a que a humanidade pode aspirar neste mundo" (nº 111).

Cumpre-nos salientar que na doutrina espírita o rigor do conceito de pureza se concentra na expressão "puro espírito", que Kardec explicou ser o estado dos seres que tradicionalmente são chamados "anjos, arcanjos ou serafins"; entretanto, com isso, não quis o codificador estabelecer a existência de gradações no estado de pureza espiritual; basta confrontarmos o item 111 com o item 226 de O livro dos espíritos.

Contudo, o sacrifício tipicamente missionário de um retorno à Terra, mesmo quando já não há necessidade desse tipo de experiência para evoluírem, é meritório aos espíritos superiores, do ponto de vista de sua progressão, pois não integram ainda a classe dos puros espíritos, não se encontram ainda no seu "estado definitivo".

Alguns entendem que este seria o caso de Jesus de Nazaré. Ele teria atingido a perfeição, ou, quiçá, um grau evolutivo mais alto entre os filhos do homem somente após o cumprimento de sua missão, o que, alias, é sugerido pelo autor da Epístola aos hebreus, o qual entende que Jesus, por seus sacrifícios, teria passado, de `sacerdote', à condição de `sumo sacerdote' da ordem de Melquisedeque.

Não desposamos essa idéia, embora admitamos que não confronta com o ensino de O livro dos espíritos, no qual, de fato, Jesus figura ainda como espírito superior; passível seria ele, portanto, de aperfeiçoamento.

A codificação espírita, todavia, não termina em O livro dos espíritos, começa nele. Allan Kardec desenvolveu e aprimorou o conceito espírita sobre a condição espiritual de Jesus como fez com relação a outros temas. Se não, vejamos.

Já mesmo em O livro dos médiuns, obra que constitui, segundo o próprio codificador, a seqüência de O livro dos espíritos, Allan Kardec passou a classificar Jesus como espírito puro. Na nota que escreve à dissertação IX do cap. XXXI, distingue, com absoluta clareza "os espíritos verdadeiramente superiores" daquele que representa "o espírito puro por excelência", por desvelada menção a Jesus Cristo.

Ora, Allan Kardec diz que tais espíritos, mesmo superiores, não têm as qualidades do Cristo; de novo estabelece, portanto, diferença entre Jesus e os espíritos superiores, como fez em O livro dos médiuns, na aludida nota à dissertação IX do cap. XXXI. Isso tão- só porque os espíritos superiores ainda não são puros.

Do livro: "Reencarnação – Lei da Bíblia, Lei do Evangelho, Lei de Deus." - Sergio Fernandes Aleixo, ed. Lachâtre

domingo, 8 de novembro de 2009

Hereditariedade fisiológica e hereditariedade psíquica

Por Domério de Oliveira

Sob a ótica da Medicina Legal, hereditariedade é o fenômeno biológico pelo qual se opera a transmissão de caracteres físicos e morais dos pais aos filhos. Temos, assim, a hereditariedade fisiológica que, por si mesma, não pode explicar determinados fatos que vão além dos seus acanhados limites. Há certas particularidades, no campo da hereditariedade, que demonstram heranças que nada têm a ver com os caracteres biológicos dos ascendentes. Filhos de pais, sem quaisquer índices de inteligência, nascem com faculdades intelectivas fulgurantes e com inatas vocações para as artes, para a ciência, para a literatura, a música e outros ramos do conhecimento. Assim sendo, a hereditariedade, no seu amplo sentido, para ser melhor compreendida, tem de ser completada, também, com o conceito da hereditariedade psíquica, ou seja, aquela herança que o Espírito já traz consigo mesmo, quando retorna o vaso carnal. Meus amigos, quem, a não ser o Espírito Imortal, pode constituir o fio condutor que, através de um contínuo nascer e morrer de formas, rege o desenvolvimento da evolução? Sim, através das múltiplas vivências, o Espírito vai amadurecendo e acumulando experiências, bem como, vai adquirindo cultura, patrimônio inalienável que o acompanha. Daí, então, a hereditariedade psíquica que transcende as barreiras da hereditariedade fisiológica. Esse conceito de hereditariedade psíquica, por certo, conduz à inevitável conclusão extraída de fatos já vivenciados relativos à sobrevivência de um Princípio Psíquico depois da morte. Sócrates já nos ensinava que "viver é recordar".

Os animais, nossos irmãozinhos menores, também, possuem o seu "corpo astral", (Perispírito), que sobrevive à morte do corpo físico e que é, justamente, aquele "fio condutor", ligando as numerosas fases das reencarnações.

Sim, meus amigos, se o Psiquismo, (Espírito), já está demonstrado, como fazendo parte dos fenômenos biológicos, forçoso é admitir que ele, assim como sobrevive à morte orgânica, deva preexistir ao nascimento. Ao Espírito são confiados os últimos produtos da vida e a continuidade do transformismo evolutivo, como Unidade Diretora que é de todas as suas formas sucessivas. A hereditariedade nos apresenta determinados fenômenos que só podem ser explicados à luz da hereditariedade psíquica, ou seja, o Espírito herdando de si mesmo as suas qualidades ou os seus defeitos. Quantas vezes, os filhos superam os pais e os gênios nascem de antepassados medíocres! Como pode o mais ser gerado pelo menos?

Entre pais e filhos prevalecem mais as semelhanças orgânicas do que as qualidades psíquicas. Notemos que a gênese do psiquismo, a formação do instinto, da consciência, por certo, são problemas de outra maneira insolúveis, caso não sejam analisados e equacionados à luz da legítima herança psíquica.

Um rio não pode criar-se a si mesmo; também o Espírito não pode criar-se a si mesmo. E, como o rio, o Espírito percorre uma longa distância, vencendo os acidentes da jornada, para alcançar a amplidão do oceano. Não podemos aceitar a tese de algumas crenças de que a Alma nasce com o corpo. Nesta hipótese, se a Alma nasce com o corpo fatalmente deve morrer com o corpo e, nesse caso, a lógica nos conduzirá ao mais desesperado materialismo. Isso não é verdade, porque já está provada cientificamente a sobrevivência do Espírito.

Meus amigos, tudo obedece a uma lei fatal de causalidade, uma lei íntima, invisível e inviolável, contra a qual nada podem a astúcia e a prepotência. Nunca se pode fugir às conseqüências das próprias ações. O Bem ou o mal que alguém faz, o faz para si mesmo.

Devemos considerar que antes da hereditariedade fisiológica, há uma hereditariedade psíquica que se sobrepõe àquela, resumindo todas as nossas obras e encerrando o nosso destino.

Mantemos com os nossos Pais uma relação de afinidade. Por isso mesmo reencarnamos nos ambientes onde devemos reencarnar e cruzamos com aquelas criaturas que devemos cruzar, ou por um toque de bem querer ou para restabelecimento de elos partidos.

Nossos Espíritos, normalmente, escolhem o lugar e o tempo em que, prescientes das provas, as têm que vencer.

Curvemo-nos, assim, ante nossa hereditariedade psíquica, pois, espiritualmente, somos os nossos próprios herdeiros e, assim sendo, temos que arcar com a partilha dos nossos Bens ou dos nossos males.

Fonte: Jornal Verdade e Luz Nº 166 Novembro de 1999

sábado, 7 de novembro de 2009

Cuidar do Corpo e do Espírito

Por Rita Foelker

Espírito e matéria têm sido considerado elementos opostos, antagônicos, inconciliáveis, por muitas doutrinas.

Geralmente se pensa que é preciso rebaixar a matéria para elevar o Espírito ou, vice-versa, que quando se dá importância para a matéria, o lado espiritual fica prejudicado.

Na questão 721 de O LIVRO DOS ESPÍRITOS, Allan Kardec pergunta se é meritória a vida de mortificações do ascetismo e, qual a resposta? Perguntai a quem ela aproveita e tereis a resposta. (...) Submeter-se às privações no trabalho pelos outros é a verdadeira mortificação, de acordo com a caridade cristã.

O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO nos diz: Contentai-vos com as provas que Deus vos envia, e não aumenteis sua carga, às vezes, tão pesada; aceitá-las sem lamentações e com fé, é tudo que ele vos pede. (Cap. V, Item 26). E nos diz: Amai, pois, vossa alma, mas cuidai também do corpo, instrumento da alma.(Cap. XVII, Item 11)

Para o Espiritismo, não há conflito entre a matéria e o espírito: há convivência harmônica e necessária. Para ele, Deus, espírito e matéria são o princípio de tudo o que existe. O Espírito necessita da matéria para a sua evolução. Ambos são importantes e insubstituíveis.

A matéria que constitui o nosso corpo, ou a que forma os chamados bens materiais, é uma criação divina para nosso aprendizado. Tanto ela é útil, que a riqueza e a pobreza são provas pelas quais o Espírito costuma passar, e cada qual encerra lições distintas e preciosas.

As coisas materiais podem ser boas e úteis. O erro está em supervalorizá-las.

O problema aparece quando se busca a felicidade unicamente na satisfação da sensualidade e nos prazeres materiais, perecíveis, finitos, esquecendo-se de que a vida do Espírito é a verdadeira vida.

Aliás, este é um péssimo costume de nossa sociedade, o de valorizar mais as coisas que as pessoas. Ou valorizar as pessoas a partir das coisas que ostentam.

Porém, não é castigando nosso corpo ou nos despojando dos bens materiais que resolveremos este problema.

O essencial é ter equilíbrio. Dar a cada coisa o seu devido valor. Porque nos momentos de desequilíbrio, perde-se facilmente a noção do verdadeiro valor das coisas e das pessoas.

A melhor comparação que encontrei, até hoje, para ilustrar este equilíbrio, este bom senso em lidar com o mundo da matéria, é de Humberto Rohden, em "O Espírito da Filosofia Oriental" (Ed. Alvorada)

No Oriente, o mundo material é chamado de Maya. Diz Rohden: Para o profano, é Maya uma Circe sedutora, que o desvia de Deus; - para o iniciado, é ela uma Beatriz que conduz o homem a Deus. Para aquele, é o mundo uma espécie de parede opaca que oculta ao homem a Divindade: para este, é um límpido cristal, plenamente transparente, que polariza numa lente a luz dispersa, um prisma que refrange em beleza multicolor a luz incolor da Verdade absoluta.

Deus criou um Universo de beleza e abundância. Não o fez à toa, ou simplesmente para nos experimentar. É que esta beleza e esta abundância também expressam Sua infinita bondade para com Suas criaturas.

As Vidas Sucessivas

Por Léon Denis

A alma, depois de residir temporariamente no Espaço, renasce na condição humana, trazendo consigo a herança, boa ou má, do seu passado; renasce criancinha. Reaparece na cena terrestre para representar um novo ato do drama da sua vida, pagar as dívidas que contraiu, conquistar novas capacidades que lhe hão de facilitar a ascensão, acelerar a marcha para a frente.

A lei dos renascimentos explica e completa o princípio da imortalidade. A evolução do ser indica um plano e um fim. Esse fim, que é a perfeição, não pode realizar-se em uma existência só, por mais longa que seja. Devemos ver na pluralidade das vidas da alma a condição necessária de sua educação e de seus progressos. É à custa dos próprios esforços, de suas lutas, de seus sofrimentos, que ela se redime de seu estado de ignorância e de inferioridade e se eleva, de degrau a degrau, na Terra primeiramente, e, depois, através das inumeráveis estâncias do céu estrelado.

A reencarnação, afirmada pelas vozes de além-túmulo, é a única forma racional por que se pode admitir a reparação das faltas cometidas e a evolução gradual dos seres. Sem ela, não se vê sanção moral satisfatória e completa; não há possibilidade de conceber a existência de um Ser que governe o Universo com justiça.

Se admitirmos que o homem vive atualmente pela primeira e última vez neste mundo, que uma única existência terrestre é o quinhão de cada um de nós, a incoerência e a parcialidade, forçoso seria reconhecê-lo, presidem à repartição dos bens e dos males, das aptidões e das faculdades, das qualidades nativas e dos vícios originais.

Por que para uns a fortuna, a felicidade constante e para outros a miséria, a desgraça inevitável? Para estes a força, a saúde, a beleza; para aqueles a fraqueza, a doença, a fealdade? Por que a inteligência, o gênio, aqui; e, acolá, a imbecilidade? Como se encontram tantas qualidades morais admiráveis, a par de tantos vícios e defeitos? Por que há raças tão diversas? Umas inferiores a tal ponto que parecem confinar com a animalidade e outras favorecidas com todos os dons que lhes asseguram a supremacia? E as enfermidades inatas, a cegueira, a idiotia, as deformidades, todos os infortúnios que enchem os hospitais, os albergues noturnos, as casas de correção? A hereditariedade não explica tudo; na maior parte dos casos, estas aflições não podem ser consideradas como o resultado de causas atuais. Sucede o mesmo com os favores da sorte. Muitíssimas vezes, os justos parecem esmagados pelo peso da prova, ao passo que os egoístas e os maus prosperam!

Por que também as crianças mortas antes de nascer e as que são condenadas a sofrer desde o berço? Certas existências acabam em poucos anos, em poucos dias; outras duram quase um século! Donde vêm também os jovens-prodígios - músicos, pintores, poetas, todos aqueles que, desde a meninice, mostram disposições extraordinárias para as artes ou para as ciências, ao passo que tantos outros ficam na mediocridade toda a vida, apesar de um labor insano? E igualmente, donde vêm os instintos precoces, os sentimentos inatos de dignidade ou baixeza contrastando às vezes tão estranhamente com o meio em que se manifestam?

Se a vida individual começa somente com o nascimento terrestre, se, antes dele, nada existe para cada um de nós, debalde se procurarão explicar estas diversidades pungentes, estar tremendas anomalias e ainda menos poderemos conciliá-las com a existência de um poder sábio, previdente, eqüitativo. Todas as religiões, todos os sistemas filosóficos contemporâneos vieram esbarrar com este problema; nenhum o pôde resolver. Considerado sob seu ponto de vista, que é a unidade de existência para cada ser humano, o destino continua incompreensível, ensombra-se o plano do Universo, a evolução para, torna-se inexplicável o sofrimento. O homem, levado a crer na ação de forças cegas e fatais, na ausência de toda justiça distributiva, resvala insensivelmente para o ateísmo e o pessimismo. Ao contrário, tudo se explica, se torna claro com a doutrina das vidas sucessivas. A lei de justiça revela-se nas menores particularidades da existência. As desigualdades que nos chocam resultam das diferentes situações ocupadas pelas almas nos seus graus infinitos de evolução. O destino do ser não é mais do que o desenvolvimento, através das idades, da longa série de causas e efeitos gerados por seus atos.
Nada se perde; os efeitos do bem e do mal acumulam-se e germinam em nós até o momento favorável de desabrocharem. Às vezes, expandem-se com rapidez; outras, depois de longo lapso de tempo, transmitem-se, repercutem, de uma para outra existência, segundo a sua maturação é ativada ou retardada pelas influências ambientes; mas, nenhum desses efeitos pode desaparecer por si mesmo; só a reparação tem esse poder.

Cada um leva para a outra vida e traz ao nascer, a semente do passado. Essa semente há de espalhar seus frutos, conforme a sua natureza, ou para nossa felicidade ou para nossa desgraça, na nova vida que começa e até sobre as seguintes, se uma só existência não bastar para desfazer as conseqüências más de nossas vidas passadas. Ao mesmo tempo, os nossos atos cotidianos, fontes de novos efeitos, vêm juntar-se às causas antigas, atenuando-as ou agravando-as, e forma com elas um encadeamento de bens ou de males que, no seu conjunto, urdirão a teia do nosso destino.

Assim, a sanção moral, tão insuficiente, às vezes tão sem valor, quando é estudada sob o ponto de vista de uma vida única, reconhece-se absoluta e perfeita na sucessão de nossas existências. Há uma íntima correlação entre os nossos atos e o nosso destino. Sofremos em nós mesmos, em nosso ser interior e nos acontecimentos de nossa vida, a repercussão do nosso proceder. A nossa atividade, sob todas as suas formas, cria elementos bons ou maus, efeitos próximos ou remotos, que recaem sobre nós em chuvas, em tempestades ou em alegres claridades. O homem constrói o seu próprio futuro. Até agora, na sua incerteza, na sua ignorância, ele o construiu às apalpadelas e sofreu a sua sorte sem poder explicá-la. Não tardará o momento em que, mais bem instruído, penetrado pela majestade das leis superiores, compreenderá a beleza da vida, que reside no esforço corajoso, e dará à sua obra um impulso mais nobre e elevado.

Fonte: O Problema do Ser, do Destino e da Dor